Projeto Anti-Oruam é protocolado na Câmara

Projeto Anti-Oruam é protocolado na Câmara

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

Projeto de lei que proíbe apologia ao crime organizado e ao consumo de drogas em shows e eventos contratados pelo Governo Federal é protocolado na Câmara pelo deputado federal Kim Kataguiri, do União Brasil.

A proposta do deputado Kim ficou conhecida como “projeto Anti-Oruam”, depois da vereadora paulistana Amanda Vettorazzo apresentar um projeto similar na Câmara Municipal de São Paulo, e divulgar a proposta nas redes sociais, usando o cantor como exemplo.

Quem é Oruam?

Oruam (Mauro Davi dos Santos Nepomuceno) é um rapper, filho do traficante Marcinho VP, que foi preso pelo cometimento de crimes como homicídio qualificado, formação de quadrilha e tráfico de drogas.

Apontado como líder da facção criminosa Comando Vermelho, Marcinho VP é também acusado pelo Ministério Público pelos crimes de associação criminosa e lavagem de dinheiro.

Em 2024, o rapper Oruam fez uma apresentação polêmica no Lollapalooza, ao vestir uma camiseta que pede liberdade a seu pai:

“Meu pai errou, mas está pagando pelos seus erros e com sobra. Só queria que pudesse cumprir uma pena digna e saísse de cabeça erguida”, disse o rapper.

Oruam vem se destacando como um dos principais rappers do país. Ele tem mais de 10 milhões de ouvintes mensais no Spotify, e é o dono da música mais ouvida do Brasil na plataforma, “Oh Garota Eu Quero Você Só Pra Mim“.

Além disso, o rapper se envolveu em uma polêmica ao defender o jogador Neymar na briga com Luana Piovani sobre a PEC das praias, causando o cancelamento de sua participação no Wehoo Festival.

Depois de ter a participação cancelada, Oruam foi às redes e pediu para seus fãs atacarem o festival.

Projeto anti-oruam
A PEC das Praias (PEC nº 3/2022) prevê a transferência dos terrenos da costa brasileira, que pertencem à União, para estados e municípios - gratuitamente - ou para entidades privadas mediante pagamento, desde que tenham o imóvel legalizado ou estejam ocupando terrenos pelo menos cinco anos antes da mudança na constituição.

Essa PEC é de relatoria do senador Flávio Bolsonaro, e causou muitas polêmicas. Dentre elas, está a troca de acusações entre o jogador Neymar, defendido por Oruam, e a atriz Luana Piovani. Muitos veem tal projeto como uma forma de privatização do acesso às praias.

Proposta similar em São Paulo

Em janeiro de 2025, a vereadora de São Paulo, Amanda Vettorazzo, também do União Brasil, apresentou um Projeto de Lei que tem como objetivo proibir que a Prefeitura de São Paulo contrate artistas que façam apologia ao crime ou ao uso de drogas.

A vereadora disparou em suas redes sociais:

“Quero proibir o Oruam de fazer shows em São Paulo! Chega de cantores de funk e rap fazendo apologia explícita ao crime organizado. Facções são INIMIGAS e devem ser tratadas como tal. Em São Paulo, não!”

Em seguida, a partir dessa postagem, o projeto passou a ser chamado de “Projeto Anti-Oruam”.

O texto da proposta prevê que nas contratações de shows, artistas ou eventos de qualquer natureza feitas pela Administração Pública Municipal, que possam ser acessadas pelo público infantojuvenil, deverá haver uma cláusula de não expressão de apologia ao crime e ao uso de drogas, em que o contratado deverá se comprometer a não quebrá-la, sob pena de rescisão contratual e multa no valor de 100% do valor do contrato, que será destinada ao Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de São Paulo.

Após ter sido protocolado o projeto na Câmara de São Paulo, Oruam foi às redes sociais:

“Pô, quer ficar nessa daí? Vai proibir o ca*****, pô. Tu nem tem força para isso. Bobona. Eu nunca vi uma pessoa estudar para falar mer**. Só tu não falar meu nome, senão tu vai conhecer o capeta”.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, afirmou que qualquer artista que fizer “apologia ao crime” não será permitido de se inscrever em editais municipais.

“Apologia ao crime na cidade de São Paulo não irá acontecer. Nós não vamos permitir, em hipótese alguma, que qualquer um que seja se inscreva nos nossos editais faça alguma apologia ao crime seja aceito, seja escolhido. Aqui, a gente não admite. Nós não queremos isso, não aceitamos, a sociedade não deseja”, disse Nunes.

Projeto Anti-Oruam na Câmara

Segundo o deputado Kim Kataguiri, o projeto recebeu assinatura de 46 deputados para ser protocolado. O texto, agora, deve seguir a tramitação regular na Casa.

Mas em que consiste, de fato, esse projeto de lei federal?

O projeto altera a Lei de Licitações para incluir trecho que torna proibida a “expressão, veiculação ou disseminação, no decorrer da apresentação contratada, de apologia ou incentivo ao consumo de drogas, ao crime organizado ou à prática de condutas criminosas” na contratação de shows, artistas ou eventos pelo governo.

Em caso de descumprimento, o projeto estabelece multa de, no mínimo, 100% do valor do contrato e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.

Para o deputado, a contratação de artistas que fazem apologia a práticas ilícitas acaba por violar os princípios constitucionais da moralidade e da legalidade, além de configurar desvio de finalidade e mau uso de recursos públicos.

Kim ressaltou, porém, que a proposta não proíbe ou impede que uma pessoa produza conteúdos com incentivo ou à apologia ao consumo de drogas, ao crime organizado e à prática de condutas criminosas.

Apenas se estabelece que não se pode usar os recursos públicos para esse fim, já que não se compatibilizam com os interesses sociais que conduzem e norteiam a atuação estatal e os princípios da nossa Constituição, que exigem a proteção das crianças e adolescentes.

Propostas semelhantes já foram apresentadas em 13 capitais: São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Natal (RN), Porto Alegre (RS), Porto Velho (RO), Rio de Janeiro (RJ) e Vitória (ES).

O Código Penal prevê, em seu art. 287, o crime de “Apologia de crime ou criminoso”, considerado um crime de ameaça à ordem e à paz pública.

Referido tipo penal se caracteriza como crime de perigo abstrato, ou seja, não é necessário que haja uma lesão concreta para a sua configuração. Além disso, não há necessidade de que o autor tenha a intenção de cometer o crime.

CP

Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:

Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

Proteção x liberdade de expressão

O cerne da questão, portanto, é o conflito entre os princípios da legalidade, da moralidade, da proteção da criança e do adolescente, de um lado, e a liberdade de expressão, de outro.

Não existem direitos absolutos. Todos os interesses, direitos e liberdades devem observar certas balizas instituídas pelo próprio ordenamento jurídico. A liberdade de expressão, integrante das liberdades públicas, é cláusula pétrea, mas não se pode exercê-la de maneira a ofender a dignidade humana de outrem ou de grupos vulneráveis.

Dino ressaltou, no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.513.428, que o Supremo tem entendimento consolidado de que o direito à liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento não são absolutos. Assim, é cabível a intervenção da Justiça em situações de evidente abuso.

Por fim, é importante acompanhar o trâmite desses projetos de lei e eventuais impugnações que deverão chegar à Suprema Corte.

Ótimo tema para provas de direito constitucional, direito administrativo e direito penal.


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