Remição ficta por doença incapacitante

Remição ficta por doença incapacitante

Explicação do caso

A discussão gira em torno da possibilidade de concessão da remição ficta da pena a uma reeducanda que, em cumprimento de pena no regime semiaberto, teve sua rotina de trabalho interrompida por motivo de saúde grave. A apenada, que realizava regularmente atividades laborais dentro do sistema prisional, precisou de internação para tratamento oncológico, tornando-se incapaz de continuar com os serviços prestados.

Diante dessa realidade, pleiteou-se o reconhecimento da remição do tempo de pena correspondente ao período em que esteve impedida de trabalhar por motivo comprovadamente involuntário e extraordinário. A defesa sustentou que a interpretação extensiva do §4º do art. 126 da Lei de Execução Penal (LEP) permitiria o deferimento do benefício, com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, da individualização da pena e da isonomia.

O ponto central da controvérsia foi a natureza da impossibilidade: não se tratava de acidente, conforme a literalidade do dispositivo legal, mas de uma doença incapacitante. Apesar disso, acolheu-se o pedido sob fundamento de que o espírito da norma também abarca situações equivalentes de excepcionalidade, como ocorre no caso da enfermidade grave.

Aspectos jurídicos relevantes

A remição da pena é disciplinada no art. 126 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984). Nos termos do caput:

“O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.”

A contagem de dias remidos é feita da seguinte forma:

  • Um dia de pena para cada três dias de trabalho (§1º, II);
  • Um dia de pena para cada doze horas de estudo, divididas em pelo menos três dias (§1º, I).

Já o §4º do artigo 126 da LEP estabelece que:

“O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição.”

Embora o texto legal mencione expressamente “acidente”, a jurisprudência vêm admitindo interpretação extensiva ou analógica para hipóteses similares de força maior, como doenças graves que incapacitam o apenado, impedindo-o de exercer atividades laborativas ou educacionais, ainda que ele demonstre histórico de empenho anterior.

Ressocialização

A justificativa jurídica repousa na finalidade ressocializadora da execução penal e na igualdade substancial entre os presos. Se a reeducanda exercia seu direito-dever de trabalhar, e a interrupção decorreu de fator imprevisível e involuntário, a penalização por esse afastamento contrariaria os princípios da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).

Ademais, importante destacar que, no julgamento do Tema Repetitivo 1120/STJ, a Corte admitiu a remição ficta em razão da pandemia de Covid-19, mesmo sem previsão legal específica para tal cenário. Entendeu-se que o contexto excepcional impossibilitou os apenados de seguir com trabalho ou estudo, sem culpa sua. A decisão firmou-se também com base nos princípios da fraternidade, da dignidade e da equidade.

Tese firmada: Nada obstante a interpretação restritiva que deve ser conferida ao art. 126, §4º, da LEP, os princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da fraternidade, ao lado da teoria da derrotabilidade da norma e da situação excepcionalíssima da pandemia de covid-19, impõem o cômputo do período de restrições sanitárias como de efetivo estudo ou trabalho em favor dos presos que já estavam trabalhando ou estudando e se viram impossibilitados de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico.

Embora o caso da pandemia envolva uma situação coletiva e o da apenada oncológica seja individual, os fundamentos são análogos: o impedimento foi externo, excepcional e involuntário. Assim, o raciocínio aplicado no tema repetitivo pode e deve ser replicado em situações de enfermidade grave, inclusive como forma de proteger o apenado contra a exclusão discriminatória de benefícios legais.

Além disso, a jurisprudência recente do STJ tem acolhido pedidos de remição ficta por problemas de saúde incapacitantes, desde que comprovados por laudos médicos e desde que o apenado tivesse vínculo anterior com o trabalho ou estudo. É fundamental que não haja má-fé ou inércia do apenado, mas sim impedimento real e reconhecido pela administração penitenciária.

Consequências

A admissão da remição ficta por doença incapacitante tem importantes consequências sociais e jurídicas. Em primeiro lugar, promove isonomia entre apenados, ao impedir que pessoas adoecidas sejam penalizadas duplamente – pela prisão e pela exclusão de benefícios.

Remição ficta

Além disso, fortalece a função humanizadora da execução penal, consolidando o entendimento de que o Estado deve reconhecer as vulnerabilidades dos reeducandos, sem restringir direitos de forma desproporcional.

Do ponto de vista sistêmico, a jurisprudência que admite remição ficta amplia o papel do Judiciário na interpretação conforme os princípios constitucionais, adaptando a LEP a contextos complexos da vida prisional, nos quais a literalidade da lei não é suficiente para alcançar a justiça material.

Por fim, ao assegurar esse direito em casos graves, o sistema penitenciário também envia uma mensagem de respeito à condição humana, reafirmando que a doença não pode ser instrumento de opressão ou de perda de garantias fundamentais.

Como isso vai cair na sua prova?

(Prova Objetiva – Direito Penal/Execução Penal)

A respeito da remição da pena no sistema prisional brasileiro, assinale a alternativa correta:

a) A remição da pena é exclusiva aos presos em regime fechado e depende exclusivamente de atividade laborativa.

b) A LEP veda qualquer tipo de remição nos casos em que o apenado se encontra incapacitado para o trabalho por motivos de saúde.

c) A remição ficta pode ser concedida apenas nos casos de acidente de trabalho, desde que previsto em sentença condenatória.

d) A jurisprudência do STJ admite a remição ficta em situações excepcionais, como doença grave incapacitante, desde que comprovado o vínculo anterior com o trabalho.

e) Não há previsão legal ou jurisprudencial para a remição da pena baseada em causas involuntárias de afastamento.

Gabarito: d)

Justificativa: O STJ, ao analisar casos excepcionais como a pandemia e enfermidades graves, tem admitido a remição ficta com base em interpretação extensiva do §4º do art. 126 da LEP, desde que haja comprovação da impossibilidade e histórico de trabalho ou estudo.


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