Repatriação de brasileiros dos Estados Unidos: eles poderiam ter sido algemados?

Repatriação de brasileiros dos Estados Unidos: eles poderiam ter sido algemados?

Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos e no artigo de hoje vou comentar os recentes fatos envolvendo a deportação de 88 brasileiros dos Estados Unidos que chegaram no Brasil algemados nos pés e nas mãos.

O fato que rendeu duras críticas merece uma análise à luz do direito, em especial dos tratados e acordos internacionais que regem esse tipo de ato e dos acordos diplomáticos existentes entre o Brasil e os Estados Unidos.

Além disso, é importante esclarecer que em razão da relevância do tema, há grande probabilidade de cobrança de algum conteúdo relacionado na prova de vocês. Por isso, traremos somente aquilo que efetivamente seja importante, sem nenhum viés ou direcionamento político.

Contextualização dos fatos

No último dia 24 de janeiro, um voo que deveria chegar em Confis, Minas Gerais, e que trazia 88 brasileiros deportados dos Estados Unidos, teve que fazer um pouso emergencial na cidade de Manaus-AM.

Brasileiros deportados

Realizado o pouso, a polícia federal tomou conhecimento de que os passageiros estavam algemados. Isso motivou o governo brasileiro a determinar a retirada das algemas e enviar uma aeronave da FAB para transportar os brasileiros até o destino final (MG).

Diversos passageiros relataram abusos praticados pelos agentes norte americanos. Tais abusos iam desde a recusa a retirar as algemas em solo brasileiro, a até possíveis agressões físicas. Os fatos ganharam bastante repercussão e a possível ilegalidade foi objeto de discussão das principais páginas de notícias.

Assim, passemos à análise jurídica dos fatos.

Normativas Constitucional e Internacional

Inicialmente, destaca-se que nos termos do art. 1º, III, da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Além disso, o artigo 4º, II, preconiza a prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais. De sua vez, o artigo 5º, III, dispõe que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Referidos dispositivos constitucionais são pilares dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana a nível nacional.

Não obstante, por se tratar de brasileiros deportados, trazidos pelos Estados Unidos, é importante também analisar os fatos sob a ótica internacional.

A nível de tratados, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 5º, afirma que “ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. Além disso, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966 e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 592/1992, reitera a mesma proibição no seu artigo 7º.

Uso de algemas

Especificamente sobre o uso de algemas durante a repatriação de brasileiros, não há tratado internacional que o proíbe expressamente.

Embora não haja um acordo formal assinado entre os dois países sobre deportações, existem trocas de notas diplomáticas que estabelecem as condições para essas operações. Em uma dessas notas, de 2021, o governo brasileiro afirmou que os deportados “não serão submetidos ao uso de algemas e correntes, ressalvados os casos de extrema necessidade”.

Tais notas diplomáticas se iniciaram em 2017, em acordos políticos entre o Brasil e os Estados Unidos, firmados nas primeiras deportações promovidas por Trump em seu primeiro mandato

Desse modo, apesar de ser uma prática padrão algemar deportados durante voos fretados pelos Estados Unidos, essa prática não poderia ter sido adotada em solo brasileiro, onde o uso de algemas é reservado para situações de potencial risco à segurança.

Portanto, por mais que inexistam sanções objetivamente previstas para tais práticas, fato é que as imagens publicadas nos diversos portais de notícias, onde brasileiros são retirados do avião ainda algemados, nas mãos e nos pés,  além de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, demonstra desrespeito aos acordos internacionais firmados entre Brasil e Estados Unidos.

Dessa forma, do ponto de vista da normativa internacional o uso de algemas na forma noticiada foi indiscriminado e ilegítimo.

Apontamentos finais

Consoante se verifica, o uso indiscriminado de algemas e correntes em deportados, sem justificativa adequada, configura uma violação dos princípios e normativas nacionais e internacionais de direitos humanos.

Desse modo, a intervenção do governo brasileiro decorre de imperativo normativo que exige que o Brasil, ao receber seus cidadãos deportados, assegure que sejam tratados com o respeito e a dignidade que lhes são devidos. Isso independe das circunstâncias que levaram à deportação e de quaisquer fundamentos políticos que a justifiquem.

A adoção de medidas que garantam condições humanitárias adequadas no processo de repatriação é essencial para a manutenção dos direitos fundamentais e para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

Em suma, a análise jurídica dos fatos demonstra que, na órbita internacional, o cumprimento dos tratados, convenções e acordos firmados entre os países, encontra grande barreira na ausência de soluções concretas para eventuais violações e evidencia a necessidade de se respeitar os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana em todas as etapas do processo de deportação.


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