Olá, corujas!
Sou o professor Lucas Pessoa, Procurador do Estado de São Paulo, especialista em Direito da Administração Pública, mestre em Direito Constitucional e professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho no Estratégia Carreiras Jurídicas.
Trouxe abaixo a mais recente alteração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), introduzida pela Lei n. 14.647, publicada no Diário Oficial da União em 7 de agosto.
Sancionada sem vetos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a nova legislação altera o art. 442 da CLT, acrescentando a ele os §§2º e 3º para estabelecer que não existe vínculo empregatício entre entidades igrejas e religiosos.
O projeto original mencionava especificamente categorias de prestadores de serviços religiosos, como padres, pastores, presbíteros, bispos, freiras, evangelistas, diáconos, anciãos e sacerdotes. A redação final é mais genérica, determinando que não há vínculo de emprego entre entidades religiosas de qualquer denominação ou natureza ou instituições de ensino vocacional e ministros de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, ou quaisquer outros que a eles se equiparem.
Vale destacar que a alteração promovida pela Lei n. 14.647/2023 consolida legislativamente o entendimento jurisprudencial predominante (embora não unânime) no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do restante da Justiça do Trabalho.
Observa-se que diversas Turmas do TST já negaram a relação de emprego entre entidades religiosas e seus membros, sendo que diversos Tribunais Regionais do Trabalho adotam o mesmo posicionamento majoritário do TST, sob fundamento de que os serviços religiosos são de ordem espiritual/eclesiástica/religiosa/vocacional e não econômica/profissional/empregatícia. Cumpre trazer alguns julgados nesse sentido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA – DESCABIMENTO. 1. NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Decisão contrária aos interesses da parte não importa negativa de prestação jurisdicional, não havendo que se falar em ofensa aos arts. 93, IX, da Constituição Federal, 458 do CPC e 832 da CLT. 2. VÍNCULO DE EMPREGO. PASTOR EVANGÉLICO. Por todos os elementos fáticos relatados, não há dúvida de que as atividades desenvolvidas pelo reclamante não ultrapassavam o ofício religioso, que não se confundem com aquelas inerentes ao contrato de emprego. 3. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Interposto à deriva dos requisitos previstos no art. 896 da CLT, não merece processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e desprovido” (AIRR-1000441-17.2017.5.02.0703, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 10/09/2021).
“AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI 13.015/2014. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. (ÓBICE DO ART. 896, § 1º, A, IV, DA CLT). (…) Agravo não provido. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PASTOR EVANGÉLICO. (ÓBICE DA SÚMULA 126 DO TST). Segundo o quadro fático delineado pelo acórdão regional, as atividades desempenhadas pelo reclamante eram de cunho religioso, como pastor e de modo voluntário. Com efeito, a decisão regional concluiu pela a ausência de pessoalidade e de subordinação, demonstrando que o presente caso trata de vocação religiosa. Entender de forma contrária demandaria o revolvimento de fatos e provas, o que encontra óbice na Súmula 126 do TST. Não prospera o agravo da parte, dadas as questões jurídicas solucionadas na decisão agravada. Em verdade a parte só demonstra o seu descontentamento com o que foi decidido. Não merece reparos a decisão. Agravo não provido ” (Ag-AIRR-664-33.2017.5.12.0048, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 14/08/2020).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. DESPROVIMENTO. Inadmissível o Recurso de Revista quando o Tribunal Regional afastou expressamente os requisitos de subordinação e onerosidade, descaracterizando a natureza remuneratória da ajuda financeira recebida, por decorrer de doações dos fiéis, e concluiu, com base na prova testemunhal, que se tratava do exercício das funções de pastor, à qual o reclamante aderira de forma consciente e voluntária; não demonstrada ofensa à literalidade do art. 3º, CLT e dissenso pretoriano, por inespecificidade dos arestos citados (Súmula nº 296 do Tribunal Superior do Trabalho). Agravo de Instrumento desprovido’ (AIRR – 72740-90.2004.5.03.0103 , Relatora Juíza Convocada: Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro, Data de Julgamento: 16/11/2005, 1ª Turma, Data de Publicação: 03/02/2006)
EMENTA: VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PASTOR EVANGÉLICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. Tendo em vista que a atividade exercida pelo reclamante na igreja era de cunho essencialmente religioso (pastor evangélico), não há que se falar em reconhecimento do liame empregatício, nos moldes dos artigos 2º e 3º, da CLT, em face da subordinação exclusivamente eclesiástica e da natureza não econômica da relação avençada pelas partes. (TRT da 2ª Região; Processo: 1000891-96.2021.5.02.0386; Data: 19-09-2022; Órgão Julgador: 11ª Turma – Cadeira 5 – 11ª Turma; Relator(a): SERGIO ROBERTO RODRIGUES)
