Olá, pessoal, tudo certo?!
Em 03/03/2024, foi aplicada a prova objetiva do concurso público para Delegado de Polícia Civil do Estado de Pernambuco. Assim que encerrada, nosso time de professores elaborou o gabarito extraoficial, que, agora, será apresentado juntamente com a nossa PROVA COMENTADA.
Este material visa a auxiliá-los na aferição das notas, elaboração de eventuais recursos, verificação das chances de avanço para fase discursiva, bem como na revisão do conteúdo cobrado no certame.
Desde já, destacamos que nosso time de professores identificou 1 questão passível de recurso e/ou que deve se anulada, por apresentar duas ou nenhuma alternativa correta, como veremos adiante. No tipo de prova comentado, trata-se da questão 92.
De modo complementar, elaboramos também o RANKING da PC-PE, em que nossos alunos e seguidores poderão inserir suas respostas à prova, e, ao final, aferir sua nota, de acordo com o gabarito elaborado por nossos professores. Através do ranking, também poderemos estimar a nota de corte da 1º fase. Essa ferramenta é gratuita e, para participar, basta clicar no link abaixo:
Além disso, montamos um caderno para nossos seguidores, alunos ou não, verem os comentários e comentar as questões da prova: confira AQUI!
Por fim, comentaremos a prova, as questões mais polêmicas, as possibilidades de recurso, bem como a estimativa da nota de corte no TERMÔMETRO PÓS-PROVA, no nosso canal do Youtube. Inscreva-se e ative as notificações! Estratégia Carreira Jurídica – YouTube
Confira AQUI a prova comentada de todas as disciplinas!
Prova Comentada Peça para Delegado PE
QUESTÕES DISCURSIVAS E PEÇA PRÁTICA
QUESTÃO 01. Fabiana e João, auditores fiscais estaduais, chegaram à sede administrativa de determinada sociedade empresária, a fim de realizar seu trabalho de fiscalização tributária, conforme o planejamento do órgão fazendário. Lá, embora não lhes tenha sido permitida a entrada, os auditores fiscais, sob a justificativa do exercício da autoexecutoriedade dos atos administrativos, ingressaram no escritório da empresa e coletaram informações e documentos, mestre contra vontade dos responsáveis pela empresa, que lá trabalhavam no momento do ingresso. Após a diligência, os auditores lavraram os documentos previstos na legislação tributária.
Considerando a situação hipotética apresentada e com fundamento no texto constitucional, redija um texto dissertativo, respondendo aos questionamentos a seguir.
1. O que dispõe a Constituição Federal de 1988 a respeito da inviolabilidade domiciliar?
2. A atuação dos auditores fiscais Fabiana e João foi juridicamente correta?
Comentários
De acordo com o artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.”
A Constituição Federal, ao estabelecer que a casa é o asilo inviolável do indivíduo, objetivou garantir uma das vertentes do direito à privacidade. Asilo é lugar de abrigo, de proteção, de maneira que a todo indivíduo é garantido o direito de encontrar, em sua casa, proteção à individualidade e à vida privada.
O conceito de casa é abrangente e ultrapassa a moradia. Contempla qualquer local fechado, habitado e não aberto ao público. Nessa toada, alcança escritórios profissionais, consultórios, estabelecimentos comerciais e industriais, hotéis, motéis, barcos, trailer, barracas, dentre outras hipóteses. Agora, para ser casa, para fins constitucionais, é preciso que o ambiente não seja aberto a terceiros, de maneira que quando se pensa em estabelecimentos comerciais ou industriais, a proteção constitucional seria reservada aos locais restritos ao público, como escritórios de direção ou local em que se guarda o cofre e documentos, por exemplo. É também aplicada a garantia da inviolabilidade domiciliar quando as atividades diárias já foram encerradas (fábrica fechada). De igual maneira, a recepção de um hotel não pode ser considerada casa, eis que aberta ao público, mas o quarto de hotel, após a locação, materializa o direito à privacidade. Note que o ânimo de permanecer se opõe ao ânimo de locomover e não exige um tempo mínimo de permanência.
