* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 1º, da lei do Estado do Tocantins nº 3.533/2019, que impedia concessionárias de suspenderem o fornecimento de energia elétrica e água tratada por falta de pagamento antes de 60 dias corridos após o vencimento da fatura.
Lei estadual nº 3.533/2019
Art. 1º É proibida, no âmbito do Estado do Tocantins, a suspensão do fornecimento de energia elétrica e água tratada pelas concessionárias por falta de pagamento de seus usuários em prazo inferior a 60 dias corridos, contados a partir da data do vencimento da fatura.
ADI 7725
A decisão foi tomada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7725, ajuizada pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe).
FUNDAMENTOS DA ADI 7725 |
Afronta ao artigo 21, inciso XII, alínea “b”, da CF -> Compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos. |
Afronta ao artigo 22, inciso IV, da CF -> Compete privativamente à União legislar sobre águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão. |
Afronta ao artigo 30, incisos I e V, da CF -> Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local e organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; |
O relator da ADI foi o ministro André Mendonça. Ele destacou que a Constituição Federal atribui à União a competência para legislar sobre energia elétrica e saneamento básico. Isso inclui a possibilidade de suspensão do fornecimento em caso de inadimplência.
No caso da energia elétrica, tanto a prestação do serviço quanto sua regulação são atribuições exclusivas da União, exercidas por meio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que tem normas específicas sobre prazos e condições para o corte de fornecimento.
Quanto ao abastecimento de água, trata-se de um serviço de interesse local, cuja titularidade é dos municípios, cabendo a eles regular o assunto.
O ministro Edson Fachin restou vencido. Para ele, a lei estadual apenas detalhava regras para proteger os consumidores, respeitando as necessidades locais em serviços essenciais como água e energia.
Como bem pontuado pelo ministro relator, ao estruturar o sistema federativo brasileiro, a Constituição reparte entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios as competências legislativas (privativas e concorrentes) e administrativas (exclusivas e comuns), de acordo com o princípio da predominância do interesse.
Competências
No caso da competência administrativa para explorar os serviços de energia elétrica, o art. 21, inciso XII, “b”, da Constituição, estabelece que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água.
Já em relação à competência legislativa, o art. 22, inciso IV, da Constituição, prevê que cabe privativamente à União legislar sobre águas e energia.
Nesse contexto do sistema federativo de repartição de competências sobre energia elétrica e fornecimento de água, não podemos deixar de ressaltar que a própria Constituição, em seu art. 30, incisos I e V, confere aos Municípios a atribuição de legislar sobre assuntos de interesse local e organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local.

É forçoso concluir que é da União a competência legislativa para regular o serviço público de energia elétrica – inclusive a temática relativa à suspensão dos serviços por inadimplemento dos usuários.
Não se desconhece que o tema relacionado à proteção ao direito do consumidor é matéria de competência legislativa comum entre os entes (art. 24, incisos V e VIII, da Constituição). Contudo, o dever-poder de proteção aos usuários dos serviços de energia elétrica é questão preponderantemente relacionada ao próprio regime de concessão e exploração destes serviços, tema que é de atribuição exclusiva da União.
Ao editar a lei federal nº 9.427/1996, que previu a criação da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), cuja finalidade institucional é regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, a União exerceu sua competência legislativa sobre energia elétrica.
Compete à ANEEL emitir nomas regulatórias que estabeleçam as condições gerais do fornecimento de energia elétrica aos usuários (art. 3º, inciso XIX, da Lei nº 9.427/1996).
Energia elétrica
No caso da energia elétrica, temos a Resolução Normativa ANEEL nº 1.000, de 2021. O documento traz regras de prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica, e o art. 356 traz as seguintes hipóteses de suspensão do fornecimento de energia elétrica de unidade consumidora por inadimplemento (sempre precedida da notificação):
I - Não pagamento da fatura da prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica;
II - Não pagamento de serviços cobráveis;
III - Descumprimento das obrigações relacionadas ao oferecimento de garantias; ou
IV - Não pagamento de prejuízos causados nas instalações da distribuidora cuja responsabilidade tenha sido imputada ao consumidor, desde que vinculados à prestação do serviço público de energia elétrica.
Em seguida, o artigo 358, da citada Resolução, arremata:
A suspensão por inadimplemento para a unidade consumidora classificada nas subclasses residencial baixa renda deve ocorrer com intervalo de pelo menos 30 dias entre a data de vencimento da fatura e a data da efetiva suspensão.
Além disso, a distribuidora de energia deve adotar o horário das 8 horas às 18 horas para a execução da suspensão do fornecimento por inadimplemento. A realização desse procedimento é vedada às sextas-feiras, sábados, domingos, vésperas de feriados e nos feriados.
Fornecimento de água
Nessa mesma toada, o Supremo entende que, quanto aos serviços públicos de fornecimento de água, o interesse predominante, nesse caso, será o local.
Portanto, é de titularidade dos Municípios a competência tanto administrativa quanto legislativa em relação à matéria – ressalvada a instituição de normas gerais sobre águas pela União, nos termos do art. 22, inciso IV, da Constituição.
Distribuição de água potável é matéria eminentemente de interesse local e, portanto, de competência dos Municípios e do DF (art. 30, I, CF).
Conclusão
Esse mesmo entendimento foi adotado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 7.576. Na oportunidade, declarou-se inconstitucional a lei paraibana nº 9.323/2011, que regulava a suspensão do fornecimento de água e energia elétrica por falta de pagamento das respectivas tarifas.
Ao final do julgamento da ADI 7.576, o STF decidiu que os Estados não podem interferir nas relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o poder concedente (quando este for a União ou o Município) e as empresas concessionárias, nem dispõem de competência constitucional para modificar ou alterar as condições que, previstas na licitação prévia ao ajuste, estão formalmente estipuladas no contrato de concessão celebrado pela União (energia elétrica – al. ‘b’ do inc. XII do art. 21 da Constituição) e pelo Município (fornecimento de água – inc. I e V do art. 30 da Constituição).
Ótimo tema para provas de direito constitucional e direito do consumidor.
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