A polícia investiga o envenenamento de 40 cães, que teriam dado entrada em clínicas veterinárias com o mesmo quadro de intoxicação. A reportagem narra que 6 desses cães morreram.
*Guilherme Carneiro de Rezende: Professor de Processo Penal e de Legislação Institucional. Doutorando e mestre em direito. Promotor de Justiça
1. Envenenamento dos cães: entenda o caso
A polícia investiga o envenenamento de 40 cães. A suspeita é de que a administração de um prédio estaria colocando veneno para matar plantas e ratos, que, acidentalmente, contaminavam os cachorros.
1.1. Legislação aplicável
Sobre a legislação aplicável ao caso envolvendo o envenenamento dos cães, a Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) pune a conduta daquele que pratica ato de abuso, maus-tratos, fere ou mutila animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, conforme artigo 32.
Atenção, pois o §1º-A deste mesmo dispositivo (artigo 32), assevera que a pena para essas condutas é aumentada, caso se trate de cão ou gato.
Há uma diferença relevante em termos de pena, se compararmos a conduta prevista no caput, e a prevista no §1º-A. Ela sai de uma detenção de 3 meses a 1 ano, para reclusão de 2 a 5 anos. Isso impacta no rito para processamento da infração e na possibilidade de oferecimento de benefícios despenalizadores.
Enquanto figura do tipo básico se processa no juizado especial, pelo procedimento sumaríssimo, a modalidade qualificada segue no juízo comum, pelo procedimento comum ordinário.
A primeira delas comporta oferecimento dos benefícios da transação penal e da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95). Já a segunda não, admitindo apenas o acordo de não persecução penal (artigo 28-A, do CPP).
A conduta tipificada no caput é investigada por meio de termo circunstanciado de ocorrência. Em caso de prisão em flagrante, é possível a liberação imediata do investigado, caso ele se comprometa a comparecer na audiência preliminar designada. Por outro lado, o tipo derivado admite prisão em flagrante. Atenção: apenas a autoridade judiciária está autorizada a arbitrar fiança, por conta da quantidade de pena máxima, abstratamente cominada ao crime, conforme artigo 322, do CPP.
Veremos, abaixo, o caso concreto que envolveu o envenenamento dos cães.
2. Envenenamento dos cães: caso concreto
Se se apurar que o veneno estava sendo ministrado aos cães de forma dolosa (com consciência e vontade dirigida ao fim ilícito), teríamos a subsunção ao modelo previsto no §1º-A, do artigo 32, e, por conta do resultado morte, com a incidência da causa de aumento da pena.
Se entendermos que a conduta de envenenamento dos cães foi culposa, decorrente da inobservância de um dever objetivo de cuidado, por imperícia, imprudência ou negligência, o fato seria atípico, pois não há previsão dessa conduta na modalidade de culpa. É bom lembrar que o crime culposo há de ser expressamente previsto em lei, nos termos do artigo 18, II, do CP.
É o que parece ter acontecido. O veneno foi ministrado para matar plantas e ratos, porém quem o aplicou não teve o cuidado de zelar para que outros animais (e mesmo seres humanos) tivessem com ele algum contato. Isso resultou no fato de que vários cães se contaminaram.
Poderíamos pensar que, se o agente dissipa o veneno, sabendo que o lugar é frequentado por cães e gatos, ele assume o risco de produzir o resultado, o que caracterizaria o dolo eventual (que é modalidade de dolo, na forma do artigo 18, I, do CP), devendo ser responsabilizado pelas condutas.
2.1. Relação de causalidade
Em caso de morte do animal (ou dos animais) – e a relação de causalidade entre a ingestão do veneno e o evento morte há de ser demonstrada -, a pena do agente é aumentada de um sexto a um terço. Essa exasperação ocorre na última fase de dosimetria sancionatória, na forma do artigo 68, do CP.
Sobre a relação de causalidade é necessário que se realize perícia para atestar a situação, pois não demonstrado que a morte adveio da ingestão de veneno, afasta-se majorante.
Considerando que foram 40 vítimas (cães envenenados), das quais 6 foram fatais, devem ser consideradas individualmente 40 condutas, correspondendo a 40 crimes autônomos, em concurso formal ou continuidade delitiva, a depender do caso.
Essas figuras implicam exasperação da pena, na forma dos artigos 70 (concurso formal) e 71 (continuidade delitiva). Isso reflete na análise sobre a possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal.
Ao oferecer denúncia, o Ministério Público deverá narrar as condutas identificando que foram 40 vítimas, sob pena de inépcia formal, nos termos do artigo 41, do CPP.
Caberia prisão em flagrante? A resposta é sim, caso em que a fiança, como já dito, só poderá ser arbitrada pela autoridade judiciária.
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