MP 1262-2024: Uma análise da nova tributação de multinacionais no Brasil

MP 1262-2024: Uma análise da nova tributação de multinacionais no Brasil

As grandes multinacionais se surpreenderam desde a última quinta-feira. O motivo? Isto porque, estamos falando da MP 1262/2024, que promete sacudir o mercado com uma novidade e tanto: o Adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 15%.

Numa comparação simples, a CSLL recai sobre o “lucro” das empresas, é como se fosse o IRPF que recai sobre o “lucro” das pessoas físicas.

Mas calma lá! 

Antes que você imagine que essa MP caiu do céu, é bom saber que ela faz parte de um movimento global. 

O Brasil está apenas seguindo a onda das chamadas Regras GloBE (Global Anti-Base Erosion Rules), um esforço conjunto da OCDE e do G20 para colocar um freio nas manobras fiscais das grandes corporações.

MP 1.262/2024

As Regras GloBE

Primeiramente, é crucial compreender o contexto internacional que motivou essa alteração legislativa. 

A MP 1262/2024 visa adaptar a legislação brasileira às Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária, conhecidas como Regras GloBE (Global Anti-Base Erosion Rules).

As Regras GloBE constituem o segundo pilar do projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do G20. 

Esse conjunto de normas tem como escopo combater estratégias de planejamento tributário agressivo utilizadas por grupos empresariais multinacionais para transferir artificialmente seus lucros para jurisdições com baixa ou nenhuma tributação.

Um caso notório de planejamento tributário agressivo envolveu a Apple Inc. Em 2016, a Comissão Europeia ordenou que a Irlanda cobrasse 13 bilhões de euros em impostos retroativos da Apple, alegando que o país havia concedido vantagens fiscais ilegais à empresa.

A Apple supostamente utilizou uma estrutura corporativa complexa na Irlanda para reduzir significativamente sua carga tributária na Europa. A empresa teria canalizado a maior parte de seus lucros europeus para uma “sede” irlandesa que existia apenas no papel e não estava sujeita a impostos em nenhum país.

Fonte: “Apple ordered to pay up to €13bn after EU rules Ireland broke state aid laws” – The Guardian, 30 de agosto de 2016.

Um outro exemplo, simples, e comum é que as empresas multinacionais geralmente “escondem seus lucros” de maneira muito fácil.

Por exemplo:

Suponha hipoteticamente que a Starbucks tenha operação no Brasil, e ela adquire produtos importados que seja de sua própria matriz, ela pode, por exemplo, aumentar o valor do produto (artificialmente) para diminuir “ilicitamente” o seu lucro e consequentemente pagar menos imposto sobre o lucro. É um dos fatores porque existe o que chamamos de “preço de transferência” também no Direito Tributário Internacional.

Assim, o cerne das Regras GloBE é a implementação de uma alíquota mínima global de 15% sobre os lucros das grandes corporações multinacionais em cada jurisdição onde operam. Em suma, isso visa garantir que essas entidades contribuam de forma justa para os sistemas tributários dos países onde geram valor econômico.

Por outro lado, um detalhe importante notar que essas regras se aplicam especificamente a grupos multinacionais com receitas anuais consolidadas de 750 milhões de euros ou mais. Perceba, este limiar foi estabelecido para focar nas maiores corporações globais, que têm maior capacidade de engajar-se em práticas de erosão da base tributária.

Detalhes da MP 1262/2024

O artigo 4º da MP delimita o escopo de aplicação do novo Adicional da CSLL, como abordamos, a norma incidirá sobre Entidades Constituintes de Grupos de Empresas Multinacionais que auferirem receitas anuais iguais ou superiores a 750 milhões de euros, considerando as Demonstrações Financeiras Consolidadas da Entidade Investidora Final, em pelo menos dois dos quatro anos fiscais imediatamente anteriores ao analisado.

No fundo, o que temos é uma “alíquota efetiva mínima”, ou seja, o artigo 2º, parágrafo único, estabelece uma tributação mínima efetiva de 15% sobre o lucro das entidades abrangidas. Por exemplo, caso a alíquota efetiva de tributação de uma entidade seja inferior a esse patamar, será devido o Adicional da CSLL para alcançar o mínimo estabelecido.

Aprofundamento

É interessante que a MP introduz uma série de conceitos jurídico-tributários que são complexos, porém fundamentais para a compreensão e aplicação da nova sistemática:

  1. “Tributos abrangidos ajustados” (art. 12): a MP define que isso engloba a despesa tributária corrente relativa a tributos sobre a renda;.
  2. “Exclusão do lucro baseada na substância” (arts. 21 a 26): trata-se de um mecanismo que permite deduzir do Lucro Líquido GloBE um percentual relacionado à folha de pagamento e aos ativos tangíveis da entidade. Isto é, trata alguns aspectos operacionais que podem ser dedutidos, importante no planejamento das empresas.
Há necessidade de observância do princípio da anterioridade?
  • Sim!

Lembremos, o princípio da anterioridade, previsto no artigo 150, III, “b” da Constituição Federal, estabelece que é vedado cobrar tributos “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.

No entanto, a CSLL está sujeita, ainda, a uma regra especial. 

O artigo 195, §6º da Constituição Federal determina que as contribuições sociais só poderão ser exigidas após decorridos 90 dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado. Esta é a chamada anterioridade nonagesimal ou noventena.

"Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação e produz efeitos: I - a partir de sua publicação, quanto aos art. 37 e art. 39; e II - a partir de 1º de janeiro de 2025, quanto aos demais dispositivos."

