* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STJ
O Superior Tribunal de Justiça, através de sua Terceira Turma, decidiu que é possível, em ação de oferta de alimentos, deferir a quebra dos sigilos fiscal e bancário do alimentante para aferir a sua real capacidade financeira.
O relator do recurso, ministro Moura Ribeiro, ressaltou que o direito aos sigilos fiscal e bancário não é absoluto. Ou seja, é possível relativizá-lo diante de outro direito relevante e fundamental.
A quebra de sigilo é justificada na ação de oferta de alimentos quando não há outra forma de saber a real condição financeira do alimentante.
No caso concreto, restou configurada uma fundada controvérsia a respeito da capacidade financeira do pai. Por isso, foi necessária a quebra de sigilo para se fixar um valor justo e adequado a título de alimentos.
Entre o princípio da inviolabilidade fiscal e bancária e o direito alimentar, deve prevalecer o segundo, que resguarda os interesses do menor. Além disso, o direito à sobrevivência digna dos alimentados incapazes se sobrepõe ao direito à privacidade do alimentante.
O ministro foi incisivo:
“O crédito alimentício, por natureza e relevância, tem de merecer tratamento especial, com vistas à concretização do direito à dignidade daqueles que precisam dos alimentos”.
Entenda o caso

Na origem, foi ajuizada ação de oferta de alimentos em benefício de filho menor, na qual o juízo fixou alimentos provisórios fixados em R$6.300,00.
Em contestação, a defesa do alimentado anexou planilha de gastos com valor maior do que o oferecido (em torno de R$10.000,00). Dessa forma, ele sustentou que o alimentante teria condições de arcar com esse montante.
Além do mais, o alimentado alegou dificuldade em comprovar os rendimentos reais do pai, apontado como alguém com elevada capacidade econômica.
O juízo de primeiro grau autorizou o acesso a saldos, extratos bancários, aplicações financeiras, faturas de cartão de crédito e declarações do Imposto de Renda. Tudo isso é para verificar as reais possibilidades financeiras do alimentante, além de indeferir seu pedido de redução da verba provisória.
O tribunal de justiça de São Paulo manteve a quebra dos sigilos fiscal e bancário do alimentante. O entendimento foi que a medida é pertinente e razoável no caso.
No STJ, o alimentante sustentou que a quebra do sigilo não se justificaria. Isso porque sua capacidade financeira e seus rendimentos já estariam demonstrados nos autos, o que foi rejeitado pela Corte.
Análise jurídica
Quebra de sigilo
O jurista Rolf Madaleno avalia que a quebra de sigilo que traz informações relevantes para um processo é fundamental e, segundo ele, é prevista pela Constituição para demonstrar a ocorrência de crime.
CF/88
Art. 5º...
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
...
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Abandono material
Ocorre que, em ações de alimentos, quando o devedor – pai ou mãe – omite ou sonega sua real renda para que o filho receba menos do que necessita e do que ele efetivamente pode pagar, essa conduta pode configurar o crime de abandono material do próprio filho, previsto no art. 244, do código penal.
CP
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.
O tipo penal do crime de abandono tem por objetivo proteger a família, garantindo que os membros mais vulneráveis recebam o suporte financeiro necessário para uma sobrevivência digna.
Importante ressaltar que o crime não se configura se houver uma justificativa razoável para a falta de provisão.
Sigilos fiscal e bancário
A quebra dos sigilos bancário, fiscal e, principalmente, do imposto de renda, é uma ferramenta essencial para revelar a riqueza do devedor e, assim, fixar os alimentos na proporção correta, considerando tanto a capacidade financeira de quem paga quanto as necessidades de quem recebe.
Sigilo fiscal -> a proteção legal que garante a confidencialidade das informações financeiras e patrimoniais dos contribuintes, protegendo-os da divulgação por terceiros ou para fins não relacionados à fiscalização tributária. É uma garantia constitucional, que protege a privacidade e a intimidade dos cidadãos perante o Estado.
Sigilo bancário -> a garantia legal de que as instituições financeiras não divulguem informações sobre as operações financeiras de seus clientes, como saldos, extratos e outras informações relacionadas à conta bancária, sem a devida autorização, sendo essencial para preservar a privacidade dos clientes e garantir a confiança no sistema financeiro.
Podemos concluir que tanto o sigilo fiscal quanto o sigilo bancário são direitos fundamentais, constitucionalmente garantidos, que protegem a privacidade e a intimidade do cidadão, mas eles não são direitos absolutos.
Ademais, o STF tem admito hipóteses de quebra dos sigilos fiscal e bancário, como na hipóteses abaixo.
Tema 225 do STF: é possível que o Fisco requisite das instituições financeiras informações bancárias sobre os contribuintes sem intervenção do Poder Judiciário.
“I - O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal;
II - A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, §1º, do CTN.”
Tema 990 do STF: é possível o compartilhamento, sem autorização judicial, dos relatórios de inteligência financeira da UIF e do procedimento fiscalizatório da Receita Federal com a Polícia e o Ministério Público.
“I - É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional;
II - O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.”
Na ponderação entre direitos constitucionais, deve prevalecer aquele que assegura a subsistência de quem depende desses recursos para sobreviver.
Podemos concluir, portanto, que nos processos de família o foco da proteção judicial deve recair sobre a parte vulnerável – e não sobre aquele que, apesar de dispor de recursos financeiros, opta por ocultá-los, em prejuízo do filho ou do ex-cônjuge que depende do pagamento da obrigação alimentar.
Ótimo tema para provas de direito civil e constitucional.
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