A entrada na casa de alguém depende, em regra, de autorização, ressalvadas as hipóteses taxativamente descritas na Constituição Federal. O consentimento para entrada no domicílio só poderá ser dado por morador (não proprietário; não empregado). Deve ser sempre espontâneo e manifestado pelo titular do direito, pelo ocupante do local.
Excepcionalmente, sem que haja consentimento do ocupante, é permitida a entrada na casa, a qualquer hora, em casos de flagrante delito (próprio ou impróprio), desastre (inundações, desmoronamentos) ou prestação de socorro.
Durante o dia, sem autorização do morador, será possível ainda entrar na casa mediante ordem judicial. Nesta hipótese, nota-se a reserva de jurisdição: somente por ordem judicial. Autoridades administrativas, policiais ou membros do Ministério Público apenas poderão requerer a entrada no domicílio às autoridades judiciais. Determinações administrativas de buscas e apreensões de documentos, ainda que haja indícios de existência de provas contundentes, são inconstitucionais e geram provas ilícitas.
A respeito do conceito de “dia”, não há na doutrina consenso, mas a doutrina é tendente a conceituar que “dia” a partir do critério físico-astronômico, que compreende o interregno que vai da aurora ao crepúsculo.
A atuação dos auditores fiscais não foi judicialmente correta, uma vez que não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação inclusive em matéria tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral.
Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal, no HC 93.050, onde restou consignado que “O atributo da autoexecutoriedade dos atos administrativos, não prevalece sobre a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade exercida pelo poder público em sede de fiscalização tributária. Assim, nenhum agente público poderá entrar, inclusive os da administração tributária, contra a vontade de quem de direito, em espaço privado em que se exerce atividade profissional, sem ordem judicial”. (HC 93.050).
De acordo com a Suprema Corte, a administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que o Estado, é somente lícito atuar, “respeitados os direitos individuais e nos termos da lei” (CF, art. 145, §1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia – que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários – restringe-lhe o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado.
Fonte: Ebook, Estratégia Carreira Jurídica, Magistratura Estadual, Direito Constitucional – LDI
QUESTÃO 02. À luz do direito penal, conceitue o excesso e explique as quatro formas de excesso existentes (doloso, culposo, acidental e exculpante).
Comentários
A conduta acobertada por uma excludente da ilicitude deve ser praticada com razoabilidade, dentro dos limites da lei. Caso contrário, configurar-se-á o excesso, que deve ser punido no âmbito penal. Sobre o tema, prevê o artigo 23 do Código Penal:
Excesso punível
Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
O excesso pode ser doloso ou culposo. Desse modo, excedendo-se o agente em sua conduta, ainda que justificada por uma excludente de ilicitude, deve por ela responder, tenha ele agido com dolo ou com culpa.
O excesso doloso ocorre quando o agente, deliberadamente, decide violar o bem jurídico alheio além dos limites autorizados pela descriminante. É o caso de o sujeito, que recebe um soco em um bar, não se limita a revidar, mas, cessada a agressão, resolve continuar a agressão até matar o indivíduo que iniciou a briga.
O excesso é culposo quando o agente está atuando sob uma descriminante, mas, por imprudência, negligência ou imperícia, se excede. Imagine que, para se defender de uma agressão, o sujeito vai utilizar uma arma que não conhece e, assim, ao invés de atirar nas pernas do sujeito que vem atacá-lo, atira em sua cabeça, o que era claramente desnecessário, considerando que o agressor estava desarmado e era mais fraco do que ele. Ele o fez não por desejar matar, mas por não ter conhecimento de técnica de tiro.
