O racismo ambiental e as tragédias climáticas. Entenda!

O racismo ambiental e as tragédias climáticas. Entenda!

Olá, pessoal!

Sou o professor Thiago Leite, procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Trouxe abaixo um tema atual para debate: O racismo ambiental e as tragédias climáticas.

Uma recente manifestação da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, causou polêmica no meio político e entre os ambientalistas. Ela relacionou as tragédias causadas pelos fortes temporais ao racismo ambiental.

Você sabe o que é racismo ambiental? Será que há, de fato, relação entre os desastres climáticos e essa espécie de racismo? É isso que veremos a partir de agora.

A expressão “racismo ambiental” foi forjada na década de 1980 pelo pesquisador e ativista Benjamin Franklin Chavis Jr. (em meio a protestos contra depósitos de resíduos tóxicos no condado de Warren, no estado da Carolina do Norte (EUA), onde a maioria da população era negra) para explicar o processo de degradação das condições socioambientais que afeta, principalmente, populações marginalizadas, como pretos, pardos, indígenas, pobres e favelados.

O termo foi criado para descrever a forma como as populações mais pobres e marginalizadas são afetadas de forma desproporcional pelos impactos ambientais negativos, como a poluição do ar, a contaminação da água, as enchentes e o desmatamento. Isso acontece porque essas populações muitas vezes têm menos poder político e econômico para evitar ou remediar esses impactos.

Populações que precisam viver em favelas e áreas construídas em encostas íngremes, sujeitas a deslizamentos de terra e enchentes são as mais afetadas, como ocorreu no Litoral Norte de São Paulo. O racismo ambiental é, portanto, uma forma de discriminação ambiental. Ele acontece quando as políticas ambientais e os projetos de desenvolvimento são implementados de forma a prejudicar deliberadamente as populações mais vulneráveis.”[1]

Segundo a pensadora Tania Pacheco, o racismo ambiental é constituído por injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre etnias e populações mais vulneráveis. O racismo ambiental se materializa não apenas através de ações que tenham uma intenção racista, mas, igualmente, através de ações que tenham impacto racial.

Podemos entender que o racismo ambiental se materializa como o processo de discriminação e injustiças sociais que afeta a parte mais vulnerável da população, decorrente da deterioração das condições do meio ambiente, como, por exemplo, a construção irregular de moradias em áreas de risco, o despejo ilegal de esgotos em rios e lagos, o desmatamento de vegetação nativa, a poluição do ar por indústrias e o descarte indevido e sem tratamento do lixo. Quem mais sofre, portanto, são as pessoas mais pobres, que são forçadas a viver em locais com maior grau de degradação ambiental.

Essa espécie de racismo tem um grande impacto nas cidades e centros urbanos, em especial na população das favelas e periferias, já que essas áreas, por sua própria formação histórica e falta de políticas públicas, são as mais propensas a sofrerem com deslizamentos, contaminação do solo, contaminação do ar, insalubridade das condições de habitação etc. 

Portanto, uma condição ambiental adversa, como uma área desmatada, um rio poluído, um esgoto à céu aberto, que poderia atingir qualquer pessoa, acaba, na prática, atingindo de forma direta aquela parte da população mais vulnerável (pobres, pretos, favelados, periféricos). É nesse sentido que o racismo ambiental mostra sua face mais cruel.

As tragédias ambientais e climáticas, externadas em forma de deslizamentos de terra, enchentes, poluição de córregos, infestação de insetos e roedores, que geram mortes, prejuízos financeiros, doenças, desvalorização patrimonial, acabam atingindo exatamente essa parte da população menos favorecida. Essa discriminação seletiva é o que caracteriza o racismo ambiental como sendo uma prática, consciente ou não, intencional ou não, presente atualmente e que pode sim ser relacionada como uma das causas das agruras socioambientais sofridas por uma parte numerosa da população.

Delimitada a ideia do racismo ambiental e identificada como sendo uma das causas das tragédias que povoam o noticiário diário é preciso que o poder público atue através da adoção de políticas públicas efetivas e direcionadas ao combate à desigualdade, o que passa por uma política urbana voltada a garantir dignidade àqueles que moram em áreas esquecidas pelo Poder Público, o que inclui a execução de um amplo programa de saneamento básico, contenção de encostas, recuperação de mananciais, rios e lagos, disposição adequada do lixo gerado e um ordenamento territorial que permita à essas pessoas morarem em casas seguras e salubres.

Podemos concluir, a seu turno, que o combate ao racismo ambiental passa pela luta e pela defesa dos direitos humanos e ambientais, com a valorização e utilização do conhecimento e experiências das próprias comunidades afetadas.

Em agosto de 2023 o Governo Federal criou o Comitê de Monitoramento da Amazônia Negra e Enfrentamento ao Racismo Ambiental. Trata-se de uma parceria do Ministério da Igualdade Racial (MIR) com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e tem a finalidade de propor medidas de enfrentamento ao racismo ambiental na Amazônia Legal.

Combater o racismo ambiental, portanto, é combater a pobreza, a desigualdade, a falta de oportunidades, o crescimento desenfreado, a poluição dos córregos, o desmatamento irregular, o garimpo ilegal, e é dever de todos, não apenas do Estado, como prescreve a Constituição Federal de 1988, em especial em seu artigo 3º, in verbis:

CF/88

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O tema ganha relevância a cada dia, inclusive sendo cobrado na prova para promotor de Santa Catarina de 2023, razão pela qual merece um estudo e acompanhamento mais aprofundado.


[1] https://www.fundobrasil.org.br/blog/o-que-e-racismo-ambiental-e-como-afeta-as-comunidades-marginalizadas/

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