MINISTRO DE CONFISSÃO RELIGIOSA. IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS. VÍNCULO DE EMPREGO. NATUREZA CONFESSIONAL, PERTINENTE A UMA CRENÇA MÍSTICA E A UMA PRÁTICA RELIGIOSA, E À DISSEMINAÇÃO SOCIAL DESTAS, DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS. SUBORDINAÇÃO DE ÍNDOLE ECLESIAL. PRESSUPOSTOS FÁTICOS E JURÍDICOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO NÃO CONFIGURADOS. Hipótese em que, a partir do conjunto probatório, se evidencia que o vínculo que unia o reclamante, ministro de confissão religiosa (pastor), à sua igreja era de natureza confessional, trabalhando ele, por fé própria e autodeclarada vocação pessoal, pertinentes a uma crença mística e a uma prática religiosa, na disseminação social destas, sendo, no contexto de tal crença e de tal prática, todas as suas atividades convergentes a tal fim, não se verificando, a partir do acervo probatório, a presença, na relação concreta estabelecida por vários anos entre o ministro de confissão religiosa e a igreja em que se engajou, como disseminador de tal fé, alicerçada na crença em uma divindade em particular e nos fundamentos dogmáticos dessa crença, dos pressupostos fáticos e jurídicos da relação de emprego. A rejeição do pedido de declaração do vínculo de emprego entre o reclamante, ministro de confissão religiosa (pastor), e a igreja em que se engajou, no caso, não decorre, de per si, da simples premissa de que o trabalho em atividades religiosas não possa consubstanciar uma relação de emprego, mas da constatação de que, no caso, o vínculo e a subordinação entre o reclamante, ministro de confissão religiosa (pastor), e a igreja em que se engajou, são de índole eclesial, e não empregatícia, com a adesão voluntária do pastor ao ofício de disseminação social da sua crença mística e da sua prática religiosa, bem como aos dogmas da religião assim professada, e sob a supervisão eclesial da correspondente igreja, necessária à boa ordenação de tal ofício e, assim, à preservação e à disseminação dos fundamentos da referida crença sobrenatural (religiosa). (TRT da 2ª Região; Processo: 1001048-19.2020.5.02.0608; Data: 12-05-2022; Órgão Julgador: 2ª Turma – Cadeira 3 – 2ª Turma; Relator(a): RODRIGO GARCIA SCHWARZ)
Cumpre observar que, em que pese o óbice ao reexame de fatos e provas no julgamento de Recurso de Revista pelo TST (Súmula n. 126 do TST), os julgados do TST afastam o reconhecimento da relação empregatícia, na forma do art. 3º, da CLT, por considerarem que as características do vínculo religioso afastariam a configuração dos elementos essenciais para a formação do vínculo de emprego.
Os dispositivos acrescentados à CLT se alinham ao entendimento jurisprudencial exposto:
Art. 442
§ 2º Não existe vínculo empregatício entre entidades religiosas de qualquer denominação ou natureza ou instituições de ensino vocacional e ministros de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, ou quaisquer outros que a eles se equiparem, ainda que se dediquem parcial ou integralmente a atividades ligadas à administração da entidade ou instituição a que estejam vinculados ou estejam em formação ou treinamento. (Incluído pela Lei nº 14.647, de 2023)
§ 3º O disposto no § 2º não se aplica em caso de desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária. (Incluído pela Lei nº 14.647, de 2023)”
A redação mais genérica é justificada por Zenaide Maia, relatora do projeto, que pontua, em seu relatório, que a redação final “se encontra mais de acordo com os requisitos da concisão e generalidade que devem basear a redação legislativa, além de manter uma desejável simetria entre as disposições da CLT e do Plano de Custeio da Previdência, para reduzir a possibilidade de interpretações divergentes”[1].
A senadora entendeu como correta a interpretação dos autores do projeto, deputados Vinicius Carvalho e Roberto Alves, no sentido de que a adesão a determinada confissão religiosa responde a um chamado de ordem espiritual, de perceber recompensas transcendentes, e não ao desejo de ser remunerado por um serviço prestado como ocorre com o trabalho secular.
Conforme a lei, a inexistência do vínculo aplica-se mesmo se os membros se dediquem parcial ou integralmente a atividades da administração da entidade ou instituição, ou se estiverem em formação ou treinamento.
O parágrafo 3º ressalva que, caso haja desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária da instituição, o vínculo empregatício poderá ser constatado. O dispositivo pretende garantir que as instituições religiosas mantenham seu caráter essencialmente espiritual e voluntário, evitando assim possíveis abusos ou exploração de mão de obra.
A previsão expressa da possibilidade de formação de vínculo empregatício quando desvirtuado o objetivo voluntário e espiritual é de grande importância por delimitar de forma clara o principal ponto controvertido nas reclamações a serem ajuizadas, qual seja, a existência ou não da finalidade voluntária e espiritual.
