Previsão de sanção em regulamento militar é constitucional?
Previsão de sanção em regulamento militar é constitucional?

Previsão de sanção em regulamento militar é constitucional?

Olá, tudo bem? Hoje faremos uma análise se a previsão de sanção (contravenções e transgressões disciplinares) em regulamento disciplinar militar é constitucional, focando na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).

Para isso, teceremos algumas considerações iniciais sobre os militares e as sanções a eles aplicáveis constantes da Constituição Federal de 1988 (CF/88) e da Lei 6.880/1980 (Estatutos dos Militares).

Na sequência, abordaremos o que o Supremo Tribunal Federal decidiu no Tema de Repercussão Geral nº 703 (Leading Case Recurso Extraordinário nº 603.116).

Vamos ao que interessa! 

Previsão de sanção em regulamento militar é constitucional?
Previsão de sanção em regulamento militar é constitucional?

A Constituição Federal de 1988, no que se refere aos militares, dispõe que as Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina (artigo 142, CF/88).

O mesmo se aplica aos membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina (artigo 42, CF/88).

Portanto, o regime aplicável aos servidores públicos militares é um pouco diverso do regime dos servidores públicos civis.

Uma das diferenças, por exemplo, é o que consta do artigo 142, § 2º, da CF, que afirma não ser cabível a impetração de habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.

O Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/1980) afirma, em seu artigo 42, que a violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específicas.

Por sua vez, o artigo 47 da Lei em questão prevê:

Art. 47. Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão e classificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.

§ 1º As penas disciplinares de impedimento, detenção ou prisão não podem ultrapassar 30 (trinta) dias.

§ 2º À praça especial aplicam-se, também, as disposições disciplinares previstas no regulamento do estabelecimento de ensino onde estiver matriculada.

O Decreto nº 4.346/02, dentre outras providências, regulamenta o artigo 47 da Lei 6.880/80 e é conhecido como Regulamento Disciplinar do Exército (R-4).

No entanto, muito se discutiu acerca da constitucionalidade do artigo 47 e, por consequência, da validade do Decreto acima, haja vista que, para boa parte dos juristas, não poderia haver a definição, apenas por meio de decreto regulamentar, dos casos de prisão e detenção disciplinares por transgressão militar. 

A discussão chegou até a Suprema Corte na forma do Tema de Repercussão Geral nº 703, no qual se discutiu a necessidade (reserva) de lei para instituir sanções de detenção e prisão disciplinares aplicáveis aos militares:

Descrição:

Recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 5º, LXI, da Constituição federal, a recepção do art. 47 da Lei 6.880/1980, que possibilita a definição, por meio de decreto regulamentar, dos casos de prisão e detenção disciplinares por transgressão militar. Em consequência, discute-se também a validade das disposições contidas no Decreto 4.346/2002 (Regulamento Disciplinar do Exército) pertinentes à aplicação das referidas penalidades.

Portanto, a análise da constitucionalidade se deu à luz do artigo 5º, inciso LXI, da CF/88:

Art. 5º. (…) LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

O Supremo, sob a Relatoria do Ministro Dias Toffoli, reconheceu a constitucionalidade do artigo 47 da Lei 6.880/1980.

Em resumo, o Ministro entendeu que as organizações militares regem-se por valores próprios, notadamente a hierarquia e a disciplina, dos quais irradiam as regras peculiares do regime jurídico-militar.

Além disso, destacou que princípio da legalidade possui papel fundamental como instrumento de coibição de abusos estatais, bem assim que a Constituição determina a necessidade de lei formal para a regulamentação de determinadas matérias indicadas pela própria Lei Maior.

No entanto, entendeu que o artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal, em sua parte final acima destacada, veiculou limitação ao direito fundamental de liberdade tendo como destinatários apenas os militares.

Nesse sentido, e ponderando que não se deve fazer tão somente uma interpretação meramente gramatical do dispositivo, e sim uma interpretação sistemática, entendeu da seguinte forma o dispositivo constitucional:

(i) no que se refere aos crimes propriamente militares, a reserva legal é absoluta, ou seja, apenas lei poderá prever, o que, aliás, vai ao encontro do que dispõe o inciso XXXIX do artigo 5º da CF;

(ii) porém, no que se refere às transgressões militares, as quais decorrem do exercício do poder disciplinar da Administração Militar, a lei não precisa ser taxativa ao descrever as condutas proscritas, podendo deixar a cargo de atos infralegais a estipulação das minúcias segundo as peculiaridades dos serviços, as quais, muitas vezes, não poderiam sequer ser cogitadas pelo legislador.

Nesses termos, firmou a seguinte Tese de Repercussão Geral:

Tese de Repercussão Geral nº 703:

O art. 47 da Lei nº 6.880/80 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, sendo válidos, por conseguinte, os incisos IV e V do art. 24 do Decreto nº 4.346/02, os quais não ofendem o princípio da reserva legal.

O Tribunal Pleno do Supremo decidiu a Tese acima por unanimidade em 16/08/2024.

Portanto, pessoal, essa foi nossa análise se a previsão de sanção (contravenções e transgressões disciplinares) em regulamento disciplinar militar é constitucional, focando na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).

Considerando que não esgotamos aqui a temática, não deixe de revisar em seu material de estudo e praticar com diversas questões.

Até a próxima!

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