Caso João Neto: prisão preventiva, violência doméstica e os limites das prerrogativas profissionais

Caso João Neto: prisão preventiva, violência doméstica e os limites das prerrogativas profissionais

De início, todos sabemos que a prisão preventiva do advogado criminalista e influenciador digital João Neto, decretada pela Justiça de Alagoas após audiência de custódia, trouxe à tona algumas questões relevantes.

Em especial, sobre a prisão preventiva dos advogados, sobre a Lei Maria da Penha, bem como, as questões envolvendo violência doméstica, e é o que pretendemos abordar agora.

Caso João Neto

Isto porque, o episódio, registrado em vídeo por câmeras do edifício, induz indícios consistentes de violência praticada contra a companheira do acusado, — o que impôs ao acusado algumas consequências graves.

Qual seria o enquadramento jurídico dos fatos?

De acordo com os autos noticiados, a vítima foi retirada à força do apartamento, empurrada, bateu o queixo e precisou de atendimento médico com suturas na região da face. Também afirmou que não se tratava da primeira agressão. O boletim de ocorrência e os relatos de vizinhos indicam histórico de reincidência.

Diante disso, o enquadramento penal mais adequado é o previsto no art. 129, § 13º, do Código Penal, que trata da lesão corporal praticada contra mulher em contexto de violência doméstica ou familiar, cuja pena é de 2 a 5 anos de reclusão.

"Se a lesão for praticada contra a mulher por razões da condição do sexo feminino [...] a pena será de reclusão de 2 a 5 anos."
(Art. 129, § 13º, CP)

Esse enquadramento penal é reforçado pela presença de elementos que indicam animus laedendi (intencionalidade de lesionar), e não simples acidente, como poderá ser sustentado pela defesa.

Será que foi acidente?

Em portais, noticia-se que a defesa poderia argumentar que a vítima caiu sozinha. No entanto, essa linha defensiva parece não ser razoável, pois:

  • A linguagem corporal registrada em vídeo mostra gestos ríspidos e controle agressivo por parte do acusado;
  • Testemunhas relataram que houve gritaria e tumulto;
  • O acusado determinou a limpeza do local com sangue da vítima, o que pode ser interpretado como tentativa de obstrução de vestígios.

Ora, sendo assim, a perícia traumatológica definirá tudo.

Isto porque, se os ferimentos forem compatíveis com empurrão e não com queda acidental, a tese defensiva perde força.

Ademais, vale salientar que a jurisprudência do STJ é firme em reconhecer o valor da palavra da vítima em casos de violência de gênero, inclusive como prova suficiente para condenação:

Caso hipotético: o Ministério Público ofereceu denúncia criminal contra João, um desembargador do Tribunal de Justiça, por violência doméstica contra sua esposa Regina. Houve uma briga física quando João foi flagrado vasculhando o carro de Regina e pegando um celular do porta-luvas. Na ocasião, ele a agrediu, causando escoriações e hematomas comprovados por perícia.

O caso foi levado ao STJ devido ao cargo de João.

A defesa tinha alegado que os relatos de agressão eram falsos e visavam prejudicar a imagem do acusado. O STJ, contudo, entendeu que havia justa causa para o recebimento da denúncia.

A decisão baseou-se na jurisprudência consolidada do tribunal que confere especial relevância à palavra da vítima em casos de violência doméstica, uma vez que tais crimes geralmente ocorrem na clandestinidade, sem testemunhas. No caso específico, a palavra da vítima foi corroborada por outras evidências produzidas em juízo.

STJ. Corte Especial. Inq 1.447-DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 2/10/2024 (Informativo 830).

Prisão em flagrante de advogado: é possível?

Sim. E é preciso esclarecer isso com base na Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia):

  • Quando o crime não estiver ligado ao exercício profissional, não há impedimento à lavratura do flagrante;
  • A autoridade policial apenas deve comunicar a seccional da OAB;
  • A prisão deve respeitar a integridade e o local adequado, nos termos do art. 7º, V e § 3º da lei.

Como a conduta imputada a João Neto não tem relação com o exercício da advocacia, sua prisão em flagrante é plenamente válida, bastando que se observem os direitos do preso comum e a comunicação à Ordem.

Prisão preventiva: requisitos e fundamentos no caso

A conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva foi decidida após a audiência de custódia, com base nos requisitos do art. 312 do CPP:

  • Garantia da ordem pública: a gravidade da conduta, a reiteração da violência e o pânico social gerado.
  • Conveniência da instrução criminal: há testemunhas a serem ouvidas e possibilidade de intimidação.
  • Assegurar a aplicação da lei penal: tentativa de fuga em moto sem placa, conduta obstrutiva (ordem para limpar vestígios).
Art. 310, II, CPP: O juiz converterá a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos do art. 312 e não for cabível a substituição por medidas cautelares diversas.

A decisão também se coaduna com a Lei Maria da Penha, que autoriza a prisão preventiva como forma de garantir medidas protetivas de urgência (art. 20, Lei 11.340/06).

Vedação a institutos despenalizadores

Importante destacar que, em casos de violência doméstica contra mulher, não se aplicam os institutos previstos na Lei 9.099/95, conforme art. 41 da Lei Maria da Penha:

"Não se aplica a Lei 9.099/95 às infrações penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher."

Com isso, ficam vedadas:

  • Transação penal;
  • Suspensão condicional do processo;
  • Acordo de não persecução penal (ANPP), nos termos do art. 28-A, § 2º, IV do CPP.

Ademais, vale salientar:

O fato de a conduta delitiva ter sido perpetrada em circunstância de entrevero/contenda entre autor e vítima não possui o condão de afastar a tipicidade formal ou material do crime de ameaça. Ao contrário, segundo as regras de experiência comum, delitos dessa natureza tendem a acontecer justamente em eventos de discussão, desentendimento, desavença ou disputa entre os indivíduos.

Entender o contrário é banalizar a violência contra a mulher e desprezar todo o empenho e a construção jurisprudencial do STJ no sentido de dar plena efetividade à Lei nº 11.340/2006 e responsabilização dos agressores, sempre com absoluto respeito aos corolários do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.

STJ. Corte Especial.APn 943-DF, Rel. Min.Antonio Carlos Ferreira, julgado em 10/6/2024 (Informativo 21 – Edição Extraordinária).

Prerrogativas da advocacia: proteção não é privilégio

A apresentação da carteira da OAB no momento da abordagem não confere imunidade. Conforme o Estatuto, a prerrogativa assegura condições dignas de prisão, e não impunidade ou blindagem penal.

Ademais, o caso poderá ensejar responsabilidade ética e disciplinar, conforme o art. 34, XXV, da Lei 8.906/94, que prevê infração por “praticar ato que importe em desvalor para a classe”.

Assim, também é possível que João Neto possa sofrer um processo disciplinar e até perder a possibilidade de advogar conforme esse processo disciplinar.


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