* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
O presidente Lula sancionou a lei que institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, conhecida como lei do luto parental (Lei nº 15.139/2025).
A norma garante que famílias que enfrentam a perda de um filho — durante a gestação, no parto ou nos primeiros dias de vida — passem a receber tratamento psicológico e acolhimento estruturado pelo Sistema Único de Saúde.
Luto parental

O luto parental caracteriza-se por ser um processo de adaptação emocional à perda, onde os pais lidam com a dor, o luto e a reestruturação da vida após a morte do filho.
O que torna o processo tão complexo e doloroso é o fato da perda ser considerada prematura e fora do ciclo natural da vida, dificultando a aceitação por parte dos pais.
Além da assistência médica e psicológica, a lei também altera a legislação de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) para permitir que os natimortos sejam oficialmente registrados com o nome escolhido pelos pais.
A mortalidade perinatal refere-se às mortes que ocorrem durante o período perinatal. Tal período corresponde desde a 22ª semana de gestação até os 7 dias após o nascimento. Esse é um importante indicador de saúde materno-infantil que reflete as condições de saúde reprodutiva e a qualidade da assistência prestada durante a gravidez, parto e primeiros dias de vida do recém-nascido.
Inclusive, essa questão é tão relevante que foi incluída na agenda global dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, ressaltando sua relevância e urgência.
O ODS 3 (Saúde e bem-estar), traz a meta 3.2: “Até 2030, enfrentar as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de 5 anos, objetivando reduzir a mortalidade neonatal para no máximo 5 por mil nascidos vivos e a mortalidade de crianças menores de 5 anos para no máximo 8 por mil nascidos vivos”.
Objetivos e diretrizes da nova lei
A nova lei traz, além disso, dois objetivos básicos da Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental:
I - Assegurar a humanização do atendimento às mulheres e aos familiares no momento do luto por perda gestacional, por óbito fetal e por óbito neonatal; e
II - Ofertar serviços públicos como modo de reduzir potenciais riscos e vulnerabilidades aos envolvidos.
As diretrizes dessa Política vão no sentido de garantir integralidade e equidade no acesso à saúde e no atendimento de políticas públicas, além da descentralização da oferta de serviços e de ações.
Nesse contexto de luto parental, todos os entes federativos (União, Estados, DF e Municípios) possuem competência administrativa para:
I - contribuir para a reorientação e a humanização do modelo de atenção ao luto pela perda gestacional, pelo óbito fetal e pelo óbito neonatal, com base nos objetivos e nas diretrizes da Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental;
II - estabelecer, nos respectivos planos de saúde e assistência social, prioridades, estratégias e metas para a organização da atenção à Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental;
III - desenvolver mecanismos técnicos e estratégias organizacionais de qualificação da força de trabalho para gestão e atenção à saúde e à assistência social no âmbito da Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental;
IV - promover o intercâmbio de experiências entre gestores e trabalhadores dos sistemas e serviços de saúde e de assistência social e estimular o desenvolvimento de estudos e de pesquisas que busquem o aperfeiçoamento e a disseminação de boas práticas na atenção ao luto pela perda gestacional, pelo óbito fetal e pelo óbito neonatal;
V - fiscalizar o cumprimento da Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental;
VI - instituir campanhas de comunicação e divulgação institucional, com foco na orientação sobre o luto pela perda gestacional, pelo óbito fetal e pelo óbito neonatal;
VII - promover convênios e parcerias entre o Estado e instituições do terceiro setor que trabalham com luto pela perda gestacional, pelo óbito fetal e pelo óbito neonatal, para o alcance e a execução das atividades previstas nesta Lei;
VIII - incentivar a inclusão de conteúdos relativos ao objeto desta Lei nos currículos para formação de profissionais da área da saúde por instituições de ensino superior públicas e privadas.
Mudanças práticas
Ademais, podemos apontar algumas mudanças práticas em relação ao enfrentamento do luto parental pelo SUS, que deverá oferecer[1]:
- Cumprimento de protocolos estabelecidos pelas autoridades sanitárias para atendimento humanizado, rápido e eficiente.
- Encaminhamento para acompanhamento psicológico após a alta hospitalar, preferencialmente na residência da família ou na unidade de saúde mais próxima com profissional habilitado.
- Comunicação e troca de informações entre as equipes de saúde para assegurar o conhecimento da perda gestacional, óbito fetal ou neonatal pelas unidades locais.
- Oferta de acomodação em ala separada para mulheres que sofreram perda gestacional, óbito fetal ou neonatal, ou cujo feto/bebê tenha diagnóstico de síndrome ou anomalia grave e possivelmente fatal.
- Garantia da participação de acompanhante escolhido pela mãe durante o parto do natimorto.
- Registro de óbito em prontuário.
- Viabilização de espaço e momento oportuno para que familiares possam se despedir do feto ou bebê pelo tempo necessário, com a participação de pessoas autorizadas pelos pais.
- Oferta de atividades de formação, capacitação e educação permanente aos trabalhadores na temática do luto materno e parental.
- Assistência social nos trâmites legais relacionados aos casos.
- Coleta protocolar de lembranças do natimorto ou neomorto, se solicitada pela família.
- Expedição de declaração com data e local do parto, o nome escolhido pelos pais para o natimorto e, se possível, registro de sua impressão plantar e digital.
- Possibilidade de decisão sobre sepultar ou cremar o natimorto, escolha sobre a realização de rituais fúnebres e participação da família na elaboração do ritual, respeitadas suas crenças. Inclusive, veda-se dar destinação ao natimorto de forma não condizente com a dignidade da pessoa humana, sendo a cremação ou incineração admitidas somente após autorização da família.
Somente em 2024, foram 22.919 mortes fetais e quase 20 mil óbitos neonatais.
Mudanças nos registros das crianças
Um ponto importante da norma é a alteração na Lei dos Registros Públicos para dispor sobre o registro de criança nascida morta.
Com a mudança, fica reconhecido o direito dos pais de atribuir nome ao natimorto. Assim, aplica-se à composição do nome as disposições relativas ao registro de nascimento.
Essa mudança permite então que os filhos sejam registrados com os nomes planejados, dando nome e história a essa perda. Anteriormente, as certidões de natimortos continham apenas informações técnicas.
Garantia dos direitos fundamentais
A lei também institui o mês de outubro como o Mês do Luto Gestacional, Neonatal e Infantil no Brasil.
A União ganhou papel de relevância nessa questão, ao receber a competência para elaborar protocolos nacionais, garantir recursos federais, inserir protocolos nas políticas nacionais, prover formação de recursos humanos, prestar apoio técnico e monitorar e avaliar a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental.
A nova lei é bem-vinda, e concorre para reforçar o papel do Estado na garantia dos direitos fundamentais. Direitos esses que são essenciais para a concretização da dignidade da pessoa humana, principalmente em um momento de tanta fragilidade e dor.
Ótimo tema para provas de direito constitucional e direito administrativo.
[1]SOUZA, Beto. Lei do Luto Parental é sancionada: entenda o que muda. CNN Brasil. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/brasil/lei-do-luto-parental-e-sancionada-entenda-o-que-muda/>.
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