Nesse sentido, a MP respeita o princípio da anterioridade do exercício financeiro, pois seus efeitos principais (o Adicional da CSLL) só começarão a partir de 1º de janeiro de 2025, ou seja, no exercício financeiro seguinte ao de sua publicação.

Além disso, quanto à anterioridade nonagesimal, também há observância, pois entre a data de publicação (3 de outubro de 2024) e a data de início dos efeitos (1º de janeiro de 2025) transcorrem mais de 90 dias.

Ademais, vale frisar que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a aplicação da anterioridade à CSLL. No RE 587.008/SP, com repercussão geral reconhecida, o STF decidiu que alterações na base de cálculo da CSLL estão sujeitas à anterioridade nonagesimal.

Argumentos a favor e contra a MP 1262/2024

E quais são os argumentos a favor e contra a MP 1262/2024?

A favorContra
Alinhamento com padrões internacionais de tributaçãoPossível redução da competitividade das empresas brasileiras
Combate à erosão da base tributária e evasão fiscalAumento da complexidade do sistema tributário
Potencial aumento da arrecadaçãoRisco de desestímulo a investimentos estrangeiros
Promoção de maior equidade tributária entre empresas nacionais e multinacionaisPossível repasse dos custos adicionais aos consumidores
Incentivo à transparência fiscalDificuldades operacionais para implementação e fiscalização

Processo legislativo da Medida Provisória

É importante salientar que a MP 1262/2024, como todas as Medidas Provisórias, possui força de lei desde sua publicação. Contudo, para que se converta definitivamente em lei ordinária, é necessário que seja aprovada pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias, prorrogáveis por igual período.

Assim, durante sua tramitação no Poder Legislativo, a MP pode sofrer alterações por meio de emendas parlamentares. Dessa forma, caso não seja aprovada no prazo constitucional, perderá sua eficácia desde a edição, cabendo ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes.

Quais empresas poderiam ser afetadas?

Como dissemos, a Medida Provisória 1262/2024 afetará principalmente grandes grupos empresariais multinacionais. Isto porque, especificamente, o artigo 4º da MP estabelece que as novas regras se aplicam a:

"Entidades Constituintes de um Grupo de Empresas Multinacional que tiver auferido receitas anuais de 750.000.000,00 € (setecentos e cinquenta milhões de euros) ou mais nas Demonstrações Financeiras Consolidadas da Entidade Investidora Final em pelo menos dois dos quatro anos fiscais imediatamente anteriores ao analisado."

Baseado nesse critério, podemos listar algumas empresas que potencialmente seriam afetadas, conforme o site InfoMoney:

  1. Vale S.A.: Receita de US$ 55,9 bilhões em 2022. Fonte: Relatório de Desempenho da Vale 4T22, página 3. http://www.vale.com/PT/investors/information-market/quarterly-results/ResultadosTrimestrais/VALE%20Relatorio%20de%20Desempenho%204T22_p.pdf
  2. Petrobras: Receita de vendas de R$ 640,8 bilhões em 2022. Fonte: Relatório Anual 2022 da Petrobras, página 12. https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/25fdf098-34f5-4608-b7fa-17d60b2de47d/80437489-53e0-c04e-58e0-4ff2d9aa8d8e?origin=1
  3. JBS S.A.: Receita líquida de R$ 374,1 bilhões em 2022. Fonte: Relatório Anual e de Sustentabilidade JBS 2022, página 25. https://jbs.com.br/wp-content/uploads/2023/04/JBS_RAS_2022_PT.pdf
  4. Ambev: Receita líquida de R$ 79,3 bilhões em 2022. Fonte: Demonstrações Financeiras 2022 da Ambev, página 2. https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/623aaf38-69c6-471e-9e2a-41c2684b6591/90a8d9b7-2068-e9ab-c038-b608e4cc8bc8?origin=1
  5. Itaú Unibanco: Receita total de R$ 249,9 bilhões em 2022. Fonte: Demonstrações Contábeis Completas 2022 do Itaú Unibanco, página 3. https://www.itau.com.br/relacoes-com-investidores/Download.aspx?Arquivo=vD1iLtn0CxDe2q+0zLCYcQ==&linguagem=pt
  6. Volkswagen do Brasil: A empresa não divulga separadamente o faturamento da operação brasileira, mas o Grupo Volkswagen teve receita global de €279,2 bilhões em 2022. Fonte: Relatório Anual 2022 do Grupo Volkswagen, página 7. https://www.volkswagenag.com/presence/investorrelation/publications/annual-reports/2023/volkswagen/Y_2022_e.pdf
  7. Nestlé Brasil: A empresa não divulga separadamente o faturamento da operação brasileira, mas o Grupo Nestlé teve vendas globais de CHF 94,4 bilhões em 2022. Fonte: Relatório Anual 2022 da Nestlé, página 50. https://www.nestle.com/sites/default/files/2023-03/2022-annual-review-en.pdf
  8. Google Brasil
  9. Facebook (Meta) Brasil
  10. Amazon Brasil
  11. Apple Brasil

Conclusões

De acordo com a OCDE, 36 países já aplicam taxações – como Japão, Canadá, Reino Unido e Alemanha -, enquanto outras dezenas ainda pretendem ou comentaram sobre a possibilidade – como Austrália e Estados Unidos – de ficar em concordância com as Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária (Regras GloBE) elaboradas pelo Quadro Inclusivo coordenado pela organização e o G20

A erosão da base tributária e a transferência de lucros são fenômenos que ocorrem quando as multinacionais buscam mecanismos nos diversos países em que estão presentes para driblar encargos tributários, no caso, o Brasil adotará uma alíquota de 15% da CSLL para evitar a evasão fiscal.

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