* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Lei publicada
Acaba de ser publicada a chamada “Lei Felca” contra a adultização de crianças e adolescentes (Lei nº 15.211/2025).
A norma cria, também, o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, chamado de “ECA Digital”, que estabelece obrigações aos provedores de redes sociais para proteger crianças e adolescentes.
O objetivo da lei é garantir a proteção de crianças e de adolescentes em ambientes digitais, aplicando-se a todo produto ou serviço de tecnologia da informação direcionado aos menores no País ou de acesso provável por eles, independentemente de sua localização, desenvolvimento, fabricação, oferta, comercialização e operação.
Mas o que se considera como acesso provável por crianças e adolescentes para fins de aplicação da Lei Felca? Temos 3 situações:
I – suficiente probabilidade de uso e atratividade do produto ou serviço de tecnologia da informação por crianças e adolescentes;
II – considerável facilidade ao acesso e utilização do produto ou serviço de tecnologia da informação por crianças e adolescentes; e
III – significativo grau de risco à privacidade, à segurança ou ao desenvolvimento biopsicossocial de crianças e de adolescentes, especialmente no caso de produtos ou serviços que tenham por finalidade permitir a interação social e o compartilhamento de informações em larga escala entre usuários em ambiente digital.
Direitos
A lei prevê um direito das crianças e adolescentes e um dever dos pais:
Direito das crianças e adolescentes -> | Serem educados, orientados e acompanhados por seus pais ou responsáveis legais quanto ao uso da internet e à sua experiência digital. |
Dever dos pais -> | Dever de cuidado ativo e contínuo, por meio da utilização de ferramentas de supervisão parental adequadas à idade e ao estágio de desenvolvimento da criança e do adolescente. |
Já os fabricantes ou prestadores de serviços relacionados à tecnologia da informação voltada para esse público (crianças e adolescentes) devem garantir a proteção prioritária desses usuários, tendo como parâmetro o seu melhor interesse e contar com medidas adequadas e proporcionais para assegurar um nível elevado de privacidade, de proteção de dados e de segurança.
FUNDAMENTOS DA UTILIZAÇÃO DE PRODUTOS OU SERVIÇOS DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO POR CRIANÇAS E ADOLESCENTES | |
A garantia de sua proteção integral | A proteção contra a exploração comercial |
A prevalência absoluta de seus interesses | A observância dos princípios estabelecidos no Estatuto da Pessoa com Deficiência |
A segurança contra intimidação, exploração, abuso, ameaça e outras formas de violência | A promoção da educação digital, com foco no desenvolvimento da cidadania e do senso crítico para o uso seguro e responsável da tecnologia |
A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento biopsicossocial | A transparência no tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes |
O respeito à autonomia e ao desenvolvimento progressivo do indivíduo | A responsabilidade no tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes |
Princípio do melhor interesse
O grande norte da lei é a observância e garantia do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e da sua proteção integral, especial e prioritária.
O princípio do melhor interesse do menor é um conceito fundamental, determinando que todas as decisões que afetem crianças e adolescentes devem priorizar o que é mais adequado para o seu bem-estar físico, psicológico e social. Esse princípio, consagrado na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), exige uma avaliação individualizada e detalhada de cada caso, considerando a idade, personalidade, relações familiares e o contexto social do menor.
Os fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia da informação direcionados a crianças e a adolescentes deverão agir para prevenir e mitigar riscos de acesso, exposição ou recomendação de conteúdos relacionados a:
- Exploração e abuso sexual;
- Violência física, intimidação sistemática virtual e assédio;
- Indução, incitação, instigação ou auxílio, por meio de instruções ou orientações, a práticas ou comportamentos que levem a danos à saúde física ou mental de crianças e de adolescentes, tais como violência física ou assédio psicológico a outras crianças e adolescentes, uso de substâncias que causem dependência química ou psicológica, autodiagnóstico e automedicação, automutilação e suicídio;
- Promoção e comercialização de jogos de azar, apostas de quota fixa, loterias, produtos de tabaco, bebidas alcoólicas, narcóticos ou produtos de comercialização proibida a crianças e a adolescentes;
- Práticas publicitárias predatórias, injustas ou enganosas ou outras práticas conhecidas por acarretarem danos financeiros a crianças e a adolescentes; e
- Conteúdo pornográfico.
