A prisão de Carla Zambelli: entre fuga e a efetividade da cooperação internacional

A prisão de Carla Zambelli: entre fuga e a efetividade da cooperação internacional

Prof. Gustavo Cordeiro

Três dias após ter gravado um vídeo na Itália agradecendo o apoio do senador Flávio Bolsonaro e se autodenominado “exilada política”, a deputada federal Carla Zambelli foi presa em Roma pelas autoridades italianas, conforme confirmado pelo Ministério da Justiça brasileiro, em 29 de julho de 2025.

A prisão ocorreu após o deputado italiano Angelo Bonelli informar às autoridades policiais o endereço do apartamento onde a parlamentar brasileira se escondia na capital italiana. “Carla Zambelli está em um apartamento em Roma. Forneci o endereço à polícia. Neste momento, a polícia está identificando Zambelli”, escreveu Bonelli em sua conta no X. A operação policial foi bem-sucedida, encerrando dois meses de fuga internacional.

O desfecho demonstra a efetividade dos mecanismos de cooperação jurídica internacional e refuta a tese de que a dupla cidadania garantiria impunidade. Nesse sentido, o caso levanta questões jurídicas fundamentais que agora encontram resposta na prática: pode um condenado criminalmente alegar exílio político? A fuga para o exterior autoriza prisão preventiva? A cidadania italiana protege da extradição? A prisão em Roma oferece respostas concretas a essas indagações.

A condenação e a fuga: cronologia dos fatos

Em 16 de maio de 2025, a Primeira Turma do STF condenou por unanimidade Carla Zambelli e o hacker Walter Delgatti pelos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica. A deputada recebeu pena de 10 anos de reclusão em regime fechado, multa de dois mil salários-mínimos e perda do mandato parlamentar.

De acordo com a denúncia da PGR, entre agosto de 2022 e janeiro de 2023, Delgatti invadiu os sistemas do CNJ sob comando de Zambelli, adulterando certidões, mandados de prisão e alvarás de soltura. Entre os documentos falsos inseridos, havia até um mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes.

Dias após a condenação, ainda aguardando recursos em liberdade, Zambelli deixou o Brasil sem comunicar a Câmara dos Deputados – violação expressa do Regimento Interno que exige prévia comunicação de viagens ao exterior. Saiu pela Argentina, passou pelos Estados Unidos e desembarcou em Roma no dia 5 de junho.

Em 6 de junho, após o STF rejeitar os últimos recursos e decretar o trânsito em julgado da condenação, o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão definitiva da deputada e solicitou sua extradição ao Ministério da Justiça. Como afirmou em sua decisão: não havia dúvida de que a viagem tinha o “objetivo de se furtar à aplicação da lei penal”.

Assim, a prisão em 29 de julho confirma a precisão da análise do ministro. Zambelli permaneceu foragida por exatos 53 dias, período em que seu nome integrava a lista vermelha da Interpol, até que a colaboração entre autoridades brasileiras e italianas resultasse em sua captura.

Imunidades parlamentares e seus limites constitucionais

A condição de parlamentar não impediu a prisão após condenação definitiva, demonstrando os limites das imunidades constitucionais. O art. 53 da Constituição estabelece dupla proteção aos deputados e senadores: a imunidade material, que garante inviolabilidade por opiniões, palavras e votos no exercício do mandato, e a imunidade formal, que restringe a prisão salvo em flagrante de crime inafiançável.

Contudo, essas proteções possuem limites claros. A imunidade material não abrange crimes comuns praticados fora do exercício parlamentar, mesmo que por agentes políticos. A imunidade formal, por sua vez, cessa após o trânsito em julgado de sentença condenatória, não protegendo o parlamentar das consequências penais de crimes definitivamente julgados.

No caso Zambelli, os crimes de invasão de sistemas e falsidade documental não se relacionavam ao exercício do mandato parlamentar, afastando qualquer proteção constitucional. A prisão em Roma comprova que nem parlamentares estão acima da lei após condenação definitiva por crimes comuns, prevalecendo a aplicação da lei penal sobre privilégios processuais.

