“Juiz não é Samambaia Jurídica”: a expressão de Alexandre de Moraes e os limites da atuação judicial no sistema acusatório

“Juiz não é Samambaia Jurídica”: a expressão de Alexandre de Moraes e os limites da atuação judicial no sistema acusatório

Explicação do caso

Durante o julgamento do chamado “núcleo 1” da trama golpista, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, a atuação do ministro Alexandre de Moraes foi alvo de críticas por parte da defesa.

O ponto central da insurgência foi o volume de intervenções do magistrado: segundo o advogado Milanez, Moraes teria formulado mais de 300 perguntas, número substancialmente superior às 59 apresentadas pelo procurador-geral da República.

A defesa alegou que o ministro teria extrapolado os limites de sua função jurisdicional, assumindo papel investigativo e comprometendo a imparcialidade exigida de um julgador. Um dos episódios mencionados foi a consulta, pelo magistrado, às redes sociais de testemunhas, iniciativa vista como típica de órgão acusatório.

Em resposta a essas críticas, Alexandre de Moraes utilizou uma expressão que ganhou repercussão: afirmou que o juiz não pode ser uma “samambaia jurídica”, reduzido a uma figura meramente decorativa do processo penal. Para o ministro, cabe ao juiz formular questionamentos, especialmente em interrogatórios, na busca da chamada verdade processual.[1]

A controvérsia recoloca em debate o alcance da atuação judicial no modelo acusatório adotado pelo Brasil. De um lado, sustenta-se que o magistrado não pode substituir a atividade probatória do Ministério Público; de outro, reconhece-se a possibilidade de atuação supletiva do juiz quando necessário para dirimir dúvidas sobre fatos relevantes.

Aspectos jurídicos relevantes

A ciência processual classifica os sistemas penais em três modelos: inquisitivo, acusatório e misto. Cada um deles é estruturado a partir de critérios como titularidade das funções de acusar e julgar, papel do órgão julgador e gestão da prova. Há variação quanto aos elementos considerados, mas dois aspectos são consensuais na doutrina: a separação das funções de acusar e julgar e a inércia do Poder Judiciário. Esses elementos permitem identificar se um sistema é verdadeiramente acusatório, inquisitivo ou misto.

No sistema inquisitivo, concentram-se em uma mesma autoridade as funções de investigar, acusar e julgar. O juiz é inquisidor, tem iniciativa probatória e busca a verdade real. Não há contraditório ou ampla defesa efetiva; vigora a presunção de culpa, o réu é tratado como objeto da investigação e o processo tende a ser escrito, sigiloso e regido pela prova tarifada.

Já o sistema acusatório distribui as funções a instituições distintas: o Ministério Público acusa e o Judiciário julga. Aqui, o réu é sujeito de direitos, vigora a presunção de inocência e busca-se a verdade possível. O processo é, em regra, público e oral, com base no princípio da livre convicção motivada.

O sistema misto combina as duas lógicas: há uma fase inquisitiva e outra acusatória.

A divergência sobre a gestão da prova

sistema acusatório

Há divergência sobre a gestão da prova no sistema acusatório. Uma corrente entende que a produção probatória é tarefa exclusiva das partes. Se o Ministério Público não cumpre seu ônus, a consequência é a absolvição do acusado. Outra corrente admite que o juiz possa atuar de forma supletiva, apenas para dirimir dúvida sobre ponto relevante, sem substituir a acusação.

O sistema brasileiro adota essa segunda posição.

    A Constituição Federal de 1988 separou as funções: ao Ministério Público compete a titularidade privativa da ação penal pública (art. 129, I), enquanto ao Judiciário incumbe julgar (arts. 92 e seguintes). Essa lógica foi reforçada pelo artigo 3º-A do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), ao estabelecer que o processo penal tem estrutura acusatória, vedando a substituição da atividade probatória do Ministério Público pelo juiz. O artigo 156, II, do CPP permite ao magistrado determinar diligências para esclarecer dúvidas sobre pontos relevantes.

    O Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs contra o Pacote Anticrime, consolidou esse entendimento: o juiz, pontualmente e dentro dos limites legais, pode ordenar diligências suplementares, desde que não assuma protagonismo.

    E isso não compromete a imparcialidade do Judiciário, até porque não se sabe qual resultado virá da prova determinada pelo juiz.

    Pergunta 1: o juiz pode formular perguntas às testemunhas?

      Sim. O artigo 212, parágrafo único, do CPP autoriza o juiz a fazer perguntas de forma complementar, sempre em caráter supletivo, após as indagações das partes.

      Pergunta 2: e o interrogatório?

        O interrogatório judicial é considerado ato de defesa. O acusado, sujeito de direitos, tem a oportunidade de expor sua versão pessoal dos fatos. Nessa condição, o juiz atua como garantidor de direitos, conduzindo o ato para assegurar que o réu exerça sua autodefesa. Essa é a razão pela qual a iniciativa, nesse momento, não cabe às partes, mas ao magistrado.

        Conclusão

        Em síntese, o sistema acusatório brasileiro não reclama extremos: nem um juiz que assuma o protagonismo na gestão das provas, tampouco um juiz inerte, reduzido a uma “samambaia jurídica”, como afirmou Alexandre de Moraes.

        O magistrado não pode substituir o Ministério Público, mas pode, de modo supletivo, formular perguntas, determinar diligências e conduzir o interrogatório, sempre com a finalidade de assegurar a busca de uma decisão justa, fundada em certeza e em respeito ao devido processo legal.

        Como isso vai cair na sua prova?

        O sistema acusatório brasileiro, previsto na Constituição e no Código de Processo Penal, admite que:

        a) O juiz possa substituir o Ministério Público na produção de provas, quando entender necessário.
        b) O juiz permaneça absolutamente inerte diante da insuficiência probatória, absolvendo o réu sem esclarecer dúvidas.
        c) O juiz determine, de forma supletiva, diligências para esclarecer pontos relevantes, sem assumir protagonismo acusatório.
        d) O juiz conduza a investigação criminal, desde que assegure a ampla defesa.
        e) O juiz seja obrigado a se abster de formular perguntas em interrogatórios, cabendo tal iniciativa apenas às partes.

        Gabarito: C.

        Explicação: Conforme o artigo 156, II, do CPP e o artigo 3º-A do CPP, o juiz pode atuar supletivamente para esclarecer pontos relevantes, mas não pode substituir a atuação probatória do órgão acusador.


        [1]GROTH, Alice; ALCÂNTARA, Manoela; GIOVANNI, Pablo. Moraes em resposta à defesa de Heleno: “Juiz não é samambaia jurídica”. Metrópoles. Disponível em: <https://www.metropoles.com/brasil/moraes-em-resposta-a-defesa-de-heleno-juiz-nao-e-samambaia-juridica>.


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