* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Lei dos Cartórios (Lei nº 8.935/1994)
Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei (PL nº 2.864/2024), que permite que os titulares de cartório (notário ou registrador) possam exercer cargo público ou magistério, mantidos os direitos e deveres e as responsabilidades civil e criminal da atividade previstos na Lei dos Cartórios (Lei nº 8.935/1994).
A Lei dos Cartórios regulamenta o art. 236, da CF, que dispõe que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
Não confundir notário com registrador.
Portanto, o notário/tabelião e o oficial de registro/registrador são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem se delega o exercício da atividade notarial e de registro.
Tecnicamente, não existe o “dono do cartório”. Sendo uma delegação pública, a titularidade do serviço permanece com o Estado.
Atualmente, o art. 25, da Lei dos Cartórios, proíbe o exercício, pelo notário e registrador, da advocacia, da intermediação de seus serviços ou de qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão.
Lei nº 8.935/1994 Art. 25. O exercício da atividade notarial e de registro é incompatível com o da advocacia, o da intermediação de seus serviços ou o de qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão. ... § 2º A diplomação, na hipótese de mandato eletivo, e a posse, nos demais casos, implicará no afastamento da atividade.
ADI 1531
Em 1996, o então Partido Progressista Brasileiro – PPB, ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 1531), defendendo a inconstitucionalidade do art. 25, §2º, da Lei dos Cartórios, a fim de que fosse permitido ao notário e registrador cumular a função com o cargo de vereador. Isso porque o art. 38, III, da CF, permite ao servidor público investido em mandato de vereador, havendo compatibilidade de horários, permanecer em seu cargo ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo.
CF/88 Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições: ... III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior;
O fundamento foi o de que o art. 54 da Constituição Federal estabelece como regra a incompatibilidade da atividade legiferante com o exercício de função ou cargo em entidades públicas ou privadas que utilizem, gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos.
A Lei dos Cartórios veda, como regra, a acumulação dos seguintes serviços pelo notário ou registrador:
I - tabeliães de notas; II - tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos; III - tabeliães de protesto de títulos; IV - oficiais de registro de imóveis; V - oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas; VI - oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas; VII - oficiais de registro de distribuição.
Mas, de forma excepcional, a lei permite a cumulação dos serviços acima descritos nos Municípios que não comportarem, em razão do volume dos serviços ou da receita, a instalação de mais de um dos serviços.
Importante registrar que os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.
Já a pretensão de reparação civil, que independe da responsabilidade criminal, prescreve em três anos, contado o prazo da data de lavratura do ato registral ou notarial.
Projeto de Lei (PL) nº 2.864/2024
Pois bem. O PL 2.864/2024 acrescenta o §3º, ao art. 25, da Lei dos Cartórios, permitindo que o notário ou registrador cumule sua função com cargo público ou magistério. Vejamos a redação desse §3º:
§ 3º. Notário ou registrador poderá exercer mandato eletivo, cargo de Ministro de Estado, Secretário estadual, municipal ou do Distrito Federal, cargo em comissão no âmbito da administração direta, bem como o magistério, mantidas as responsabilidades, os direitos e os deveres previstos nos arts. 22, 23, 24, 28, 29 e 30 desta Lei.
O deputado Darci de Matos justificou a proposta, ressaltando que…
“Ninguém desconhece o papel importante que o notário e o registrador exercem na comunidade em que vivem, sendo pessoas respeitadas e de saber jurídico reconhecido... Nada mais razoável do que se permitir que possam exercer cargo de Ministro de Estado, Secretário de Estado, de Município ou do Distrito Federal quando irão colocar a experiência, que acumularam no exercício da sua atividade, na gestão da coisa pública.”
Sobre o magistério, o autor do projeto defendeu que se dê o mesmo tratamento conferido aos juízes e membros do Ministério Público pela Constituição Federal, que permite o acúmulo dos respectivos cargos com o magistério.
CF/88 Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: ... Parágrafo único. Aos juízes é vedado: I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados analisará o PL em caráter conclusivo. Porém, para virar lei, ainda precisa percorrer um longo caminho, que inclui aprovação da proposta também pelo Senado Federal.
Interessante pontuar que dispositivo que previa a acumulação da função de notário e registrador estava previsto no projeto que deu origem à Lei dos Cartórios, mas foi vetado pelo então presidente da República, Itamar Franco, em 1994.
Assim previa o §1º, do artigo 25, da Lei dos Cartórios, VETADO pelo Presidente da República:
§ 1º. Poderão notários e oficiais de registro exercer mandato eletivo, cargos de Ministro de Estado, Secretários Estaduais e Municipais ou de magistério, bem como cargo executivo em autarquias, sociedade de economia mista, empresas públicas e fundações, federais, estaduais e municipais."
A justificativa para o veto do Chefe do Executivo Federal foi a de que as exceções de acúmulo eram por demais abrangentes, o que seria suficiente para fundamentar o veto presidencial.
Segue para aprovação
Em resumo, em caso de aprovação do projeto de lei, os notários e registradores poderão cumular sua função com cargos eletivos, cargos comissionados da administração direta e o magistério.
Tema que pode ser cobrado nos concursos voltados para cartórios ou mesmo em provas de direito constitucional.
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