Olá, pessoal, aqui é o professor Allan Joos e hoje vamos tratar de um tema bastante polêmico, que envolveu decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).
Neste mês, difundiu-se em diversas páginas de notícias jurídicas que o TJSP confirmou decisão que rejeitou uma denúncia de injúria racial praticada em face de uma pessoa branca (processo 0008438-25.2024.8.26.0050).
O julgado trata de fato em que uma mulher utilizou a expressão “bicha branca” para ofender um homem.
O tribunal, no entanto, entendeu que o termo “branca” não caracterizava racismo ou injúria racial. Isso reacendeu discussões sobre os limites do conceito de racismo no Brasil, especialmente em relação à ideia de “racismo reverso” e suas implicações jurídicas.
O conceito de Racismo e sua aplicação no Brasil
No ordenamento jurídico brasileiro, a Lei nº 7.716/89 é que tipifica o crime de racismo. Ela define como condutas criminosas qualquer discriminação baseada em raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Lá, consta diversos tipos penais que tratam, basicamente da discriminação racial. Também a injúria racial, por força da recente Lei nº 14.532/2023, é considerada racismo nos moldes do que prevê o artigo 2º-A da Lei nº 7.716/89.
Vale destacar que a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XLII, classifica o racismo como crime inafiançável e imprescritível, reforçando a proteção constitucional contra práticas discriminatórias.
Ressalte-se que racismo no Brasil está intimamente ligado à escravidão e à posterior exclusão social e econômica da população negra e indígena. É essa característica histórica que dá base à tipificação penal do racismo, sendo a raça negra o principal grupo vítima de tal discriminação ao longo da história do país.
Para que se considere uma conduta como racismo, é necessário que exista uma discriminação dirigida a um grupo historicamente vulnerável, que tenha sofrido opressão e marginalização estrutural ao longo da história. O racismo no Brasil está intimamente ligado à escravidão e à posterior exclusão social e econômica da população negra e indígena.
O conceito de “racismo reverso” sugere que indivíduos brancos poderiam ser vítimas de discriminação racial da mesma forma que negros, indígenas ou outros grupos marginalizados. Contudo, a doutrina majoritária e a jurisprudência brasileira rejeitam essa noção. O argumento é que o racismo, como fenômeno social, envolve a opressão sistemática de grupos historicamente desfavorecidos.
Nesse sentido, a discriminação contra brancos não possui o mesmo contexto de dominação e exclusão social. Isso torna inaplicável o conceito de racismo nesses casos.
A decisão do TJSP
No caso específico julgado pelo TJ-SP, a acusada proferiu a frase “bicha branca” em um contexto de ofensa pessoal.
O Ministério Público tentou enquadrar a expressão como injúria racial, tipificada no art. 140, § 3º, do Código Penal. O dispositivo trata da ofensa à dignidade de alguém em razão de raça, cor, etnia, religião ou origem (destaca-se que a tipificação é por fato anterior à vigência da Lei nº 14.532/23, por isso a tipificação no dispositivo anterior, por ser mais benéfica).
O tribunal, ao rejeitar a denúncia, baseou-se na distinção histórica e sociológica que envolve o racismo no Brasil. O termo “branca”, usado no contexto, não possui a carga histórica de opressão necessária para configurar racismo ou injúria racial.
Ao proferir a decisão, o tribunal ressaltou que a raça branca, no Brasil, nunca foi alvo de discriminação sistemática ou estrutural, o que impede o enquadramento dessa conduta no crime de injúria racial.
Homofobia equiparada ao racismo pelo STF
O TJSP afastou a tipificação do crime de racismo pelo emprego do termo “bicha” porque, na época dos fatos, ocorridos em 2019, o Supremo Tribunal Federal ainda não havia equiparado a homofobia ao racismo. Isso só ocorreu em 2021, com o julgamento da ADO 26 e do Mandado de Injunção (MI) nº 4.733.
Nessa decisão histórica, o STF determinou que a homofobia e a transfobia se enquadram como formas de racismo. Isso se deve em razão da omissão legislativa em aprovar normas específicas para a criminalização de tais condutas. A partir desse julgamento, condutas discriminatórias com base na orientação sexual passaram a ser criminalizadas nos moldes da Lei nº 7.716/1989, que define e pune crimes de racismo.
Por outro lado, se o caso julgado pelo TJSP tivesse ocorrido após a decisão do STF sobre a homofobia, provavelmente a análise jurídica seria diferente, ao menos em relação à parte da ofensa que se refere à palavra “bicha”, já que se trata de uma conduta evidentemente homofóbica.
Nesse contexto, seria possível tipificar a conduta como crime de racismo. Isso porque ofender alguém por sua orientação sexual passou a ser visto como uma forma de discriminação racial, conforme a interpretação dada pelo STF.
O indevido emprego do denominado “Racismo Reverso”
O racismo é um fenômeno estrutural, que envolve a discriminação e exclusão sistemática de grupos vulneráveis, como negros, indígenas e outras minorias raciais.
Nesse sentido, a raça branca, que historicamente esteve em uma posição de privilégio, não pode ser vítima de racismo da mesma maneira que grupos marginalizados.
O entendimento consolidado na atualidade é o de que a discriminação contra pessoas brancas não se configura como racismo nos termos da Lei nº 7.716/89.
Tanto na doutrina quanto na jurisprudência brasileira, contesta-se altamente a noção de “racismo reverso”.
Autores como Adilson Moreira sustentam que o racismo é um fenômeno estrutural, que envolve a discriminação e exclusão sistemática de grupos vulneráveis, como negros, indígenas e outras minorias raciais. Nesse sentido, a raça branca, que historicamente esteve em uma posição de privilégio, não pode ser vítima de racismo da mesma maneira que grupos marginalizados.
Atualmente, o entendimento consolidado é o de que a discriminação contra pessoas brancas, diante da ausência desse histórico de discriminação, não se configura como racismo nos termos da Lei nº 7.716/1989. Um dos principais argumentos é que o racismo implica uma relação de poder e dominação, que não se verifica em situações em que indivíduos brancos alegam discriminação.
A raça branca, por não ter sido historicamente oprimida, não pode ser alvo de racismo nos moldes previstos pela legislação. Além disso, a equiparação da homofobia ao racismo, decidida pelo STF em 2021, trouxe novas perspectivas para casos futuros que envolvam discriminação por orientação sexual
Tema pode cair em provas
Vale dizer, que a decisão do TJSP parece ser acertada, na medida em que o racismo, no Brasil, é estrutural e atinge eminentemente pessoas negras, cujo histórico de discriminação existe desde o período da escravização.
Este tema, é de suma importância, principalmente em concursos que cobram questionamentos críticos, como, por exemplo, provas da Defensoria Pública e do Ministério Público.
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