Informativo 828 do STJ – Impenhorabilidade de valores até 40 salários mínimos não pode ser reconhecida de ofício – Tema 1235

Informativo 828 do STJ – Impenhorabilidade de valores até 40 salários mínimos não pode ser reconhecida de ofício – Tema 1235

STJ define no Informativo 828 que a impenhorabilidade de valores até 40 salários mínimos, prevista no CPC, não pode ser reconhecida de ofício. A decisão foi tomada no julgamento do Tema 1235.

impenhorabilidade de valores

Imagine a seguinte situação: João, um pequeno empresário, enfrenta uma execução fiscal movida pela União por dívidas tributárias de sua empresa. Durante o processo, o juiz, ao consultar o sistema SISBAJUD, identifica que João possui R$ 30.000 em sua conta corrente pessoal.

Sem que João se manifestasse, o magistrado decide, por conta própria, que esse valor é impenhorável com base no artigo 833, X, do CPC, por ser inferior a 40 salários mínimos.

A União, inconformada com a decisão, recorre argumentando que o juiz não poderia ter reconhecido essa impenhorabilidade de ofício.

Este cenário hipotético ilustra o cerne da controvérsia recentemente decidida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de amplo alcance prático.

A Corte Especial do STJ, ao analisar um recurso da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em situação semelhante, enfrentou a questão crucial:

Pode o juiz, sem provocação da parte, declarar a impenhorabilidade de valores inferiores a 40 salários mínimos em contas bancárias? 

De início, veja o dispositivo:

Art. 833. São impenhoráveis:

(...)

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;

(...)

X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta salários-mínimos;

Nessa linha, já era entendimento consolidado no STJ o seguinte:

Regra: Os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios, os montepios etc. são, como regra geral, impenhoráveis.

Exceções expressas (§ 2º do art. 833 do CPC):

  • é possível a penhora das verbas salariais para pagamento de prestação alimentícia (qualquer que seja a sua origem, ou seja, pode ser pensão alimentícia decorrente de poder familiar, de parentesco ou mesmo derivada de um ato ilícito).
  • é possível a penhora sobre o montante que exceder 50 salários-mínimos.

Exceção implícita: é permitida a penhora para satisfação de dívida de natureza não alimentar, desde que a quantia bloqueada se revele razoável em relação à remuneração recebida pelo executado, não afrontando a dignidade ou a subsistência do devedor e de sua família.

STJ. Corte Especial. EREsp 1.874.222-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 19/4/2023 (Info 771).

Inclusive, o entendimento do STJ é que a garantia da impenhorabilidade é aplicável automaticamente, em relação ao montante de até 40 (quarenta salários mínimos, ao valor depositado exclusivamente em caderneta de poupança.

Se a medida de bloqueio/penhora judicial, por meio físico ou eletrônico (Bacenjud), atingir dinheiro mantido em conta corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá eventualmente a garantia da impenhorabilidade ser estendida a tal investimento, respeitado o teto de quarenta salários mínimos, desde que comprovado, pela parte processual atingida pelo ato constritivo, que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial (STJ. Corte Especial. REsp 1.677.144-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 21/2/2024 (Info 804).

Assim, serão automaticamente impenhoráveis os valores mantidos em caderneta de poupança até 40 (quarenta salários mínimos, porém outros depósitos podem ser assim considerados, até o referido limite de salários mínimos, se tiverem características e objetivo similares ao da utilização da poupança.

O simples fato de o salário/benefício de aposentadoria ser depositado pelo empregador ou órgão de previdência em conta-corrente do titular não tem o condão imediato/automático de desnaturar a natureza de tal verba – de salarial para ativo financeiro comum -, tampouco de retirar de tal quantia, protegida constitucionalmente (art. 7º, X, da CF), o seu caráter alimentar.

Somente se admite que esses valores percam, eventualmente, a sua característica salarial e, consequentemente alimentar, se forem mantidos em conta por lapso superior a 30 (trinta) dias, oportunidade na qual será possível a relativização da regra da impenhorabilidade, desde observados determinados requisitos.

Nessa linha:

São impenhoráveis os valores depositados em instituição bancária até o limite de 40 salários mínimos, ainda que não se trate especificamente de conta-poupança. 

STJ. 4ª Turma. REsp 2.072.733-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Marco Buzzi, julgado em 27/8/2024 (Info 824).

Caso concreto do informativo 826

A decisão, proferida no dia 2 de outubro de 2024, divulgada no informativo 826 do STJ, consolidou o entendimento de que tal impenhorabilidade não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz. 

A controvérsia não era nova nos tribunais brasileiros. 

Desde a vigência do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73), discutia-se se a impenhorabilidade de certos bens poderia ser reconhecida de ofício pelo magistrado ou se dependeria de alegação da parte interessada. 

A questão ganhou novos contornos com o advento do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), que trouxe alterações significativas no tratamento da matéria. Isto porque, o novo diploma suprimiu a expressão “absolutamente” do caput do art. 833, sinalizando uma relativização das hipóteses de impenhorabilidade. 

