Questões de concurso público organizadas pela Fundação Getúlio Vargas são anuladas por veicularem conteúdo machista

Questões de concurso público organizadas pela Fundação Getúlio Vargas são anuladas por veicularem conteúdo machista

Questões de concurso público organizadas pela Fundação Getúlio Vargas são anuladas por apresentarem conteúdo considerado machista, gerando repercussão e debates sobre igualdade de gênero nos processos seletivos.

*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.

Entenda o caso

Na prova de língua portuguesa do concurso público para Administração Pública Municipal Direta do Município de Macaé, a Fundação Getúlio Vargas trouxe duas questões com conteúdo machista.

Vejamos na literalidade tais questões:

conteúdo machista
conteúdo machista

As questões foram duramente criticadas e apontadas como veiculadoras de conteúdo machista por alguns candidatos.

A organizadora do concurso (Fundação Getúlio Vargas) entendeu pela anulação das questões, sob o argumento de que os conteúdos delas não estão alinhadas com os princípios da fundação.

Neste contexto, importante entendermos o que é o “machismo” e as suas repercussões jurídicas.

Análise Jurídica

O machismo pode ser visto como um sistema de crenças que promove a suposta superioridade masculina e tenta justificar a desigualdade de poder entre os gêneros, perpetuando a subordinação das mulheres por meio de normas culturais e sociais enraizadas nas instituições e estruturas sociais.

conteúdo machista

O machismo não se manifesta de uma maneira apenas, mas pode ser visto em algumas formas, cabendo destacar as seguintes:

Machismo EstruturalMachismo CulturalMachismo Institucional
É a forma como o machismo está enraizado nas instituições e nas estruturas sociais, criando e perpetuando desigualdades entre homens e mulheres. A professora Iris Marion Young descreve como a opressão sistêmica, incluindo o machismo estrutural, é mantida por práticas sociais que distribuem desigualmente poder, recursos e prestígio.Diretamente relacionado às normas, valores e práticas culturais que promovem a suposta superioridade masculina. Esse tipo de machismo se manifesta por meio de estereótipos de gênero e papeis tradicionais.
Diz respeito às políticas e práticas das instituições, como empresas, escolas e governos, que mantêm a desigualdade de gênero. 

A elaboração das questões que constaram da prova de língua portuguesa para Administração Pública Municipal Direta do Município de Macaé representa manifestação de machismo estrutural. A prova trouxe, ainda que sem intenção dolosa, questões que inferiorizaram as mulheres, colocando-as em posição de desprestígio e inferioridade em relação aos homens.

O machismo vem diretamente atrelado à ideia de sociedade patriarcal. Esta é um sistema social no qual os homens detêm a maior parte do poder e dos recursos, enquanto as mulheres são sistematicamente subordinadas.

No âmbito jurídico, a Constituição Federal de 1988 traz a igualdade como regra e dever de todos, sendo a vedação à discriminação um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: dispondo da seguinte forma:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Não obstante a tal previsão, historicamente existe a figura do pater famílias, sempre foi utilizado como marca regulatória de cerceamento à liberdade da mulher. 

Demonstrando preocupação e disposição de modificar o cenário de machismo arraigado em nossa sociedade, podemos citar alguns instrumentos jurídicos existentes hoje reduzir (ou, ao menos, tentar) as desigualdades entre homens e mulheres:

  • Lei do Feminicídio

A Lei 13.104/15, que entrou em vigor em 2015, considera feminicídio o assassinato de mulheres por serem mulheres. 

  • Lei de Igualdade Salarial

A Lei 14.611/2023, aprovada em 2023, visa diminuir a diferença salarial entre homens e mulheres. 

  • Programa Sinal Vermelho

Uma campanha do CNJ e da AMB que permite que a mulher vítima de violência denuncie o agressor de forma discreta.

  • Julgamento com perspectiva de gênero

O Poder Judiciário deve promover o enfrentamento das desigualdades, com a observância da perspectiva de gênero. 

Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero

Sobre este último ponto (julgamento com perspectiva de gênero), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução nº 492, de 17 de março de 2023, após a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no caso Márcia Barbosa de Souza e outros vs. Brasil, sentença que está disponível nos painéis de acompanhamento da Unidade de Monitoramento e Fiscalização (UMF) das Decisões e Deliberações da Corte IDH.

A ideia é instituir um guia para a magistratura com foco na eliminação do tratamento desigual ou discriminatório e no aprimoramento das respostas judiciais às agressões contra as mulheres, de modo a evitar que a violência de que são vítimas no âmbito privado ou público seja seguida de uma violência institucional.

Conclusão – conteúdo machista

Voltando ao caso trazido, não é possível extrair das normas jurídicas em vigor a obrigação direta na anulação das questões que veicularam conteúdo machista. Entretanto, num cenário jurídico pós-positivista, onde a Constituição Federal de 1988 possui força normativa, especialmente seus princípios, é adequado pensar na existência de direito difuso à não discriminação de gênero, autorizando a intervenção judicial para anular questões com conteúdo machista ou sexista.

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