O excesso punível pode ser classificado, ainda, em intensivo ou extensivo:
Excesso intensivo (ou próprio) é aquele que se relaciona com os meios utilizados para repelir a agressão ou ao grau de sua utilização. O excesso é chamado intensivo devido à intensidade da conduta do agente. Dito de outra forma, os requisitos ainda estão presentes, mas há desproporcionalidade.
Imaginem que um lutador de jiu-jitsu, em uma discussão de bar, começa a ser agredido por alguém que possui força física muito inferior à dele e, portanto, que ele pode facilmente conter. Entretanto, o atleta retira uma arma do coldre e dispara até acabar sua munição, levando o outro indivíduo a óbito. Ele responde por esse excesso.
Excesso extensivo (ou impróprio), por sua vez, se configura quando a conduta para repelir a agressão se prolonga no tempo em período superior ao da própria agressão. Os requisitos da excludente de ilicitude já não estão presentes.
É o caso da mulher, chamada Joana, que leva vários tapas de sua colega de trabalho. Então, revida. A agressora desiste e, quando está deixando o ambiente, é alcançada por Joana, que resolve agredi-la até lhe causar lesão corporal de natureza grave. Seu excesso é denominado extensivo, pois se estende, no tempo, mais do que dura a injusta agressão. Por isso, Joana deve responder pelo excesso.
Na visão de Juarez Cirino dos Santos, excesso intensivo, na legítima defesa, se referiria ao uso de meio desnecessário (o que parece compatível com a ideia de intensidade: usa um canhão para se defender de uma idosa, que ataca com sua bolsa). O excesso extensivo, por sua vez, diria respeito ao uso imoderado do meio necessário na legítima defesa, o que se configuraria na não coincidência temporal entre a atuação do agente e a agressão (o que, para o autor, poderia ocorrer no caso de continuar socando o agressor depois de ele já estar caído no chão).
Entretanto, tal classificação é controversa, razão pela qual muitos autores sequer a utilizam, quer por entenderem confusa, quer por entenderem que o excesso intensivo é uma contradição em termos (os requisitos não estariam presentes se há desproporção). Para exemplificar o problema, Cláudio Brandão relaciona o excesso intensivo ao medo, confusão ou susto do agente, defendendo a exclusão da culpabilidade no caso.
Conforme ensina Cleber Masson, “O excesso acidental, ou fortuito, é a modalidade que se origina de caso fortuito ou força maior, eventos imprevisíveis e inevitáveis. Cuida-se de excesso penalmente irrelevante.
O excesso exculpante é o excesso decorrente da profunda alteração de ânimo do agente, isto é, medo ou susto provocado pela situação em que se encontra. Essa espécie de excesso encontra certa dose de rejeição pela doutrina e pela jurisprudência. Os concursos para ingresso no Ministério Público, em geral, não reconhecem essa tese, sob a alegação de que não possui amparo legal, e, por ser vaga, levaria muitas vezes à impugnidade. Há entendimentos, contudo, no sentido de que o excesso exculpante exclui a culpabilidade, em razão da inexigibilidade de conduta diversa”.
Fonte: Ebook, Estratégia Carreira Jurídica, Magistratura Estadual, Direito Penal – Prof.: Michael Procópio
Masson, Cleber. Direito Penal: parte geral, vol. 01, 17ed. Rio de Janeiro: Método, 2023, p. 376.
