Olá, pessoal! Aqui é o professor Adriano Álvares. Hoje vou comentar a temática da autonomia da vontade, tão discutida no âmbito cível, é igualmente central no campo do direito extrajudicial: a curatela. O Provimento CNJ nº 206/2025, que analisaremos a seguir, reflete esse movimento de valorização da manifestação de vontade prévia do cidadão.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) marcou um passo significativo na modernização dos serviços notariais e na proteção da autonomia individual com a publicação do Provimento nº 206/2025. Esta norma não apenas atualiza a Central Eletrônica Notarial de Serviços Compartilhados (CENSEC), mas também consolida o reconhecimento de instrumentos jurídicos que permitem aos cidadãos planejar legalmente seu futuro em caso de eventual incapacidade.
A evolução do planejamento de incapacidade: das diretivas antecipadas à autocuratela
O Direito brasileiro tem evoluído para conferir maior peso à vontade do indivíduo em questões de saúde e representação. O conceito de Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) introduziu-se no sistema inicialmente focado em decisões de tratamento médico, como a Recusa Terapêutica, e formalizado pela Resolução CFM nº 1.995/2012, que permite ao paciente registrar seus desejos sobre cuidados de saúde em caso de futura incapacidade.
Dessa matriz de respeito à autonomia, derivaram as escrituras de autocuratela e as declaratórias com diretivas de curatela. Enquanto as DAVs tratam primariamente de questões médicas, a autocuratela avança para o campo da representação legal e da gestão de bens.
Por meio desses instrumentos notariais, o cidadão transcende a mera manifestação de recusa ou aceitação de tratamento e passa a nomear, de forma preventiva, seu curador, estabelecendo o modo como deseja ser representado e cuidado, assegurando que, mesmo em um cenário de interdição, sua vontade prévia seja considerada.
Natureza jurídica do ato: escritura pública de declaração unilateral
A escritura pública de autocuratela possui a natureza jurídica de um negócio jurídico unilateral de caráter não-patrimonial, tratando-se de uma declaração de vontade solene. Este ato é formalizado por meio de Escritura Pública, o que lhe confere a presunção de veracidade, força probante e segurança jurídica inerentes à fé pública notarial.
Embora o ato se assemelhe a um mandato, ele se distingue por sua natureza sui generis, pois a nomeação do curador e as diretivas de cuidado dependem de uma condição suspensiva: a futura incapacidade do declarante e a subsequente interdição judicial. Sua função é, portanto, primordialmente declaratória e sugestiva perante o juízo.
Requisitos subjetivos: quem pode realizar as diretivas e a autocuratela
A validade e a eficácia das Diretivas Antecipadas de Vontade e, por extensão, das escrituras de autocuratela, estão intrinsecamente ligadas à capacidade civil do declarante no momento da lavratura do ato. Logo, esses instrumentos são, por natureza, atos personalíssimos e de previsão pessoal, devendo ser realizados por um indivíduo capaz e plenamente consciente de suas implicações.
Portanto, podem firmar tais declarações pessoas que gozam de capacidade civil plena, ou seja, maiores de 18 anos, bem como os menores legalmente emancipados, desde que, em ambos os casos, estejam no pleno uso de suas faculdades mentais no momento da celebração.
É importante ressaltar que a pessoa com deficiência pode realizar a escritura de autocuratela, desde que esteja capaz para exercer o ato naquele momento. É essencial que o tabelião ateste a lucidez e a ausência de coação, garantindo que o ato reflita a genuína autodeterminação do outorgante em relação à sua futura representação.
Competência territorial do tabelião para a escritura de autocuratela
A lavratura da escritura pública de autocuratela é um ato notarial que segue a regra de competência territorial nacional livre, a exemplo do que ocorre com os testamentos e as diretivas antecipadas de vontade.

Isso significa que é possível lavrar a escritura em qualquer Tabelionato de Notas do país, independentemente do domicílio do declarante, do local onde o ato produzir seus efeitos ou do foro onde se processar a interdição.
Essa ampla liberdade de escolha visa facilitar o acesso do cidadão ao serviço notarial e maximizar a segurança jurídica. Uma vez lavrada, a escritura é inserida na CENSEC, garantindo sua validade e rastreabilidade em todo o território nacional.
Custos do ato notarial e a possibilidade de gratuidade
A lavratura da escritura pública de autocuratela ou das diretivas de curatela, por se tratar de um serviço notarial, está sujeita ao pagamento de emolumentos (custas e taxas) definidos por lei estadual.
O valor varia conforme a tabela vigente em cada ente da federação, bem como as hipóteses de eventuais atos gratuitos aos atos notariais e de registro para aqueles que comprovarem o estado de pobreza legal ou insuficiência de recursos.
