Olá, pessoal.
Aqui é o professor Allan Joos e hoje vamos tratar do assunto mais comentado na internet nas últimas horas: a decretação da prisão preventiva do cantor Gusttavo Lima, em mais um episódio de operação que investiga as denominadas “Bets” e que recentemente também prendeu a influenciadora Deolane.
Segundo divulgado nos principais portais de notícias, em que pese o MP ter se manifestado e requerido a fixação de medidas cautelares, do cantor e dos demais investigados, a juíza Andrea Calado da Cruz, do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE), decretou a prisão dele e de outros envolvidos.
Tal decisão, nos faz discutir não apenas os possíveis delitos atribuídos ao cantor. Deve-se observar também a proporcionalidade das medidas adotadas pela juíza e, principalmente, a regularidade de sua decisão à luz do sistema acusatório.
A referida prisão ocorreu no bojo da denominada operação Integration.Segundo consta da decisão (pública no site do TJPE), Gusttavo lima está sendo investigado por crimes relacionados à lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa, nos termos dos artigos 1º e 2º da Lei 9.613/98 e da Lei 12.850/13.
Em sua decisão, a juíza alegou serem robustos os indícios que constam no inquérito policial. Eles apontam para o envolvimento de Gusttavo Lima e outros investigados em um esquema financeiro ilegal.
Foi o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) que identificou as movimentações suspeitas. Elas evidenciaram um suposto fluxo de capitais que sustentaria uma estrutura criminosa voltada para a dissimulação de recursos obtidos com práticas de jogos de azar.
Além disso, em sua viagem de aniversário para a Grécia, o cantor teria transportado um casal também investigado e proprietários de uma das empresas investigadas. Segundo consta, o casal teria sido deixado em um dos pontos turísticos visitados, o que estaria prejudicando as investigações.
Supostos crimes praticados pelo cantor
Conforme já citado, entre os delitos supostamente praticados pelo cantor, o principal deles seria a lavagem de dinheiro, decorrente de suposta dissimulação de bens oriundos de atividades criminosas. A previsão de tal crime está no artigo 1º da Lei 9.613/98.
Segundo mencionado na decisão judicial da Juíza, a autoridade policial representou pela prisão preventiva, o sequestro de bens, a quebra de sigilos bancário e fiscal, e o bloqueio de valores em contas. Tais medidas foram consideradas necessárias para a continuidade da investigação e a garantia da aplicação da lei penal.
O Ministério Público (MP), de sua vez, se manifestou contrário à prisão do cantor e dos demais envolvidos, requerendo a fixação de medidas cautelares diversas da prisão.
Ao decidir pela decretação da prisão preventiva, a juíza entendeu que havia indícios de que Gusttavo Lima fazia parte de uma organização criminosa estruturada, nos termos do artigo 2º da Lei 12.850/13, com o objetivo de lavar capitais oriundos de atividades ilícitas.
Neste ponto, vale uma crítica: a decisão se lastreia em movimentações ilícitas que envolve uma das empresas do cantor.
Ocorre que, pelos princípios da pessoalidade e da intranscendência das penas, não pode o investigado responder por atos que não tenham sido comprovadamente praticados pessoalmente por ele.
Assim, a maior fragilidade das investigações, ao nosso ver, se lastreia na própria autoria delitiva. Nesse sentido, na decisão proferida pela juíza, não há nada que demonstre a efetiva e pessoal participação do cantor nas práticas delitivas.
Claro que aqui estamos falando de investigações que certamente vão além da decisão proferida pela magistrada. Mas fato é que, para ensejar a prisão preventiva de alguém, as investigações devem necessariamente apontar a autoria delitiva, não sendo medida prudente para fins meramente investigativos.
Da divergência com o Ministério Público – titular da ação penal
Em sua manifestação, após representação do delegado de polícia pela prisão preventiva do cantor, o Ministério Público requereu a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares, como o bloqueio de bens e proibições de contato com outros investigados. Segundo o MP, a prisão não seria indispensável para a investigação, o que levanta dúvidas sobre a proporcionalidade da decisão judicial.