PEÇA PROCESSUAL – Em 1º/1/2024, Flávio e sua companheira, Soraia, ameaçaram de morte Mercedes e Sarah, respectivamente genitora e irmã de Flávio. O casal utilizou-se de arma de fogo – tendo atirado em objetos do imóvel com o objetivo de intimidá-las – e de dois porretes, com os quais agrediram Mercedes e Sarah, tendo-lhes causado lesões corporais de natureza grave. O motivo da agressão e da ameaça foi a insatisfação com o valor da mesada que a idosa concedia a ambos. O casal manteve Sarah e Mercedes trancadas no imóvel, sob constante ameaça e agressões físicas e verbais, enquanto exigia delas depósitos de valores em dinheiro em suas contas-correntes. O casal já havia sido intimado sobre deferimento de medidas protetivas (fixadas pelo juízo do Juizado da Violência Doméstica e Familiar competente em 12/12/2023) que os proibiam de se aproximarem das vítimas e de manterem contato com elas. Temendo por sua integridade física, bem como pela de sua mãe, Sarah conseguiu escapar do apartamento onde se encontrava com sua mãe e buscou pela ajuda de dois policiais militares que faziam a ronda nas imediações. Ao chegarem ao local do crime, os policiais efetuaram a prisão em flagrante dos autores do fato.
Na Delegacia da Polícia Civil, Sarah deu ciência do ocorrido à autoridade policial, tendo sido, então, acostados a decisão anterior que deferiu medidas protetivas, os mandados de intimação de Flávio e Soraia, além da folha de antecedentes criminais, os quais indicavam que os agentes, embora considerados tecnicamente primários, possuíam diversas anotações sem trânsito em julgado por agressão contra as vítimas Sarah e Mercedes.
Nesse mesmo dia, compareceu à delegacia Antônio, vizinho das vítimas, acompanhado de Rogério, seu irmão, para dar ciência à autoridade policial de conversa que presenciaram entre Flávio, Soraia e Francisco, conhecido chefe de facção, dias antes da prisão em flagrante mencionada. Na conversa, Flávio e Soraia negociaram comprar explosivos de Francisco com o objetivo de provocar o desabamento do edifício onde Mercedes e Sarah residiam para receber os valores da apólice de seguro de vida de ambas.
Francisco e Rogério afirmaram que ouviram Francisco dizer que foi fácil obter os explosivos, pois já havia feito a encomenda de uma grande quantidade para realizar um ataque a uma escola da capital na qual os filhos de um rival estudavam. Afirmaram, ainda, que Flávio e Soraia aparentavam saber onde e quando tal ação criminosa teria curso.
Considerando a situação hipotética apresentada, na qualidade de autoridade policial responsável pelo procedimento, elabore a peça cabível, expondo as teses de direito material e processual necessárias. As formalidades legais exigidas devem ser observadas em seu texto.
Comentários
O enunciado da questão não é preciso no tocante à fase investigatória que se apresenta. Assim, verifica-se cabível duas peças distintas, a depender da interpretação que será dada pelo examinador. A primeira peça é a representação pela conversão do flagrante em preventiva, caso se entenda que foi lavrado o auto de prisão em flagrante, devendo ser direcionada ao juízo responsável pela realização da audiência de custódia.
Por outro lado, entende-se possível, ainda, o despacho pós-flagrancial, figura doutrinária que vem sendo aplicada na prática pelos Delegados de Polícia e adotada por algumas bancas examinadoras, e é endereçado ao juízo da causa.
A seguir serão apresentados os gabaritos da representação pela conversão da prisão em flagrante em preventiva e do despacho pós-flagrancial, pela ordem.
Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito do Juízo de Audiência de Custódia do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco
REPRESENTAÇÃO PARA CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA
Referência: Autos do Inquérito Policial nº___ /____ – __ª DP.
Trata-se de Inquérito Policial instaurado por meio de auto de prisão em flagrante, para apurar os crimes previstos artigos 147, 129, §1º, 158, §3º, todos do Código Penal, art. 15, da Lei n. 10.826/2003, art. 24-A da Lei n. 11.340/2006, em concurso material, praticados por Flávio e Soraia, já qualificados, no dia 1º de janeiro de 2024, no Município xxxxx.
Aos 1º/01/2024, Flávio e sua companheira, Soraia, ameaçaram de morte Mercedes e Sarah, respectivamente genitora e irmã de Flávio. O casal utilizou-se de arma de fogo – tendo atirado em objetos do imóvel com o objetivo de intimidá-las – e de dois porretes, com os quais agrediram Mercedes e Sarah, tendo-lhes causado lesões corporais de natureza grave. O motivo da agressão e da ameaça foi a insatisfação com o valor da mesada que a idosa concedia a ambos.