Prisão preventiva por fuga: fundamento e efetividade

A decretação de prisão preventiva após a fuga encontrou fundamento sólido no artigo 312 do Código de Processo Penal, validado agora pela concretização da prisão. Entre os requisitos autorizadores da preventiva está a garantia da aplicação da lei penal – exatamente o que foi frustrado pela fuga da condenada e restaurado pela prisão em Roma. Inclusive, o STF possui jurisprudência consolidada de que a fuga do distrito da culpa, especialmente para o exterior, autoriza a decretação da prisão preventiva.

A situação era particularmente grave por não se tratar de investigada ou processada que foge temendo condenação futura, mas de condenada definitiva que deliberadamente se evadiu para não cumprir pena já imposta. A prisão preventiva decretada visava assegurar a execução da pena transitada em julgado, objetivo agora alcançado com a captura em território italiano, demonstrando a eficácia do instituto quando amparado pela cooperação internacional.

Extradição no Direito Brasileiro: regras e aplicação

O sistema jurídico brasileiro estabelece regras específicas para extradição, conforme previsto no artigo 5º, inciso LI, da Constituição Federal. O brasileiro nato jamais pode sofrer extradição, enquanto o brasileiro naturalizado somente em casos excepcionais: por crime comum praticado antes da naturalização ou por comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes.

Para estrangeiros, a extradição é possível mediante tratado internacional ou promessa de reciprocidade, desde que observados requisitos essenciais: o crime deve ter dupla tipicidade (ser punível tanto no Brasil quanto no país solicitante), não pode ter natureza política, e deve respeitar o princípio da especialidade.

O Tratado de Extradição entre Brasil e Itália (Decreto 863/1993) prevê que a extradição de nacionais é facultativa, não vedada, cabendo decisão ao Estado requerido. No caso Zambelli, sendo italiana naturalizada, não há impedimento constitucional brasileiro à sua extradição, especialmente considerando que os crimes possuem dupla tipicidade e não têm natureza política.

Natureza dos crimes: políticos versus comuns

A tentativa de revestir fuga criminal com roupagem de exílio político esbarrou na natureza dos crimes e na realidade da cooperação internacional. Zambelli se autodeclarou “exilada política”, mas sua prisão em Roma confirma juridicamente sua situação de foragida da Justiça.

Para configurar crime político, são necessários elementos que inexistiram no caso. A melhor doutrina do direito internacional afirma que o crime político exige motivação ideológica contra a ordem política do Estado, visando a alteração do regime ou da forma de governo. Crimes comuns praticados por agentes políticos não se transformam em delitos políticos pela mera condição do agente.

Os crimes relacionados à condenação de Zambelli – invasão de sistemas judiciários e falsidade documental – são delitos comuns contra a administração da justiça, puníveis em qualquer democracia. Não possuem motivação política nem visam alteração do regime. A colaboração das autoridades italianas na prisão demonstra reconhecimento dessa natureza comum dos crimes, afastando qualquer alegação de perseguição política.

Asilo político e suas diferenças com o refúgio

O instituto do asilo político, reconhecido pela Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, protege pessoas que deixam seu país por perseguição relacionada a opiniões políticas, raça, religião, nacionalidade ou pertencimento a grupo social específico. Diferencia-se do refúgio por ser proteção diplomática que se baseia em decisão discricionária do Estado asilante.

Para concessão de asilo político, são necessários elementos específicos: perseguição política injustificada, violação de direitos fundamentais e impossibilidade de defesa no país de origem. No caso Zambelli, não se verificam tais requisitos. A condenação decorreu de devido processo legal, com ampla defesa, duplo grau de jurisdição e todas as garantias constitucionais.

As autoridades italianas, ao colaborarem com a prisão, demonstraram não reconhecer perseguição política em uma condenação regular por crimes comuns contra a administração da justiça. A mera discordância com decisão judicial não configura perseguição política nem justifica a concessão de asilo, como evidenciado pela cooperação italiana na captura da fugitiva.

Cooperação jurídica internacional: instrumentos e efetividade

Prisão de

A prisão de Zambelli exemplifica a efetividade dos mecanismos de cooperação jurídica internacional na era globalizada. O caso envolveu múltiplos instrumentos: tratados bilaterais, organismos multilaterais e colaboração diplomática direta entre autoridades nacionais.

O sistema da Interpol desempenhou papel fundamental através da lista vermelha, que alertou autoridades mundiais sobre a condição de foragida da deputada. Essa difusão internacional facilitou a identificação e localização da fugitiva, demonstrando como a cooperação policial transcende fronteiras nacionais.

