Olá turma, como estão os estudos? Aproveitando o clima de concursos que exigirão conhecimento acerca do Direito Penal Militar (STM e MPU), uma disciplina incomum, vamos examinar algumas de suas peculiaridades, hipóteses nas quais esse ramo específico do Direito diferencia-se do Direito Penal Comum, como foco no arrependimento posterior.
Panorama constitucional da discussão
Antes de analisarmos as peculiaridades do Direito Penal Militar, é necessário analisarmos a peculiaridades do próprio sistema judiciário militar, responsável pela interpretação e aplicação desse ramo jurídico tão específico, o que se fará em busca de um grau de compreensão mais completo acerca da temática deste texto.
O Poder Judiciário brasileiro foi desenhado pela Constitucional Federal de 1988 entre os artigos 92 até o seu artigo 126, com algumas disposições esparsas em outros trechos do texto constitucional (por exemplo, nos arts. 2º, 5º, XXXV, 21, XIII, 33, § 3º, 34, 35 e 36, 37, XI e XII, 66 e 68, entre outros).
Quanto aos órgãos do Poder Judiciário, foram estabelecidos no art. 92 da Constitucional Federal e regulamentados nos arts. 101 e 102 (Supremo Tribunal Federal), 103-B (Conselho Nacional de Justiça), arts. 104 e 105 (Superior Tribunal de Justiça), arts. 106 e 107 (Tribunais Regionais Federais), art. 109 (Juízes(as) Federais), arts. 111 e 111-A (Tribunal Superior do Trabalho), art. 115 (Tribunais Regionais do Trabalho), art. 116 (Juízes(as) do Trabalho), art. 119 (Tribunal Superior Eleitoral), art. 120 (Tribunal Regional Eleitoral), art. 123 (Superior Tribunal Militar) e 124 (Juízes(as) Militares Federais), art. 125 (Tribunais de Justiça estaduais e Juízes(as) estaduais).
No que interessa ao presente texto, cabe destacar que o Direito Penal Militar, bem como suas peculiaridades, são objeto de exame, em regra, pelo Superior Tribunal Militar, pelos Juízes Militares Federais, pelos Juízes Militares Estaduais e Tribunais de Justiça Estaduais ou Tribunais de Justiça Militar dos Estados (art. 125, §§ 3º, 4º e 5º, da CF/1988), além do Superior Tribunal de Justiça, no exame de recursos interpostos contra as decisões proferidas pela Justiça Militar Estadual, especializada ou não, e, por fim, como não poderia deixar de ser, pelo Supremo Tribunal Federal, na revisão de decisões proferidas pelo STJ, pelo STM ou pelos Tribunais Estaduais, especializados ou não, no exame do Direito Penal Militar.
Com efeito, a Justiça Militar Federal, composta pelo Superior Tribunal Militar e pelos Juízes Militares Federais, está definida nos arts. 122, 123 e 124 da CF/88, competindo a ela processar e julgar os crimes militares definidos em lei, referentes aos militares das Forças Armadas (art. 142 da Constituição Federal), estando regulamentada pela Lei n. 8.457/1992, a qual organiza a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus serviços auxiliares.
A Justiça Militar estadual poderá ser criada por lei de cada estado, mediante proposta do respectivo Tribunal de Justiça, é constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça estadual ou por Tribunal de Justiça Militar estadual, nas unidades federativas em que o quantitativo de militares, ultrapasse 20.000 (vinte mil) integrantes.
Ainda nos termos da Constituição Federal (art. 125, § 4º, “Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”.
Há também uma particularidade relevante da Justiça Militar estadual, na qual, dependendo da vítima e da natureza do ato, a competência poderá ser do juiz de direito com atribuição no juízo militar ou do Conselho de Justiça, que é um órgão colegiado jurisdicional de primeira instância, composto por membros da classe militar e presidida pelo referido juízo de direito.
De fato, sendo crime militar praticado contra civil ou demandas contra atos disciplinares militares, a competência será da Juízo Militar singular. Tratando-se dos demais crimes militares, a competência será do órgão colegiado acima mencionado (Conselho de Justiça).
Nesse ponto, cabe destacar que a categoria de militares estaduais é composta por policiais militares e pelo corpo de bombeiros militares (art. 144, V, e §§ 5º e 6º, da Constituição Federal de 1988), aos quais compete:
- a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (policiais militares); e
- a atividade de defesa civil, além de outras atribuições definidas em lei (corpos de bombeiros militares).