O casal manteve Sarah e Mercedes trancadas no imóvel, sob constante ameaça e agressões físicas e verbais, enquanto exigia delas depósitos de valores em dinheiro em suas contas-correntes. O casal já havia sido intimado sobre deferimento de medidas protetivas (fixadas pelo juízo do Juizado da Violência Doméstica e Familiar competente em 12/12/2023) que os proibiam de se aproximarem das vítimas e de manterem contato com elas.
Temendo por sua integridade física, bem como pela de sua mãe, Sarah conseguiu escapar do apartamento onde se encontrava com sua mãe e buscou pela ajuda de dois policiais militares que faziam a ronda nas imediações. Ao chegarem ao local do crime, os policiais efetuaram a prisão em flagrante dos autores do fato.
Na Delegacia da Polícia Civil, Sarah deu ciência do ocorrido à autoridade policial, tendo sido, então, acostados a decisão anterior que deferiu medidas protetivas, os mandados de intimação de Flávio e Soraia, além da folha de antecedentes criminais, os quais indicavam que os agentes, embora considerados tecnicamente primários, possuíam diversas anotações sem trânsito em julgado por agressão contra as vítimas Sarah e Mercedes.
Foi determinada a realização de exame de corpo de delito, em razão das graves lesões corporais que as vítimas sofreram.
Após a lavratura do auto de prisão, Flávio e Soraia foram recolhidos à Carceragem, onde aguardaram a realização da Audiência de Custódia.
No exercício do juízo provisório de tipicidade, o subscritor deste os autuou por ameaça, lesão corporal grave, extorsão com a restrição da liberdade da vítima, disparo de arma de fogo e descumprimento de medida protetiva de urgência.
Com fulcro nos artigos 311, 312 e 313, todos do Código de Processo Penal, diante dos fatos apurados no caderno investigatório em epígrafe vem à presença de Vossa Excelência, representar pela conversão da prisão em flagrante em preventiva de Flávio e Soraia.
Embora os agentes sejam considerados tecnicamente primários, possuem diversas anotações sem trânsito em julgado por agressão contra as vítimas Sarah e Mercedes.
No Processo Civil, os requisitos para uma ação cautelar são os seguintes: o fumus boni juris e o periculum in mora. Eles mostram que para ocorrer a prestação jurisdicional antecipada, o juiz tem de se convencer de que há a “fumaça do bom direito” e o “perigo da demora”. No Processo Penal, vários doutrinadores fizeram uma analogia diante dos institutos mencionados, para se mostrar como eles funcionariam neste ramo do Direito. Em matéria de prisão preventiva devem estar presentes os seguintes requisitos: fumus comissi delicti e o periculum libertatis.
No fumus comissi delicti (pressupostos) deve haver a existência de crime e indícios de autoria. No caso em tela, temos a comprovação da existência dos delitos narrados por conta do auto de prisão em flagrante, e das visíveis lesões graves sofridas pelas vítimas, bem como dos disparos efetuados nos objetos da casa, além do depoimento das vítimas, que assumem especial importância em crimes dessa natureza.
Para haver o periculum libertatis é necessária a presença de um dos seguintes fundamentos: a garantia da ordem pública, a garantia da ordem econômica, a aplicação da lei penal e a conveniência da instrução criminal.
No caso em comento, os autores Flávio e Soraia foram presos em flagrante e já possuem anotação criminal por violência doméstica contra as mesmas vítimas.
Em favor das vítimas há medidas protetivas de urgência concedidas nos autos da ação n. xxxxx.
Às fls xxxx foram acostados a decisão anterior que deferiu medidas protetivas e os mandados de intimação de Flávio e Soraia.