Medidas de prevenção
Podemos indicar como medidas de prevenção:
- Políticas claras, eficazes e adequadas à legislação brasileira de prevenção à intimidação sistemática virtual e a outras formas de assédio na internet, com mecanismos de apoio adequado às vítimas;
- O desenvolvimento e a disponibilização de programas educativos de conscientização direcionados a crianças, adolescentes, pais, educadores, funcionários e equipes de suporte sobre os riscos e as formas de prevenção e de enfrentamento dessas práticas.
- Mecanismos confiáveis de verificação de idade a cada acesso do usuário ao conteúdo, produto ou serviço inadequado ou proibido para menores de 18 anos, vedada a autodeclaração.
Mas o que vem a ser serviços ou conteúdos impróprios ou inadequados para crianças e adolescentes? Aqueles que contenham material pornográfico, ou quaisquer outros vedados pela legislação vigente.
O poder público, assegurando sempre a participação social, poderá atuar como regulador, certificador ou promotor de soluções técnicas de verificação de idade, observados os limites da legalidade, da proteção à privacidade e dos direitos fundamentais.
Importante registrar que os dados coletados para a verificação de idade de crianças e de adolescentes poderão ser utilizados unicamente para essa finalidade, vedado seu tratamento para qualquer outro propósito.
Supervisão parental
Os fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia da informação direcionados a crianças e a adolescentes deverão, ainda:
- Disponibilizar configurações e ferramentas acessíveis e fáceis de usar que apoiem a supervisão parental;
- Fornecer, em local de fácil acesso, informações aos pais ou responsáveis legais sobre as ferramentas existentes para o exercício da supervisão parental;
- Exibir aviso claro e visível quando as ferramentas de supervisão parental estiverem em vigor e sobre quais configurações ou controles foram aplicados; e
- Oferecer funcionalidades que permitam limitar e monitorar o tempo de uso do produto ou serviço.
As ferramentas de supervisão parental deverão permitir aos pais e responsáveis legais:
- Visualizar, configurar e gerenciar as opções de conta e privacidade da criança ou do adolescente;
- Restringir compras e transações financeiras;
- Identificar os perfis de adultos com os quais a criança ou o adolescente se comunica;
- Acessar métricas consolidadas do tempo total de uso do produto ou serviço;
- Ativar ou desativar salvaguardas por meio de controles acessíveis e adequados;
- Dispor de informações e de opções de controle em língua portuguesa.
O monitoramento infantil, que precisa ser informado à criança e ao adolescente em linguagem adequada, poderá ser realizado através de produtos ou serviços que garantam a inviolabilidade das imagens, dos sons e das outras informações captadas, armazenadas e transmitidas aos pais ou responsáveis legais.
Jogos eletrônicos
São vedadas as caixas de recompensa (loot boxes) oferecidas em jogos eletrônicos direcionados a crianças e a adolescentes, nos termos da respectiva classificação indicativa.
Mas como as loot boxes funcionam? Então vejamos:
1º) O jogador gasta dinheiro real para comprar uma loot box (ou a recebe como recompensa), sem saber o que há dentro.
2º) O conteúdo é aleatório, tornando a compra uma aposta.
3º) Recompensas raras e muito desejadas são propositalmente escassas, incentivando o jogador a gastar mais para tentar consegui-las.
Nos jogos eletrônicos direcionados a crianças e adolescentes que possibilitem a interação entre usuários por meio de mensagens de texto, áudio, vídeo ou troca de conteúdos, de forma síncrona ou assíncrona, deve-se garantir a disponibilização de alguns mecanismos, dentre os quais destacamos:
I – Sistema para recebimento e processamento de reclamações e denúncias de abusos e irregularidades cometidos por usuários;
II – Informações aos usuários denunciantes, em prazo razoável, sobre o resultado das denúncias realizadas;
III – Instrumentos para solicitar revisão de decisão e reversão de penalidades impostas;
IV – Vedação, em seus termos de uso, de práticas, de trocas de conteúdos e de interações que violem direitos de crianças e adolescentes, respeitada a legislação brasileira; e
V – Transparência e atualização e melhoria contínuas dos mecanismos de proteção contra risco de contato com outros usuários, garantindo, inclusive, a possibilidade de desativação de mecanismos de interação.
