Introdução
No dia 31 de julho de 2024, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Lei 14.939/24, que introduz uma mudança significativa no Código de Processo Civil (CPC):
"Art. 1.003. [...] § 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, e, se não o fizer, o tribunal determinará a correção do vício formal, ou poderá desconsiderá-lo caso a informação já conste do processo eletrônico."(NR)
Esta lei altera o § 6º do art. 1.003, visando simplificar a comprovação de feriados locais no momento da interposição de recursos.
A partir de agora, o recorrente deve comprovar a ocorrência de feriado local ao interpor o recurso. Caso essa comprovação não seja feita, o tribunal pode exigir a correção do vício formal ou desconsiderar a omissão. Para isso, a informação sobre o feriado precisar estar disponível no processo eletrônico. Essa mudança promete aumentar a eficiência e justiça no processo judicial brasileiro.
Entretanto, precisamos entender o cenário da “jurisprudência defensiva” antes dessa mudança.
Contexto histórico e jurisprudencial
A exigência de comprovação de feriado local tem sido um tema complexo e recorrente nos tribunais superiores, especialmente no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Vamos examinar algumas decisões importantes e discutir como a nova legislação se alinha ou altera esses entendimentos.
Decisões do STJ sobre comprovação de feriado local
- REsp 1.813.684/SP: em 2021, a Corte Especial do STJ decidiu que a comprovação da existência de feriado local no momento da interposição de recursos era obrigatória, mas aplicável apenas à segunda-feira de Carnaval. Consolidou-se este entendimento para garantir a segurança jurídica e a previsibilidade processual.
- Feriado de Corpus Christi: em maio de 2022, a 4ª turma do STJ entendeu que, para comprovar a ausência de expediente forense no dia de Corpus Christi, não basta apresentar o calendário disponibilizado no site do tribunal local. No caso analisado, foi necessário demonstrar de maneira específica que o feriado influenciava a contagem dos prazos processuais.
- Calendário judicial online: em abril de 2023, a Corte Especial do STJ reconheceu a possibilidade de comprovar feriado e a suspensão do expediente forense com base no calendário disponibilizado no site do Tribunal local. O relator dos embargos, ministro Raul Araújo, afirmou que não há como afastar a oficialidade e confiabilidade do calendário judicial disponibilizado pelos tribunais na internet.
- Feriado local e Lei Federal: em setembro de 2023, a 3ª turma do STJ decidiu que os feriados de abrangência local previstos na lei de organização judiciária do Distrito Federal não precisam da comprovação no ato de interposição do recurso, pois se trata de lei federal que organiza o TJ/DF. Assim, esses feriados merecem tratamento equivalente ao dos feriados nacionais.
- Dia da Consciência Negra: em novembro de 2023, a 2ª turma do STJ decidiu que o Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, não era feriado nacional, mas sim feriado local. Portanto, deve ser comprovado no momento da interposição do recurso, não sendo admitida comprovação posterior.
Em síntese, o tema era assim na Corte:
Ou seja, não se disponibilizava prazo para a parte juntar o “comprovante de feriado local” sendo um vício insanável.
Impacto da nova Lei 14.939/24
A sanção da Lei 14.939/24 traz uma mudança importante, flexibilizando a exigência de comprovação de feriado local no momento da interposição de recursos.
De acordo com a nova lei, os tribunais têm a prerrogativa de exigir a correção do vício formal de não comprovação do feriado ou desconsiderar a omissão, caso a informação já conste do processo eletrônico.
Essa alteração visa eliminar barreiras processuais que podem levar à inadmissibilidade de recursos por questões formais, promovendo uma maior justiça processual.
Análise jurídica
Princípio da Primazia do Julgamento do Mérito
Leonardo Carneiro da Cunha argumenta que a mudança legislativa consagra o princípio da primazia do julgamento do mérito e o princípio da cooperação, conforme o artigo 4º e 6º do CPC.
Antes da nova lei, o parágrafo único do artigo 932 do CPC já previa a possibilidade de emenda do recurso, concedendo ao relator o dever de intimar o recorrente para sanar o vício ou complementar a documentação exigível dentro de um prazo de cinco dias.
Contudo, o STJ frequentemente considerava inaplicável esse dispositivo no caso específico da não comprovação de feriado local no ato de interposição do recurso, exigindo a regularização imediata.
Direito intertemporal e aplicação imediata
A mudança legislativa também impacta a aplicação do direito intertemporal. De acordo com o entendimento doutrinário, a admissibilidade do recurso rege-se pela lei em vigor ao tempo da decisão.
Assim, se a lei nova trata do cabimento ou da admissibilidade do recurso, ela somente incide ao processo pendente se a decisão recorrida ainda não tiver sido proferida.
A nova lei, portanto, permite a correção de vícios de forma imediata, aplicando-se aos processos em curso sem afetar atos jurídicos perfeitos ou direitos adquiridos.
Como o tema já caiu em concursos
(CESPE - 2018 - STJ - Analista Judiciário - Oficial de Justiça Avaliador Federal) Situação hipotética: Na interposição de recurso especial, o recorrente não juntou documento comprobatório de feriado local durante o prazo, o que seria necessário para atestar a tempestividade de seu recurso. Assertiva: Nesse caso, segundo o Superior Tribunal de Justiça, o relator deverá conceder prazo para a juntada de documento de comprovação do feriado para sanar o vício Gabarito oficial: errado. Gabarito após a lei 14.939/2024: certo.
Conclusão
A Lei 14.939/24 representa um avanço significativo para o sistema judiciário brasileiro. Isso porque flexibiliza a exigência de comprovação de feriados locais no momento da interposição de recursos.
Com essa mudança, espera-se um aumento na eficiência e justiça dos processos, alinhando-se aos princípios de primazia do julgamento do mérito e cooperação processual. Essa nova abordagem contribui para a eliminação de barreiras formais que anteriormente poderiam levar à inadmissibilidade de recursos. Dessa forma, promove-se um sistema judicial mais justo e acessível.
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