Conforme dispõe o artigo 313, III, do Código de Processo Penal:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
Ademais, há notícias de que os réus estavam negociando a compra de explosivos para provocar o desabamento do prédio em que residiam as vítimas.
Assim, presentes os pressupostos e fundamentos da prisão preventiva, imperativo se revela a segregação cautelar dos representados, para se garantir a execução das medidas protetivas de urgência.
O Princípio da Atualidade, inserido no Código de Processo Penal com o Pacote Anticrime, e que está relacionado com a “provisionalidade”, diz que para que uma prisão preventiva seja decretada, é necessário que o periculum libertatis seja atual, presente, não passado e tampouco futuro e incerto. A “atualidade do perigo” é elemento fundante da “natureza” cautelar.
Como se vislumbra pela leitura do auto de prisão em flagrante, os indiciados continuam sua empreitada criminosa.
O art. 311 do Código de Processo Penal, que dispõe sobre o momento da persecução penal em que é possível a decretação da prisão preventiva, e quais são os legitimados para o requerimento ou representação da detenção cautelar em comento, teve a redação alterada pela Lei Anticrime:
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.
De antemão, verifica-se que o legislador suprimiu a expressão de “ofício” do dispositivo em comento, impossibilitando que o Magistrado decrete a prisão preventiva sem provocação dos legitimados.
Antes de adentrarmos no assunto, cumpre ressaltar que o art. 310 do CPP também sofreu alterações provocadas pela Lei Anticrime:
Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:
I – relaxar a prisão ilegal; ou
II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou
III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (…)
§ 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares. (…)
Pela leitura dos autos, verifica-se que Flávio e Soraia descumpriram medidas protetivas, já possuem anotações pela prática de crimes envolvendo a violência doméstica, razão pela qual é inviável a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança.
Destaca-se que, nos termos do artigo 24-A, §2º, da Lei n. 11.340/2006, na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança, no caso de crime de descumprimento de medida protetiva.
Vale lembrar que a Lei 12.403/11 já havia alterado o art. 311 do CPP, possibilitando que o Juiz decretasse de ofício a prisão preventiva apenas no curso da ação penal, impedindo-o de decretá-la, sem provocação do legitimado, no curso do inquérito policial.
Diante das alterações promovidas pela Lei Anticrime nos arts. 310 e 311 do CPP, o Delegado de Polícia, que presidiu o auto de prisão em flagrante, ou o Órgão Ministerial, com atribuição para oficiar no feito, devem, respectivamente, representar ou requerer a prisão preventiva do indiciado, uma vez que o Juiz, que preside a audiência de custódia, está impedido de decretá-la de ofício, ou seja, sem a provocação dos legitimados.
Em um primeiro momento, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que era possível a conversão pelo juiz, de ofício, do flagrante em prisão preventiva, porém o entendimento foi alterado mais recentemente.
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no HC nº 590039, alterou entendimento e anulou a conversão de ofício da prisão em flagrante para preventiva
O Ministro do STF Edson Fachin concedeu “writ” de “habeas corpus” a um homem que teve a prisão em flagrante convertida em preventiva, sem que o juiz fosse provocado por um dos legitimados, no HC 193.053 – MG.
Tendo em vista que Vossa Excelência não pode decretar de ofício a prisão preventiva, o Delegado de Polícia vem representar pela conversão do flagrante em preventiva.
Diante das razões de fato e de direito expostas, a Autoridade Policial ao final firmada representa pela conversão da prisão em flagrante de Flávio e Soraia em prisão preventiva.
Local, data, ano.
Delegado de Polícia Civil
DESPACHO
Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da __ Vara Criminal da Comarca de _______.
Trata-se de despacho de conclusão de auto de prisão em flagrante lavrado em desfavor de Flávio e Soraia, já qualificado nos autos, com representação de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva.