No ponto, há de se ressaltar que a exceção prevista no §3º do art. 422, da CLT, também já havia sido adotada em julgados do TST, como pode ser verificado no seguinte acórdão:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – PASTOR EVANGÉLICO – RELAÇÃO DE EMPREGO – NÃO-CONFIGURAÇÃO – REEXAME DE PROVA VEDADO PELA SÚMULA 126 DO TST. O vínculo que une o pastor à sua igreja é de natureza religiosa e vocacional, relacionado à resposta a uma chamada interior e não ao intuito de percepção de remuneração terrena. A subordinação existente é de índole eclesiástica, e não empregatícia, e a retribuição percebida diz respeito exclusivamente ao necessário para a manutenção do religioso. Apenas no caso de desvirtuamento da própria instituição religiosa, buscando lucrar com a palavra de Deus, é que se poderia enquadrar a igreja evangélica como empresa e o pastor como empregado. No entanto, somente mediante o reexame da prova poder-se-ia concluir nesse sentido, o que não se admite em recurso de revista, nos termos da Súmula 126 do TST, pois as premissas fáticas assentadas pelo TRT revelam que a função exercida pelo Reclamante estava estritamente ligada à intimidade da consciência religiosa e à assistência espiritual desde a adesão à função de pastor por livre manifestação de vontade, não sendo hipótese de vínculo de emprego” (AIRR – 74040-42.2005.5.05.0024 , Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 27/08/2008, 7ª Turma, Data de Publicação: 05/09/2008).
Tais exceções já haviam sido, inclusive, reconhecidas pela jurisprudência, como no julgado abaixo, no qual a 3ª Turma do TST reconheceu o vínculo de emprego pleiteado, diante da análise do caso concreto:
“I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PASTOR DE IGREJA. VÍNCULO DE EMPREGO. Diante de possível violação do art. 3º da CLT, deve-se dar provimento ao agravo de instrumento, para melhor exame do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. II – RECURSO DE REVISTA. PASTOR DE IGREJA. VÍNCULO DE EMPREGO. CONFIGURAÇÃO. Trata-se de demanda em que pastor de igreja pretende o reconhecimento do vínculo de emprego com a Igreja, referente ao período em que exerceu esse ofício. A Corte Regional manteve a improcedência da reclamação, ao fundamento de que a atividade do autor é de cunho estritamente religioso, na medida em que o ofício realizado foi motivado por uma vocação religiosa e visava principalmente a propagação da fé. No entanto, verifica-se a existência do vínculo de emprego. No entanto, restou apurado nos autos, pelos fatos e provas fartamente descritos pelo Regional, que: a) os pastores precisavam estar presentes a reuniões habituais, em que eram doutrinados (treinados) para o atendimento de campanhas de arrecadação de receitas; b) havia horário diário definido para o exercício desse trabalho, sujeito a fiscalização e com folga semanal; c) os depoimentos revelaram a vinculação à Central de Curitiba, onde ocorriam reuniões periódicas com a definição de diretrizes a serem seguidas e para onde o autor deveria se reportar caso tivesse algum problema administrativo; d) o trabalho, de natureza não eventual, destinado ao atendimento das necessidades da instituição, consistia no gerenciamento da igreja e na participação obrigatória em cultos e programas de rádio e televisão, cujo fim não era a divulgação da ideologia da instituição religiosa, mas sim a arrecadação de receita, servindo a religião apenas de meio para o convencimento dos fiéis; e, e) os pastores trabalhavam, na verdade, pela remuneração mensal, como vendedores da ideologia religiosa da entidade, com obrigação de atingir quotas obrigatórias de venda de revistas e jornais, com subordinação a metas de arrecadação, sob pena de despedida. Por outro lado, o autor não se limitava a trabalhar mediante diretrizes institucionais gerais de exercício da fé religiosa. Atuava cumprindo tarefas determinadas, mediante fiscalização (com controle direto e indireto de desempenho) e de forma remunerada, cumprindo os objetivos da instituição, em que angariar receita era o objetivo principal, que era realizado com o auxílio persuasivo da religião junto aos fiéis. Diante desse quadro, o fundamento do Regional de que o autor tornou-se membro da reclamada, movido por fatores que não se coadunam com os econômicos, conforme se extrai da ficha pastoral, à fl. 244, onde consta como motivo de sua conversão o seguinte: “desenganado pelos médicos” não se mostra apto a afastar o vínculo . A ficha pastoral de ingresso na instituição e de conversão à ideologia da igreja teve o seu conteúdo descaracterizado pelos depoimentos, sendo o contrato de trabalho um contrato realidade, cuja existência decorre do modo de prestação do trabalho e não da mera declaração formal de vontade. Esta Corte Superior, em situações idênticas, reconheceu o vínculo de emprego de pastor de igreja. Precedentes. Reconhecida a relação de emprego do autor com a Igreja Universal do Reino de Deus, referente ao período em que desempenhou as funções de pastor, devem os autos retornar à origem, a fim de que examine as verbas decorrentes dessa relação. Recurso de revista conhecido por violação do art. 3º da CLT e provido, no particular. (…)” (RR-1007-13.2011.5.09.0892, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 05/12/2014).
Verifica-se, portanto, que a alteração legislativa consolida entendimento jurisprudencial que já era majoritário, de maneira a conferir maior segurança jurídica às entidades religiosas.
Para concursos, recomenda-se a leitura do dispositivo que deverá ser cobrado em sua literalidade em provas objetivas, sendo que a jurisprudência a respeito do que se considera como “desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária” deve ser acompanhada de perto, especialmente para futuras provas discursivas.
[1] <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9402507&ts=1691527802465&disposition=inline> > acessado em 08/08/2023.
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