Além disso, o art. 854 passou a disciplinar detalhadamente o procedimento de penhora de ativos financeiros, estabelecendo prazos e consequências processuais específicas.

Nesse contexto, a Ministra Nancy Andrighi, em seu voto condutor, traçou minucioso panorama da evolução jurisprudencial sobre o tema. 

Relembrou que, ainda na vigência do CPC/73, a Corte Especial do STJ já havia se manifestado nos Embargos de Divergência no Agravo em Recurso Especial 223.196/RS, fixando que a impenhorabilidade deveria ser arguida pelo executado, sob pena de preclusão. Esse entendimento, contudo, não era pacífico, havendo decisões em sentido contrário, especialmente nas Turmas de Direito Público do Tribunal.

A relatora, então, debruçou-se sobre as inovações trazidas pelo CPC/15, destacando que o novo diploma reforçou a necessidade de manifestação do executado para o reconhecimento da impenhorabilidade.

Isto porque, o art. 854, §3º, I, estabeleceu expressamente que, após a determinação de indisponibilidade de ativos financeiros, incumbe ao executado, no prazo de 5 dias, comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis. 

Dessa forma, a consequência para a ausência de manifestação é a conversão da indisponibilidade em penhora, conforme o §5º do mesmo artigo.

Logo, esse arcabouço normativo, na visão da Ministra, e voto vencedor, evidencia que a impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC/15 configura direito disponível do executado. Afinal, o devedor pode livremente dispor dos valores poupados em suas contas bancárias, inclusive para pagar a dívida objeto da execução, renunciando à impenhorabilidade se assim entender. Não se trataria, portanto, de matéria de ordem pública, cuja inobservância acarretaria nulidade absoluta do ato processual.

Inclusive, a argumentação da relatora foi ainda reforçada pela constatação de que, quando o legislador objetivou autorizar a atuação de ofício pelo juiz em matéria de penhora, o fez de forma expressa. É o caso do §1º do art. 854, que permite ao magistrado determinar, por iniciativa própria, o cancelamento de indisponibilidade que ultrapasse o valor executado. A ausência de previsão similar quanto ao reconhecimento de impenhorabilidade seria, assim, eloquente.

Diante desses fundamentos, a Corte Especial, por unanimidade, fixou a tese de que:

 "a impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, devendo ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão."

REsp 2.061.973-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 2/10/2024. (Tema 1235).

Consolidando o conhecimento – impenhorabilidade de valores

  • Qual é a conclusão sobre a impenhorabilidade de valores depositados em instituições bancárias?

Valores depositados em instituições bancárias são impenhoráveis até o limite de 40 salários-mínimos, mesmo que não estejam em conta-poupança, havendo presunção de que é para manutenção do devedor.

  • O que ocorre com os valores depositados em conta-corrente que são provenientes de salário ou aposentadoria?

O simples fato de esses valores serem depositados em conta-corrente não desnatura sua natureza alimentar, a menos que sejam mantidos na conta por mais de 30 dias (tema pendente de repetitivo – tema 1285)

  • O juiz pode reconhecer de ofício a impenhorabilidade de valores até 40 salários mínimos em contas bancárias?

Não. De acordo com a decisão do STJ, a impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz.

  • Quando deve ser arguida a impenhorabilidade de valores até 40 salários mínimos?

A impenhorabilidade deve ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão.

  • A impenhorabilidade de valores até 40 salários mínimos é considerada um direito indisponível?

Não. A decisão do STJ entendeu que essa impenhorabilidade consiste em regra de direito disponível do executado, sem natureza de ordem pública, pois o devedor pode livremente dispor dos valores poupados em suas contas bancárias.

  • Qual é o prazo para o executado alegar a impenhorabilidade após o bloqueio de valores?

De acordo com o art. 854, § 3º, I, do CPC/2015, o executado tem o prazo de 5 dias, após ser intimado da indisponibilidade, para comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis.

  • O que acontece se o executado não alegar a impenhorabilidade no prazo legal?

Se o executado não se manifestar no prazo de 5 dias, a indisponibilidade se converterá automaticamente em penhora, conforme previsto no art. 854, § 5º, do CPC/2015.

Como o tema já caiu em concursos:

 VUNESP – 2024 – PGE-SP – Procurador do Estado

Um policial militar do Estado de São Paulo, dirigindo em alta velocidade, colide a viatura contra um muro, danificando severamente o veículo. Instaurado procedimento administrativo militar é apurada a responsabilidade funcional, impondo o dever deste ressarcir o erário quanto ao valor gasto no reparo da viatura. Instado a fazê-lo, recusa-se. Manejada ação de cobrança pela PGE, o policial é condenado, e a ação transita em julgado. Deflagrado o cumprimento de sentença, o qual não resta impugnado pelo réu, inicia-se a fase de penhora e expropriação de bens. Sobre o tema, assinale a alternativa correta.

b)A quantia depositada em caderneta de poupança do policial, em qualquer valor, pode ser penhorada, preferindo esta aos imóveis (Errado)

impenhorabilidade de valores

Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!

0 Shares:
Você pode gostar também