Dos Fatos
Aos 1º/01/2024, Flávio e sua companheira, Soraia, ameaçaram de morte Mercedes e Sarah, respectivamente genitora e irmã de Flávio. O casal utilizou-se de arma de fogo – tendo atirado em objetos do imóvel com o objetivo de intimidá-las – e de dois porretes, com os quais agrediram Mercedes e Sarah, tendo-lhes causado lesões corporais de natureza grave. O motivo da agressão e da ameaça foi a insatisfação com o valor da mesada que a idosa concedia a ambos.
O casal manteve Sarah e Mercedes trancadas no imóvel, sob constante ameaça e agressões físicas e verbais, enquanto exigia delas depósitos de valores em dinheiro em suas contas-correntes. O casal já havia sido intimado sobre deferimento de medidas protetivas (fixadas pelo juízo do Juizado da Violência Doméstica e Familiar competente em 12/12/2023) que os proibiam de se aproximarem das vítimas e de manterem contato com elas.
Temendo por sua integridade física, bem como pela de sua mãe, Sarah conseguiu escapar do apartamento onde se encontrava com sua mãe e buscou pela ajuda de dois policiais militares que faziam a ronda nas imediações. Ao chegarem ao local do crime, os policiais efetuaram a prisão em flagrante dos autores do fato.
Na Delegacia da Polícia Civil, Sarah deu ciência do ocorrido à autoridade policial, tendo sido, então, acostados a decisão anterior que deferiu medidas protetivas, os mandados de intimação de Flávio e Soraia, além da folha de antecedentes criminais, os quais indicavam que os agentes, embora considerados tecnicamente primários, possuíam diversas anotações sem transito em julgado por agressão contra as vítimas Sarah e Mercedes.
Nesse mesmo dia, compareceu à delegacia Antônio, vizinho das vítimas, acompanhado de Rogério, seu irmão, para dar ciência à autoridade policial de conversa que presenciaram entre Flávio, Soraia e Francisco, conhecido chefe de facção, dias antes da prisão em flagrante mencionada. Na conversa, Flávio e Soraia negociaram comprar explosivos de Francisco com o objetivo de provocar o desabamento do edifício onde Mercedes e Sarah residiam para receber os valores da apólice de seguro de vida de ambas.
Francisco e Rogério afirmaram que ouviram Francisco dizer que foi fácil obter os explosivos, pois já havia feito a encomenda de uma grande quantidade para realizar um ataque a uma escola da capital na qual os filhos de um rival estudavam. Afirmaram, ainda, que Flávio e Soraia aparentavam saber onde e quando tal ação criminosa teria curso.
Da Situação Flagrancial
Flávio e Soraia foram presos em flagrante delito durante a prática do crime de extorsão com restrição da liberdade da vítima e também do descumprimento de medida protetiva de urgência.
Trata-se de crime permanente, cuja consumação se protrai no tempo, configurando hipótese do art. 302, I, do CPP, tendo sido ratificada a prisão captura por se tratar de prisão em flagrante válida e regular.
Do Indiciamento
Os investigados devem ser indiciados por infração, em tese, aos artigos 147, 129, §1º, 158, §3º, todos do Código Penal, art. 15, da Lei n. 10.826/2003, art. 24-A da Lei n. 11.340/2006.
A materialidade dos crimes de ameaça, lesão corporal grave, extorsão com a restrição da liberdade da vítima, disparo de arma de fogo e descumprimento de medida protetiva de urgência restou demonstrada pelo auto de prisão em flagrante, bem como pelo depoimento das vítimas.
Ainda, foi acostada aos autos a decisão que deferiu medidas protetivas, os mandados de intimação de Flávio e Soraia, além da folha de antecedentes criminais.
A autoria dos mesmos crimes restou igualmente demonstrada. Os indiciados foram presos em flagrante. As vítimas sofreram lesões graves. Além disso, as vítimas foram ouvidas e confirmaram o ocorrido. Assim sendo, restou demonstrada a prática dos crimes.