Apesar da manifestação contrária do Ministério Público – vale dizer, titular privativo da ação penal - a juíza desacolheu o seu parecer e decretou a prisão, argumentando que as evidências contra os investigados, incluindo Gusttavo Lima, são robustas e indicam a necessidade de medidas severas para garantir que a estrutura criminosa não continue a operar.
A magistrada fundamentou sua decisão na gravidade dos delitos e na alta capacidade financeira dos investigados, que poderiam utilizar seus recursos para obstruir as investigações ou escapar da aplicação da lei penal.
A nosso ver, a referida decisão viola o sistema acusatório, um dos pilares do direito processual penal, além de ser medida bastante desproporcional conforme será mencionado a seguir.
Da evidente desproporcionalidade da decisão
Nos termos da legislação processual penal, somente pode haver a decretação da prisão preventiva quando não houver outra medida capaz de garantir a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal.
Além disso, deve haver indícios mínimos de autoria e prova da materialidade para que a decretação da prisão preventiva.
Assim é que a medida extrema, privativa da liberdade, deve ser considerada a ultima ratio e deve se ver afastada de apelos midiáticos. A proporcionalidade e a inevitabilidade devem nortear a autoridade judiciária em decisões que venham a privar qualquer pessoa de sua liberdade.
O próprio art. 282, do CPP, exige que toda e qualquer medida cautelar esteja amparada na necessidade e na adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
Vale dizer, neste ponto, que a prisão preventiva é modalidade de medida cautelar de natureza pessoal.
Tanto é que o Parquet (MP) havia requerido a fixação de outras medidas menos gravosas, substituindo o pedido de prisão preventiva formulado pela autoridade policial.
O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência firme no sentido de que decisão por cautelar mais gravosa do que a requerida pelo Ministério Público não configura prisão de ofício (RHC 145225). Contudo, a manifestação contrária do órgão acusador coloca em xeque a própria credibilidade da decisão da magistrada.
Com certeza, a nosso ver, o TJPE reformará a decisão, assim como acabou de acontecer com a prisão de Deolane e de sua genitora.
Gusttavo Lima poderá ser preso no exterior, caso permaneça em Miami?
Uma outra notícia que pode impactar significativamente nas consequências da decisão é a de que o cantor estaria em Miami. Neste ponto, é importante destacar que eventual prisão do cantor somente poderá ocorrer após formal pedido de extradição.
O Brasil e os Estados Unidos são signatários do Tratado de Extradição, assinado em 1961, promulgado pelo Decreto nº 55.750/65, que prevê a possibilidade de extradição de investigados entre os feridos países. O procedimento exige a formalização de um pedido de extradição pelo Ministério da Justiça brasileiro, que deve ser enviado ao Departamento de Justiça dos EUA.
Realizado o pedido, a Justiça norte americana analisará e decidirá sobre a possibilidade ou não do envio de Gusttavo Lima ao Brasil. Tal medida somente ocorrerá caso os crimes a ele atribuídos também sejam puníveis nos EUA, em respeito ao princípio da “dupla tipicidade“. Além disso, Gusttavo Lima tem o direito de impugnar o pedido, o que pode atrasar o eventual processo de extradição.
Considerações finais
A prisão preventiva de Gusttavo Lima, decretada pela juíza Andrea Calado da Cruz, extrapola a proporcionalidade. E, ao que tudo indica, essa prisão terá o mesmo destino daquela que prendeu a influenciadora Deolane e que o Tribunal de Justiça acabou reformando.
Embora fundamentada na gravidade dos crimes e na necessidade de garantir a ordem pública, a decisão viola claramente o sistema acusatório e desrespeita o que fora requerido pelo titular privativo da ação penal (art. 129, I, da CF/88), o Ministério Público.
Apesar de a decisão ser pedagógica, para fins de repressão da prática de jogos ilícitos, a medida viola a presunção de inocência e a proporcionalidade das medidas cautelares.
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