Inclusão na CENSEC e efetividade da vontade
O cerne do Provimento reside na inclusão das naturezas de ato “autocuratela” e “declaratória com diretivas de curatela” na CENSEC. Essa medida confere a esses documentos a visibilidade e acessibilidade necessárias para que possam ser efetivamente utilizados quando o indivíduo for processado por interdição.
Ao centralizar o registro, o CNJ garante um mecanismo ágil e seguro para que o Poder Judiciário tome conhecimento do desejo do outorgante, elevando o patamar de segurança jurídica.
Autonomia da vontade e o papel dos tabelionatos de notas
A lavratura das escrituras de autocuratela ou diretivas antecipadas nos tabelionatos de notas materializa o exercício da autonomia da vontade e da autodeterminação do indivíduo. Por meio do ato notarial, dotado de fé pública, o cidadão estabelece um planejamento sucessório-existencial, que vai além do patrimônio e abrange o próprio cuidado pessoal.
É dever do tabelião consignar que, embora baseada na autonomia individual, tal declaração serve como uma sugestão ao juízo da interdição, uma vez que a lei estabelece uma ordem preferencial para a nomeação de curadores (art. 1.775 do Código Civil). Ao qualificar e registrar essas escrituras na CENSEC, o notariado garante a sua preservação e a sua fácil localização, fortalecendo a efetividade do ato notarial.
Integração e dever de consulta judicial
O Provimento estabelece um novo fluxo que consolida a integração entre o notariado e o Poder Judiciário. A norma institui o dever dos magistrados de consultar a CENSEC durante o processamento de ações de interdição, a fim de verificar a existência de escrituras de autocuratela.
Essa consulta obrigatória assegura que a vontade prévia do interditando seja considerada no momento da nomeação do curador, conferindo maior segurança jurídica e respeito à dignidade da pessoa com deficiência. Trata-se de um reconhecimento da função do notariado na produção de provas e na concretização de direitos fundamentais.
O regime de publicidade mitigada e a proteção da intimidade
Reconhecendo o caráter sensível das informações contidas nessas escrituras, o Provimento 206/2025 estabeleceu um regime de publicidade mitigada, conferindo-lhes um tratamento similar ao conferido aos testamentos. Essa cautela visa, assim, equilibrar a necessidade de informação para o Judiciário com a imperativa proteção à intimidade e à vida privada do declarante.
A limitação da publicidade dessas escrituras foi formalizada com o acréscimo do artigo 110-A ao Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça (CNN/CN/CNJ-Extra). De acordo com a nova redação, as certidões de inteiro teor das escrituras de autocuratela somente poderão ser fornecidas ao próprio declarante ou mediante ordem judicial, proibindo o acesso irrestrito por terceiros. Essa regra visa impedir a divulgação desnecessária de dados pessoais e de saúde, preservando a dignidade e a autodeterminação da pessoa que se precaveu juridicamente para o futuro.
Relevância para concursos: temas interdisciplinares para provas
O Provimento CNJ nº 206/2025 é um tema de alta relevância para candidatos a concursos públicos, especialmente para as carreiras de Cartório (Notarial e de Registro), Magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública, pois abrange diversos pontos cruciais do Direito. As questões podem explorar a interface entre:
- Direito Civil e Constitucional: Autonomia da Vontade, Capacidade Civil (incluindo emancipação e capacidade da pessoa com deficiência conforme o Estatuto), Curatela (art. 1.767 do Código Civil) e o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
- Direito Notarial e Registral: O papel do tabelião na lavratura das escrituras de autocuratela, a competência territorial do notariado, o dever de qualificação dos atos, o funcionamento e a natureza da CENSEC (Central Eletrônica) e a distinção de regime de publicidade em relação a outros atos notariais (publicidade mitigada versus irrestrita).
- Direito Processual Civil: O processo de interdição e a obrigatoriedade de consulta judicial à CENSEC, demonstrando a integração entre o foro extrajudicial e judicial.
O estudo aprofundado do Provimento e suas implicações práticas é indispensável, pois ele traduz a aplicação de princípios teóricos do Direito Civil moderno na prática notarial e judicial.
Em síntese, o Provimento assinado pelo ministro Mauro Campbell Marques, Corregedor Nacional de Justiça, representa um avanço tecnológico e normativo, promovendo a padronização e centralização de dados essenciais para a Justiça. A medida ratifica a relevância da CENSEC como ferramenta de apoio à atividade jurisdicional, ao tempo em que consagra a autonomia da vontade como princípio orientador do Direito Civil contemporâneo e do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
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