Neste artigo, você vai entender se o Estado pode intervir nos preços de hotéis e explore o debate jurídico em torno da COP30 em Belém.
A realização da COP30, que ocorrerá em Belém (PA) entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025, reacende um tema clássico do Direito Econômico e do Direito Constitucional: até que ponto o Estado pode intervir nos preços praticados pela iniciativa privada, especialmente em situações excepcionais?
Ora, a controvérsia emergiu após a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, requisitar dados sobre a variação das tarifas de hospedagem praticadas por hotéis da capital paraenses.
Dessa maneira, a medida foi interpretada por representantes do setor hoteleiro como intervenção estatal indevida, gerando um debate que merece análise jurídica detida, à luz dos princípios constitucionais da livre iniciativa, livre concorrência e da defesa do consumidor.
Contexto fático: requisição de dados e alegações de abuso
No caso em análise, a Senacon encaminhou notificações aos principais hotéis de Belém, requerendo informações detalhadas sobre os preços dos hotéis praticados desde 2019, com ênfase na comparação entre os valores aplicados durante o Círio de Nazaré — tradicional festa religiosa da cidade — e os valores orçados para o período da COP30.

Nessa linha, a solicitação do órgão incluiu 16 questionamentos objetivos e foi acompanhada do alerta de que a ausência de resposta ensejaria comunicações ao Ministério Público e demais integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Segundo a Senacon, haveria indícios de aumentos superiores a 1.000%, o que poderia configurar prática abusiva nos termos do art. 39, X, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Contudo, o Sindicato de Hotéis e Restaurantes de Belém e Ananindeua reagiu formalmente, recusando-se a fornecer os dados. Alegou, para tanto, que a medida consubstanciaria tentativa de “imposição de preços” e violação à autonomia privada, com afronta direta aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade contratual.
Fundamentos constitucionais: livre iniciativa vs proteção do consumidor
À luz da Constituição Federal, o Brasil adota uma economia de mercado fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, conforme dispõe o art. 170, caput.

No entanto, essa liberdade não é absoluta: o mesmo dispositivo constitucional elenca, entre os princípios da ordem econômica, a defesa do consumidor (inciso V) e a redução das desigualdades regionais e sociais (inciso VII).
Assim, é possível afirmar que o modelo constitucional brasileiro é de economia livre, porém regulada, sendo legítima a atuação estatal quando direcionada à preservação do equilíbrio das relações de consumo.
A atuação da Senacon, nesse contexto, não consistiria, a priori, em tabelamento de preços, mas sim na requisição de informações, o que encontra respaldo na legislação infraconstitucional — especialmente nos arts. 4º, I e III, e 55 do CDC.
Primeira corrente: a atuação estatal encontra respaldo jurídico
De acordo com a primeira corrente doutrinária, a atuação da Administração Pública no âmbito da regulação econômica é plenamente constitucional, desde que proporcional, motivada e orientada à concretização do interesse público.
Nessa linha de raciocínio, a solicitação de informações pela Senacon seria medida necessária à análise técnica de possível abuso do poder econômico, não implicando violação à livre iniciativa, mas sim realização do dever estatal de proteção do consumidor e da ordem econômica.
Além disso, destaca-se que o controle preventivo de condutas potencialmente abusivas é prerrogativa do Estado em contextos excepcionais, como o da COP30, evento que envolverá chefes de Estado, delegações internacionais e grande fluxo de recursos públicos e privados.
Conforme reconhecido pelo STF em outras ocasiões:
“a atuação regulatória do Estado no domínio econômico encontra limites na razoabilidade e na legalidade, não se confundindo com ingerência indevida”.
Segunda corrente: a medida representa violação à autonomia privada
Em sentido oposto, uma segunda corrente sustenta que a requisição de dados econômicos por parte do Poder Público, especialmente quando acompanhada de ameaça de sanções administrativas, pode ser interpretada como forma velada de controle de preços, prática vedada em uma economia de mercado.
Assim, há doutrinadores que defendem que a livre iniciativa deve prevalecer como cláusula pétrea da ordem econômica, não podendo ser relativizada sob o argumento de proteção do consumidor, sem lei formal que autorize intervenção nos preços dos hotéis.
Além disso, argumenta-se que as informações requeridas pela Senacon envolvem dados estratégicos e cláusulas contratuais confidenciais, cuja exposição poderia comprometer a concorrência legítima entre estabelecimentos.
Para essa vertente, a atuação da Senacon ofende o princípio da legalidade estrita, pois extrapola o limite da fiscalização para adentrar no domínio da atividade empresarial privada, sem base normativa específica para tanto.
O que prevalecerá?
Diante do exposto, observa-se que o embate instaurado entre o setor hoteleiro e a Senacon não se resume a uma disputa factual sobre preços dos hotéis, mas revela tensões estruturais do modelo constitucional brasileiro: de um lado, o imperativo da liberdade econômica; de outro, a necessidade de preservar a função social da atividade empresarial e proteger os consumidores diante de eventuais abusos de poder econômico.
O caso da COP30, portanto, constitui importante precedente para reflexão:
- Pode o Estado requisitar dados econômico-financeiros sob o pretexto de fiscalização preventiva? Além disso, seria possível intervir e regular os preços dos hóteis?
- Ou tal prática representa indevida intervenção no livre funcionamento do mercado?
A resposta dependerá, como em tantos casos constitucionais, da ponderação entre princípios igualmente relevantes, da proporcionalidade da medida adotada e do devido processo legal nas atuações regulatórias da Administração.
Com certeza, esse tema cairá no Poder Judiciário e nos concursos.
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