Deve-se ressaltar outrossim, neste momento, que o Código Penal Militar, em princípio, “foi feito para ser aplicado aos militares federais”[1], o que, numa primeira leitura de algumas de suas disposições, pode ensejar a conclusão de que suas regras teriam eficácia somente em relação ao efetivo das Forças Armadas, o que, entretanto, não ocorre, devendo ser aplicadas também, com as devidas adaptações interpretativas, aos militares estaduais.
Para os fins do presente texto, relacionado às peculiaridades do Direito Penal Militar, em comparação ao Código Penal Comum, vamos analisar especificamente as diferenças quanto ao arrependimento posterior.
Arrependimento posterior
Esse primeiro exame acerca das peculiaridades do Direito Penal Militar traz a análise do arrependimento posterior, previsto no Código Penal comum, em seu art. 16, segundo o qual:
- Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
Segundo a doutrina criminal comum, tal instituto é considerado, simbolicamente, como uma “ponte de prata”, pois, em regra, é apenas uma causa obrigatória de diminuição da pena, aplicável na terceira fase de aplicação da pena privativa de liberdade[2].
Neste ponto, deve-se destacar que o arrependimento posterior não tem previsão no Código Penal Militar.
Ante essa falta de positivação, o Superior Tribunal Militar (STM) já decidiu que “Embora haja no art. 16 do Código Penal (CP) a previsão do arrependimento posterior como causa minorante, sob a condição de o dano ser reparado ou restituída a coisa à vítima antes do recebimento da denúncia ou da queixa, esse dispositivo não é aplicado, em face do princípio da especialidade, no âmbito da Justiça Militar da União” (STM – APELAÇÃO: 0000114-10.2014.7.11.0111, Relator: MARCO ANTÔNIO DE FARIAS, Data de Julgamento: 19/10/2016, Data de Publicação: 04/11/2016).
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, alterando acórdão do próprio STM, já decidiu em sentido contrário ao Tribunal Militar, no sentido da aplicação do art. 16 do Código Penal a crime de peculato-furto, previsto no art. 303, § 2º, do Código Penal Militar (HC 71782, Relator(a): NÉRI DA SILVEIRA, Segunda Turma, julgado em 26-04-1995, DJ 30-06-1995).
A propósito, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo o procedente do STF, decidiu também, em relação a crime praticado por militar estadual, que “O art. 12 do CP, como visto acima, estabelece que a parte geral do Código Penal é aplicada a toda legislação especial, salvo quando esta trouxer disposição em sentido contrário, tal como ocorre no presente caso. Assim, se o Código Penal Militar, que é lei especial, não prevê o instituto do arrependimento posterior, não há porque deixar de aplicá-lo aos condenados por crime militar” (AgRg no REsp n. 1.714.751/SC, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, decisão monocrática publicada em 20/5/2019).
Nesse contexto, se eventual questão de prova fizer referência apenas à literalidade do Código Penal Militar, deve-se entender que inexiste previsão do arrependimento posterior no âmbito do Direito Penal Militar.
Caso a pergunta faça relação com a jurisprudência exclusiva do Superior Tribunal Militar, assim como no caso anterior, não se deve considerar a incidência do arrependimento posterior aos crimes militares do CPM.
Porém, se a questão de prova vincular-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, deve-se entender pela aplicabilidade do arrependimento posterior no âmbito do Direito Penal Militar.
Por fim, não se pode confundir o arrependimento posterior, chamado de “ponte de prata”, com o arrependimento eficaz e a desistência voluntária, ambos conhecidos como a “ponte de ouro”[3] no Direito Criminal, os quais têm plena incidência tanto no Direito Penal como, como no Direito Penal Militar, por força dos arts. 31 do Código Penal Militar e 15 do Código Penal comum:
- Art. 31. O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.
- Art. 15 – O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.
Assim encerramos o primeiro texto da série de artigos sobre as peculiaridades do Direito Penal Militar. Esperamos que essa breve análise seja útil para estudos e revisões e, caso saibam de mais alguma peculiaridade interessante do Direito Penal Militar, podem citar nos comentários.
[1] ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. In Código Penal Militar Comentado, ed. Líder, 2ª Ed. 2011, p. 95.
[2] MASSON, Cleber. In Código Penal Comentado, ed. Método, 8ª Ed. 2020, p. 147.
[3] ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. In Código Penal Militar Comentado, ed. Líder, 2ª Ed. 2011, p. 69.