*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.
Entenda o caso
O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a suspensão do uso de recursos do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo e do Fundo Garantidor de Operações (FGO) no financiamento do Programa Pé-de-Meia, coordenado pelo Ministério da Educação.
O Programa Pé de Meia foi lançado em novembro de 2023. A iniciativa tem como objetivo incentivar estudantes da rede pública a permanecerem na escola e concluírem o ensino médio. Ou seja, funciona como uma poupança e tem como objetivo principal democratizar o acesso e reduzir a desigualdade social entre os jovens.
Tomou-se a decisão, proferida em sede de medida cautelar, após o TCU identificar possíveis irregularidades na execução do programa. O Tribunal de Contas formou o seu entendimento com base na forma da transferência dos recursos da União.
O financiamento do programa é através de recurso do Fipem (Fundo de Incentivo à Permanência no Ensino Médio), que tem natureza de fundo privado com patrimônio próprio. Esse patrimônio vem de cotas financiadas pela União, dos lucros de investimentos financeiros e de outras fontes definidas em seu estatuto.
Processo orçamentário inadequado
Segundo o TCU, parcela dos valores transferidos ao Fipem não seguiram o processo orçamentário adequado. Há alegação no sentido de que os repasses foram feitos sem a devida aprovação legislativa, não constando da Lei Orçamentária Anual. Assim, isso acaba colocando em xeque a legalidade da operação e atentando contra as normas que regulam as finanças públicas.
O Tribunal de Contas da União determinou ao Ministério da Educação que não utilize recursos proveniente desses dois fundos sem que haja transferência para a Conta Única do Tesouro Nacional e inclusão na lei orçamentária. A decisão do Tribunal suspende apenas parte do repasse de recursos até a adequação do programa governamental à lei orçamentária.
Diante deste cenário, parlamentares da oposição alegam a existência de crime de responsabilidade por parte do Presidente da República, configurando pedalada fiscal. Isso abriria a possibilidade de iniciar processo de impeachment contra o Presidente da República.
Análise Jurídica
Impeachment
Impeachment é o termo utilizado para denominar o processo de responsabilização do Presidente da República por cometimento de crime de responsabilidade.
Há na Constituição Federal de 1988 mecanismos para a responsabilização do Chefe do Poder Executivo federal, seja por crimes comuns, como pelos chamados “crimes de responsabilidade”. A Constituição Federal denomina de crimes de responsabilidade as infrações de natureza político-administrativa cujo rol exemplificativo encontra-se disposto no artigo 85.
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Importante que fique bem destacado que o rol do artigo 85 acima transcrito é um rol exemplificativo. Considera-se crime de responsabilidade do Presidente os atos por ele praticados que atentem contra a Constituição. Os sete incisos do artigo 85 são exemplos de atos que configuram inequivocamente crime de responsabilidade.
Além disso, dada a relevância do cargo de Presidente da República, o processo que pode conduzir ao seu impeachment é delineado no bojo da própria CF/88, em seu artigo 86.
Em resumo, é o Poder Legislativo (Câmara de Deputados) que realiza a admissão da denúncia (equivalente ao recebimento da denúncia), através de manifestação favorável ao processo por dois terços dos Deputados Federais.
Admitida a acusação, no caso dos crimes de responsabilidade, ele será submetido a julgamento perante o Senado Federal. Como se vê, trata-se de um processo e um julgamento político, onde a decisão sobre a existência do crime de responsabilidade e as suas consequências cabem ao Congresso Nacional.
Denúncia
Vale lembrar que a qualquer cidadão pode denunciar à Câmara dos Deputados o Presidente da República, o Vice-Presidente da República ou Ministro de Estado por crime de responsabilidade.
Haverá a remessa da denúncia ao Presidente de Câmara dos Deputados, na forma do art. 218 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, cabendo a ele analisar se a acusação preenche os requisitos exigidos no Regimento Interno. Em caso positivo, a denúncia será lida no expediente da sessão seguinte. Em seguida, deve-se despachá-la à Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os Partidos.
Ademais, não há definição de prazo para o Presidente da Câmara dos Deputados analisar a denúncia e decidir se a arquiva ou se da prosseguimento ao processo de impeachment. Muitas vezes, utiliza-se esta competência como forma de pressionar o Chefe do Poder Executivo, mantendo pendente a possibilidade de deflagrar o processo para apuração de crime de responsabilidade.
No caso em análise, a alegação da prática de crime de responsabilidade pelo Presidente da República tem como fundamento o suposto fato de que parcela dos valores transferidos ao Fipem (especificamente os do Fgeduc e do FGO) não passou pelo processo orçamentário adequado e, consequentemente, atentou contra a Constituição Federal de 1988.
Assim prevê o artigo 167, I da Constituição Federal:
Art. 167. São vedados: I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;
Por fim, se comprovado que para a execução do programa “Pé de Meia” parte dos valores transferidos ao Fipem não estavam previstos na Lei Orçamentária Anual e que cabia ao Presidente da República a ordem para a utilização destes recursos, haverá forte indício de crime de responsabilidade, havendo justa causa para a deflagração do processo político previsto nos artigos 85 e 86 da Constituição Federal de 1988 em face do atual Presidente da República.
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