Entenda o Novo Projeto de Lei sobre Feminicídio

Entenda o Novo Projeto de Lei sobre Feminicídio

A imprensa noticia que uma comissão da Câmara aprovou um projeto que transforma o feminicídio em um crime autônomo. A pena será de 20 a 40 anos de reclusão.

*Guilherme Carneiro de Rezende. Promotor de Justiça. Doutorando em direito e professor de Processo Penal.

Feminicídio

Feminicídio: considerações sobre o homicídio

Vamos a algumas considerações sobre o homicídio no Brasil hoje. Ele vem previsto no artigo 121, do Código Penal, com uma pena de reclusão de 6 a 20 anos. O §2º traz uma série de qualificadoras, elevando a pena aos patamares de 12 a 30 anos.

Dentre as qualificadoras (e atenção: não se trata de agravante, mas de qualificadora, pois altera os patamares mínimo e máximo da pena), está o feminicídio, que consta do inciso VI, do §2º,  introduzido pela Lei 13.104/15.

O homicídio é conceituado como a destruição da vida humana, sendo indiferente se a vítima é homem ou mulher. Por política criminal, foi criada uma qualificadora para aumentar a pena em determinadas circunstâncias, incluindo a situação em que o crime é cometido contra a mulher por razões do sexo feminino.

O §2º-A explica que há razões de condição do sexo feminino se o crime envolve violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Dessa forma, caso o Ministério Público atribua a alguém a prática do crime de feminicídio, deve narrar essa circunstância na denúncia. No final, o tema deve quesitado aos jurados. Uma vez reconhecido pelo Conselho de Sentença, a pena há de ser elevada aos patamares já mencionados.

Feminicídio: entenda o projeto de lei

A ideia do projeto de lei é de tornar o crime de feminicídio um crime autônomo e elevar a sua pena.

O Brasil vive uma realidade preocupante em relação aos números de violência de gênero. E essa situação não é nova, sendo impulsionada pelo machismo estrutural.

É bom lembrar que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no Caso 12.051 (Caso Maria da Penha Fernandes), recomendou ao Brasil a prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil.

A Convenção de Belém estabeleceu a obrigação de que os Estados adotassem políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher, bem assim incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis.

Não se pode negar que o direito penal é uma importante ferramenta destinada a dissuadir práticas criminosas. Ele cumpre essa finalidade mediante ameaça de imposição de pena, seja ela privativa de liberdade, seja ela restritiva de direitos ou multa.

Princípio da proporcionalidade

Nesse aspecto, no que tange ao crime de feminicídio, precisamos fazer referência ao princípio da proporcionalidade. Ele há de ser compreendido em suas duas vertentes: de um lado, a proibição de excessos, e de outro, a proibição da proteção deficiente.

O legislador ordinário deve se guiar por essas duas balizas. Não pode criar tipos penais com penas excessivamente elevadas (as chamadas penas descalibradas). Além disso, não pode estabelecer penas que não sejam capazes de evitar práticas indesejadas.

Na proporcionalidade, em relação à proibição de excessos, é importante destacar ainda o princípio da fragmentariedade, que orienta o direito penal: ele deve se ocupar das ofensas mais graves aos bens jurídicos mais importantes. Nada de criminalizar condutas cujas consequências possam ser resolvidas por outros ramos do ordenamento jurídico.

Além da existência de um marco normativo adequado a desestimular práticas criminosas, é importante que o nosso ordenamento seja responsivo. Isso significa dar uma solução adequada e tempestiva, punindo os transgressores.

Feminicídio: reflexões

Voltamos, então, à proposta legislativa, e aqui são duas as reflexões: seria necessária a criação de um novo tipo penal? E, seria necessária a ampliação das penas (mínima e máxima)?

Criação de um novo tipo penal

Quanto à primeira indagação, a modificação da estrutura normativa, com a tipificação autônoma do feminicídio (em tipo próprio), não parece produzir qualquer reflexo prático. O próprio significado da expressão homicídio já denota a exterminação da vida humana, sendo certo que as especificidades do feminicídio já justificam o seu tratamento em apartado, como qualificadora. Já há um regramento específico que prestigia a isonomia de tratamento entre homens e mulheres

Proporcionalidade

Quanto à segunda pergunta sobre o feminicídio, devemos analisar se a opção legislativa é proporcional, é dizer, se de um lado ela é capaz de tutelar a contento o bem jurídico (proibição da proteção deficiente), e aqui a resposta é positiva; e, de outro, se ela não configura excesso.

Fora dos casos de tentativa e de eventual privilégio, que podem reduzir a pena aquém do mínimo legal, a pena mínima é de 20 anos e será cumprida em regime inicialmente fechado. Sabemos que a pena corporal é cumprida em regime progressivo e a contagem do prazo para progressão de regime e obtenção dos demais benefícios penais é aferida a partir desse patamar, de modo que a proposta representa, de fato, um recrudescimento no trato do infrator.

Atualmente, a maior pena mínima abstratamente prevista em nosso ordenamento é a da extorsão mediante sequestro com o resultado morte (§2º, do artigo 159, do CP), que está no patamar de 24 anos (24 a 30 anos).

A partir desse referencial, devemos indagar se a proposta em questão sobre o feminicídio, se comparada à extorsão mediante sequestro com resultado morte (que é crime complexo, atacando patrimônio, liberdade e vida, ainda que com preterdolo), é proporcional em sentido estrito.

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