A colaboração do deputado italiano Angelo Bonelli, fornecendo informações precisas sobre o paradeiro de Zambelli, ilustra como a cooperação internacional pode envolver não apenas canais oficiais, mas também a sociedade civil comprometida com o cumprimento da lei. A rapidez da operação policial italiana confirma a eficiência dos protocolos de cooperação bilateral.

O resultado prático – prisão em apenas 53 dias de fuga – comprova que os mecanismos de cooperação jurídica internacional funcionam efetivamente quando acionados, tornando a impunidade transfronteiriça cada vez mais difícil de ser alcançada.

Precedentes históricos: lições dos casos Pizzolato e Battisti

A história recente oferece precedentes importantes que iluminam o caso Zambelli. O caso Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil condenado no Mensalão, apresenta similaridades notáveis. Apesar da cidadania italiana, Pizzolato foi extraditado em 2015 após a Corte Constitucional italiana entender que crimes graves contra a administração pública justificavam a extradição, mesmo de nacional.

O precedente Pizzolato é especialmente relevante porque ambos os casos envolvem crimes contra a administração pública, dupla cidadania italiana e tentativas de escapar da Justiça brasileira. A extradição concedida pela Itália em 2015 sugere perspectiva favorável ao pedido brasileiro no caso Zambelli, especialmente considerando a colaboração italiana na prisão.

O caso Cesare Battisti, embora com desfecho inicialmente diverso, oferece contrapontos instrutivos. Battisti obteve proteção temporária do Brasil por alegações de perseguição política e motivações ideológicas relacionadas aos “anos de chumbo” italianos. Contudo, mesmo nesse caso, a proteção não foi permanente, e Battisti acabou sendo deportado para a Itália em 2019.

A diferença fundamental é que Battisti alegava perseguição por crimes com conotação política em contexto histórico específico, enquanto Zambelli foi condenada por crimes comuns contra a administração da justiça em processo regular. Os precedentes sugerem que a Itália distingue entre casos de genuína perseguição política e simples fuga de condenação criminal por delitos comuns.

A prisão em Roma: procedimentos e consequências

A prisão de Zambelli em Roma seguiu os protocolos da cooperação internacional, demonstrando a efetividade dos mecanismos bilaterais. Com seu nome na lista vermelha da Interpol desde a decretação da prisão preventiva pelo STF, as autoridades italianas tinham obrigação legal de efetuar a captura quando localizada.

A informação prestada pelo deputado italiano Angelo Bonelli foi fundamental para localizar a fugitiva. O endereço do apartamento romano permitiu que a polícia italiana realizasse a operação de captura sem incidentes, demonstrando a efetividade da cooperação entre Brasil e Itália quando há vontade política para combater a impunidade.

Agora presa, Zambelli aguardará em território italiano a análise do pedido formal de extradição apresentado pelo governo brasileiro. O processo pode levar meses, durante os quais permanecerá detida. Sua defesa poderá apresentar recursos contra a extradição, mas a colaboração italiana na prisão sugere perspectiva favorável ao pedido brasileiro.

A prisão também elimina qualquer possibilidade de fuga para terceiro país. Zambelli havia cogitado pedido de asilo nos Estados Unidos, mas sua detenção impede novos deslocamentos. O cerco judicial se fechou definitivamente com a captura romana, demonstrando que a justiça internacional possui instrumentos eficazes para alcançar foragidos.

Implicações para o mandato parlamentar

A prisão agrava drasticamente a situação de Zambelli no processo de perda de mandato que tramita na Câmara dos Deputados. O presidente da Casa já encaminhou a condenação à Comissão de Constituição e Justiça, onde o deputado Diego Garcia foi designado relator.

A prisão no exterior transforma uma situação já delicada em cenário politicamente insustentável. Deputados que poderiam ter alguma simpatia dificilmente defenderão publicamente uma colega presa como foragida da Justiça. O descumprimento do dever de comunicar viagem ao exterior, somado à fuga e à prisão internacional, configura desrespeito institucional grave à Câmara.

Além disso, o processo de perda de mandato seguirá independentemente da presença da deputada. Após tentativas de notificação, ela terá prazo para defesa – agora a ser exercida da prisão italiana. O parecer da CCJ será submetido ao Plenário, onde são necessários 257 votos (maioria absoluta) para confirmar a perda do mandato. A prisão torna esse resultado praticamente inevitável, consolidando as consequências jurídicas e políticas da fuga fracassada.

