Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos e eu hoje vou tecer comentários sobre a recém aprovada Súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A referida súmula surge para consolidar o entendimento de que “em razão da Lei nº 13.964/19, não é mais possível ao juiz, de ofício, decretar ou converter a prisão em flagrante em preventiva”.
O entendimento firmado pela Corte Cidadã representa uma evolução normativa e jurisprudencial que reafirma a escolha do legislador pelo denominado “sistema acusatório puro”, com vedação de atos de ofício pelo órgão jurisdicional que violem a sua imparcialidade.
Assim é que o presente artigo terá por finalidade avaliar os aspectos processuais e legais deste entendimento, pensando em você, concurseiro, que certamente terá o conhecimento do conteúdo demandado nas próximas provas, já que se trata de tema bastante debatido nos Tribunais Superiores.
Vamos lá? Venham comigo.
Origem do entendimento sumulado
A referida Súmula, como se percebe pelo seu texto, recebeu aprovação com fundamento na alteração promovida pela Lei nº 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”.
Dentre as diversas inovações trazidas por essa legislação, destaca-se a modificação do art. 311 do Código de Processo Penal (CPP), que passou a restringir a possibilidade de decretação da prisão preventiva apenas mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público (MP), do querelante ou do assistente de acusação.
Esse novo paradigma normativo rompe com a prática anterior, em que era comum o juiz, ao analisar a regularidade de uma prisão em flagrante, convertê-la em preventiva de forma ex officio, mesmo sem provocação das partes. Embora comum, a defesa passou a questionar a prática, em especial diante da evidente violação ao sistema acusatório.
Consoante já mencionado, a base normativa para a súmula encontra-se no artigo 311 do CPP, cuja redação atual é clara:
“Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, somente se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”.
Não obstante, também o art. 310 do CPP, que regulamenta os procedimentos a serem adotados quando da prisão em flagrante, também foi alterado pela Lei nº 13.964/2019.
O teor de seu § 1º reforça e introduz no plano normativo a obrigatoriedade de audiência de custódia e determina que o juiz, ao verificar a legalidade da prisão em flagrante, adote uma das medidas ali previstas:
- Relaxamento da prisão, se esta for ilegal;
- Conversão da prisão em flagrante em preventiva, desde que haja provocação;
- Concessão de liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares.
Da mudança de paradigma
A nosso ver e da mais abalizada doutrina, a vedação à conversão de prisão de ofício alinha-se aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da imparcialidade do juiz.
A partir da reforma legislativa ocorrida por meio do “Pacote Anticrime”, reforçou-se o papel do magistrado como garantidor dos direitos fundamentais, de modo a se proibir qualquer postura inquisitorial que afete a sua imparcialidade. Foram inúmeras normativas que alteraram de forma significativa o Código de Processo Penal e que reforçaram o já mencionado sistema acusatório.
Com efeito, a imparcialidade do juiz é um dos pilares do devido processo legal, previsto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.
A possibilidade de se decretar prisão preventiva de ofício gera o indevido risco de o magistrado se comprometer subjetivamente com a acusação, enfraquecendo a paridade de armas no processo penal.
A doutrina cita como exemplo os denominados “quadros mentais paranoicos” em que a autoridade judiciária, ao decidir por adotar uma medida grave e de ofício, acaba se tendendo a reforçar a mesma decisão em outras oportunidades sempre no intuito de reforçar a decisão anteriormente prolatada.
Como se nota, o contraditório e a ampla defesa, exigem que toda decisão judicial seja precedida de oportunidade para que as partes se manifestem. A prática de converter prisão em flagrante em preventiva de ofício, sem prévia manifestação do Ministério Público, representação da autoridade judiciária, contrariava frontalmente esses princípios.
Aspectos práticos e impactos processuais
A partir da nova súmula, resta consolidado o entendimento de que a atuação judicial deve ser provocada, fortalecendo a dinâmica acusatória do processo penal brasileiro. Na prática, o entendimento sumulado impacta diretamente os seguintes pontos:
- Audiência de custódia: a realização da audiência de custódia tornou-se ainda mais relevante. Isso porque é o momento em que o magistrado deve ouvir as partes para decidir sobre a manutenção da prisão, sua conversão em preventiva ou a concessão de liberdade provisória.
- Responsabilidade do Ministério Público e da autoridade policial: a nova regra exige maior diligência do Ministério Público e da autoridade policial na fundamentação de pedidos de prisão preventiva. A ausência de requerimento impede o juiz de decretá-la, mesmo diante de evidências que, a seu ver, justifiquem a medida.
- Redução de abusos: a vedação à decretação de prisão de ofício reduz a possibilidade de decisões precipitadas ou arbitrárias. Isso garante maior controle sobre o uso de medidas privativas de liberdade.
No plano da jurisprudência, o STJ já vinha caminhado para esse entendimento. Vejamos a ementa a seguir:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE, DE OFÍCIO, EM PRISÃO PREVENTIVA. ILEGALIDADE. VEDAÇÃO PELA LEI N. 13.964/2019. OFENSA AO SISTEMA ACUSATÓRIO. RECURSO DESPROVIDO. I. In casu, destacou o Tribunal local que "a autoridade apontada como coatora, sem que houvesse representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, uma vez que o 'Parquet' se manifestou pela concessão de liberdade provisória, converteu a prisão em flagrante do paciente em preventiva. Assim, conquanto não se desconsidere a gravidade do caso, em razão da atuação de ofício do Juízo 'a quo', deve ser relaxada a prisão do paciente, reconhecendo-se o alegado constrangimento ilegal", entendimento esse que vai ao encontro da jurisprudência desta Corte. II. "[...] 'em razão do advento da Lei n. 13.964/2019 não é mais possível a conversão ex officio da prisão em flagrante em prisão preventiva. Interpretação conjunta do disposto nos arts. 3º-A, 282, § 2º, e 311, caput, todos do CPP' (RHC n. 131.263/GO, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 24/2/2021, DJe 15/4/2021)." (HC n. 687.583/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 14/3/2022.)" III. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no REsp: 2049904 MG 2023/0024166-5, Relator: Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT, Data de Julgamento: 11/12/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/12/2023)
Atenção que, para o mesmo STJ, caso tenha havido provocação do Ministério Público mediante o pedido de fixação de medidas cautelares diversas da prisão, é cabível a decretação de prisão preventiva. Isso porque, à luz daquele Tribunal Superior, houve provocação do órgão de acusação. Vejamos:
A determinação do Magistrado, em sentido diverso do requerido pelo Ministério Público, pela autoridade policial ou pelo ofendido, não pode ser considerada como atuação ex officio, uma vez que lhe é permitido atuar conforme os ditames legais, desde que previamente provocado, no exercício de sua jurisdição. Impor ou não cautelas pessoais, de fato, depende de prévia e indispensável provocação; contudo, a escolha de qual delas melhor se ajusta ao caso concreto há de ser feita pelo juiz da causa. (RHC n. 145.225/RO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 22/3/2022.)
Conclusão
Portanto, a nova Súmula do STJ é um marco na consolidação do sistema acusatório no Brasil. Representa, ainda, uma interpretação fiel à Lei nº 13.964/19 alinhada com o entendimento atualizado sobre a matéria.
Ao vedar a conversão de prisão em flagrante em preventiva de ofício, a súmula reforça a imparcialidade judicial. Ademais, isso consolida o entendimento de que o Código de Processo Penal brasileiro adotou o sistema acusatório puro. Razão pela qual todas as decisões que ensejam a restrição ou privação da liberdade de alguém só podem ser tomadas após prévio requerimento do MP ou representação da autoridade policial.
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