Ao crime de lesão corporal grave deve ser aplicada a causa de aumento prevista no artigo 129, §10, do Código Penal, uma vez que se trata de hipótese de violência doméstica.
Por outro lado, também foi praticado um crime de extorsão qualificada pela restrição da liberdade das vítimas (Art. 158, §3º, CP), considerando que a restrição ocorreu por tempo significativo e que essa condição era indispensável para obtenção da vantagem, já que a vítima precisava ir ao caixa do banco para fornecer sua senha e realizar o saque de valores. Cabível ainda a imputação da causa de aumento do Art. 158, §1º, do CP sobre a pena prevista para o Art. 158, §3º, do CP de acordo com a jurisprudência do STJ.
Os crimes supracitados (ameaça, lesão corporal grave, disparo de arma de fogo, extorsão com restrição da liberdade da vítima e descumprimento de medidas protetivas) foram praticados em concurso material. Resta afastada qualquer e eventual tese defensiva quanto a existência de continuidade delitiva pois não se trata de crimes da mesma espécie.
Em relação ao crime de extorsão, não há que se falar em escusa absolutória, uma vez que uma das vítimas é idosa. Além disso, o crime foi cometido com violência e grave ameaça às vítimas, conforme dispõe o artigo 183, I e II, do Código Penal.
Posto isto, com fulcro no art. 2º, § 6º, da Lei nº 12.830/13, indicio Flávio e Soraia pela prática dos crimes de ameaça, lesão corporal grave, extorsão com restrição da liberdade da vítima, disparo de arma de fogo e descumprimento de medidas protetivas, em concurso material, (artigos 147, 129, §1º, 158, §3º, todos do Código Penal, art. 15, da Lei n. 10.826/2003, art. 24-A da Lei n. 11.340/2006).
Da representação pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva
Cabível a prisão preventiva com base no art. 313, inciso I, do CPP, haja vista se tratarem de crimes com pena privativa de liberdade que, somadas, são superiores a 4 anos.
Os indícios de autoria e materialidade foram exaustivamente tratados nos tópicos dos fatos e do indiciamento, restando presentes fortes indícios da prática dos crimes, tendo sido os réus presos em flagrante delito.
O periculum libertatis é demonstrado na necessidade de manutenção da ordem pública, em razão do risco concreto trazido pelos fatos narrados, bem como pela possibilidade de reiteração delitiva, tendo em vista que em sua Folha de Antecedentes Criminais Flávio e Soraia conta com diversas anotações pela prática de crime no âmbito da violência doméstica contra as mesmas vítimas.
Ademais, houve o descumprimento das medidas protetivas, que ensejaram, na consumação do risco que se pretendia evitar. Nesse passo, conforme previsto no artigo 313, III, do Código de Processo Penal, a prisão preventiva é necessária para assegurar a execução das medidas protetivas de urgência.
Assim sendo, com fulcro nos artigos 311, 312 e 313, III, todos do CPP, represento pela conversão da prisão em flagrante de Flávio e Soraia em prisão preventiva.
Das Providências
Determino ao escrivão atuante no feito que adote as seguintes providências:
- Dê-se nota de culpa aos presos Flávio e Soraia;
- Adote as providências necessárias para a formalização do indiciamento, nos termos deste despacho;
- Comunique-se a prisão em flagrante ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, caso não tenha advogado constituído encaminhando-se cópia do auto de prisão em flagrante e das principais peças produzidas;
- Junte-se cópia deste procedimento ao RO xxxxx;
- Expeça-se ofício ao Setor de Perícias para realização de exame de corpo de delito
- Junte-se o laudo do exame de local
- Encaminhem-se os presos para realização de audiência de custódia;
- Providencie a realização de diligências com objetivo de identificar e qualificar Francisco e investigar a localização dos explosivos;
- Após, retorne os autos conclusos para continuidade das investigações.
- Cumpra-se.
Delegado de Polícia Civil
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