Conclusão: a efetividade da justiça internacional

O caso Zambelli demonstra concretamente que, na era da cooperação jurídica internacional, fugir de condenação criminal é estratégia fadada ao fracasso. A prisão em Roma, apenas 53 dias após a fuga, ilustra a eficiência dos mecanismos de colaboração entre Estados democráticos quando há vontade política para combater a impunidade.

A tentativa de revestir fuga criminal com roupagem de exílio político esbarrou na natureza dos crimes e na realidade da cooperação internacional. As autoridades italianas não reconheceram perseguição política em crimes contra a administração da justiça, colaborando ativamente na prisão da fugitiva e sinalizando receptividade ao pedido de extradição.

Para o direito processual penal, o caso confirma que a fuga autoriza prisão preventiva e que essa medida se mostra eficaz quando amparada pela cooperação internacional. A prisão em Roma valida a decisão do STF e demonstra que a jurisdição penal brasileira alcança seus condenados mesmo além-fronteiras, desde que acionados adequadamente os instrumentos de cooperação.

Para o direito internacional, o caso prova que cidadania múltipla não garante impunidade. Dessa forma, a prisão de Zambelli segue o precedente Pizzolato, confirmando que a Itália pode colaborar na extradição mesmo de nacionais quando se trata de crimes graves contra a administração pública, especialmente quando não há conotação política genuína.

A prisão romana encerra um capítulo e abre outro na saga jurídica. Zambelli deixa de ser “exilada política” autodenominada para se tornar, oficialmente, presa aguardando extradição. O autodenominado “exílio” revelou-se o que sempre foi: fuga criminosa com prazo de validade determinado pela efetividade da cooperação internacional. Para estudantes e profissionais do direito, o caso oferece demonstração prática de que no Estado democrático de direito, nem parlamentares nem cidadãos comuns estão acima da lei – mesmo quando atravessam fronteiras.

Questão para concursos: Direito Internacional e extradição

Como o caso Zambelli pode ser cobrado em concursos públicos?

Por fim, uma questão objetiva sobre extradição no direito internacional, inspirada no caso concreto, poderia ser formulada da seguinte forma:

"Deputado federal brasileiro, com dupla cidadania italiana, é condenado definitivamente pelo STF por invasão de sistemas judiciários e falsidade documental. Após o trânsito em julgado, foge para a Itália, onde é posteriormente preso. O Brasil solicita sua extradição com base no tratado bilateral vigente. Considerando os institutos jurídicos aplicáveis, assinale a alternativa CORRETA:

(A) A imunidade parlamentar formal impede a extradição de deputado por qualquer crime, mesmo após condenação transitada em julgado.

(B) Crimes contra a administração da justiça possuem natureza política, vedando a extradição conforme o direito internacional.

(C) A dupla cidadania italiana garante proteção absoluta contra extradição, configurando o caso como asilo político.

(D) A fuga para o exterior não autoriza prisão preventiva de parlamentar, prevalecendo a imunidade constitucional.

(E) A extradição é juridicamente possível, pois crimes comuns não se revestem de natureza política e a imunidade parlamentar não protege condenado definitivo por delitos não relacionados ao mandato."

Resposta e Fundamentação Jurídica:

Alternativa correta: (E)

A extradição é juridicamente possível porque a imunidade parlamentar formal (art. 53, §2º, CF) cessa após condenação transitada em julgado por crimes comuns não relacionados ao mandato, a Constituição veda extradição apenas de brasileiro nato (art. 5º, LI), o Tratado Brasil-Itália permite extradição facultativa de nacionais, crimes contra a administração da justiça não possuem natureza política (exigem motivação ideológica contra a ordem estatal), diferem do asilo político que protege perseguidos por opiniões políticas, a fuga autoriza prisão preventiva (art. 312, CPP) com jurisprudência consolidada do STF, a cooperação internacional através da Interpol facilita a captura, e precedentes como Pizzolato (2015) confirmam que a Itália extradita nacionais por crimes graves contra a administração pública, enquanto o caso Battisti envolveu questões políticas específicas inexistentes no presente caso.


Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!
0 Shares:
Você pode gostar também