Publicidade -> São vedados aos provedores de aplicações de internet a monetização e o impulsionamento de conteúdos que retratem crianças e adolescentes de forma erotizada ou sexualmente sugestiva ou em contexto próprio do universo sexual adulto.
Redes sociais
Os provedores de produtos ou serviços direcionados a crianças e a adolescentes deverão garantir que usuários ou contas de crianças e de adolescentes de até 16 (dezesseis) anos de idade estejam vinculados ao usuário ou à conta de um de seus responsáveis legais.
Caso estejamos diante de serviços impróprios ou inadequados para crianças e adolescentes, os provedores de redes sociais deverão adotar medidas adequadas e proporcionais para informar de maneira clara, destacada e acessível a todos os usuários que seus serviços não são apropriados, monitorar e restringir, no limite de suas capacidades técnicas, a exibição de conteúdos que tenham como objetivo evidente atrair crianças e adolescentes e aprimorar, de maneira contínua, seus mecanismos de verificação de idade para identificar contas operadas por crianças e adolescentes.
É vedada a criação de perfis comportamentais de usuários crianças e adolescentes a partir da coleta e do tratamento de seus dados pessoais, inclusive daqueles obtidos nos processos de verificação de idade, bem como de dados grupais e coletivos, para fins de direcionamento de publicidade comercial.
Os fornecedores de produtos ou serviços deverão remover e comunicar os conteúdos de aparente exploração, de abuso sexual, de sequestro e de aliciamento detectados em seus produtos ou serviços, direta ou indiretamente, às autoridades nacionais e internacionais competentes.

Essa atuação volta-se a garantir os direitos fundamentais dos menores e o Poder Público deve fiscalizá-la.
Os fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia da informação direcionados a crianças e adolescentes devem retirar o conteúdo que viola direitos dos menores assim que forem comunicados do caráter ofensivo da publicação pela vítima, por seus representantes, pelo Ministério Público ou por entidades representativas de defesa dos direitos de crianças e de adolescentes, independentemente de ordem judicial.
Mas esse processo de retirada deve observar o direito de contestação da decisão, assegurando ao usuário que havia publicado o conteúdo:
• A notificação sobre a retirada; • O motivo e a fundamentação da retirada, informando se a identificação do conteúdo removido decorreu de análise humana ou automatizada; • A possibilidade de recurso do usuário contra a medida; O fácil acesso ao mecanismo de recurso; e A definição de prazos procedimentais para apresentação de recurso e para resposta ao recurso.
Abuso da denúncia
Os provedores de aplicações de internet direcionadas a crianças e a adolescentes deverão disponibilizar aos usuários informações claras e acessíveis sobre as hipóteses de uso indevido dos instrumentos de denúncia, bem como sobre as sanções cabíveis.
Esse abuso está sujeito às seguintes medidas:
- Suspensão temporária da conta do usuário infrator;
- Cancelamento da conta em casos de reincidência ou de abuso grave; e
- Comunicação às autoridades competentes, quando houver indícios de infração penal ou de violação de direitos.
Além disso, as sanções previstas em face do descumprimento da lei são as seguintes:
- Advertência, com prazo para adoção de medidas corretivas de até 30 (trinta) dias;
- Multa simples, de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício ou, ausente o faturamento, multa de R$ 10,00 (dez reais) até R$ 1.000,00 (mil reais) por usuário cadastrado do provedor sancionado, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) por infração;
- Suspensão temporária das atividades;
- Proibição de exercício das atividades.
Assim, a lei vem em boa hora, e tem por objetivo garantir os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes no ambiente digital.
Ótimo tema para provas de ECA!
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