Justiça autoriza venda de derivados de cannabis por farmácia de manipulação

Justiça autoriza venda de derivados de cannabis por farmácia de manipulação

Contexto do caso

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) recentemente autorizou a venda de produtos à base de cannabis sativa por farmácias de manipulação, anulando uma sanção da vigilância sanitária que se baseava na Resolução 327/2019 da Anvisa.

Assim, essa decisão traz à tona debates sobre o poder regulatório das agências e a regulamentação do uso de cannabis medicinal no Brasil.

Decisão judicial

A 10ª Câmara de Direito Público do TJSP concedeu mandado de segurança à farmácia Manos Farma, permitindo a comercialização de produtos derivados da cannabis.

O relator do caso, desembargador Antonio Celso Aguilar Cortez, argumentou que a Resolução 327/2019 da Anvisa extrapolava seu poder regulatório, impondo uma desvantagem indevida às farmácias de manipulação em comparação às drogarias convencionais.

Peculiaridades do caso concreto

Logo, de acordo com a decisão completa:

  • Mandado de Segurança: a Manos Farma impetrou o mandado de segurança visando garantir o direito de comercializar e manipular produtos derivados da cannabis sativa. Em resumo, a farmácia argumentou que a Anvisa, ao editar a Resolução 327/2019, impôs restrições sem amparo legal, diferenciando injustamente farmácias de manipulação das drogarias convencionais.
  • Competência e legitimidade: a decisão destacou que a competência para fiscalização é comum entre União, Estados e Municípios, conforme o art. 1º da Lei 9.782/1999. O TJSP reconheceu a legitimidade passiva da Vigilância Sanitária do Município de São Paulo para figurar no polo passivo da ação.
  • Leis Federais relevantes: a farmácia baseou seus argumentos nas Leis 5.991/73 e 13.021/14, que não fazem distinção entre farmácias de manipulação e drogarias quanto à comercialização de medicamentos. Por isso, a decisão do TJSP afirmou que a Resolução 327/2019 da Anvisa criou uma restrição não prevista em lei, violando os princípios da legalidade e da isonomia.
  • Precedentes: a decisão mencionou precedentes do TJSP que já haviam julgado a favor da permissão para farmácias de manipulação comercializarem produtos à base de cannabis, reafirmando que a Anvisa extrapolou seu poder regulamentar ao criar tais restrições sem base legal.

Perspectiva Internacional

A regulamentação do uso medicinal da cannabis varia significativamente em diferentes países:

  • Estados Unidos: a regulamentação é complexa, com diferentes estados permitindo ou restringindo o uso de cannabis medicinal de diversas maneiras. Estados como Califórnia e Colorado, por exemplo, têm sistemas robustos de regulação, permitindo a comercialização e uso medicinal sob condições específicas.
  • Canadá: em 2001, o Canadá tornou-se um dos primeiros países a legalizar a cannabis medicinal. Assim, a legislação permite que pacientes com receitas médicas comprem cannabis de produtores licenciados.
  • Alemanha: desde 2017, a cannabis medicinal é legal na Alemanha, e os médicos podem prescrever produtos à base de cannabis para pacientes com doenças graves. A venda é regulamentada e supervisionada de perto pelo governo.

Debates legislativos e judiciais no Brasil

No Brasil, a questão da cannabis medicinal está em constante evolução, com debates tanto no Legislativo quanto no Judiciário:

  • Supremo Tribunal Federal (STF): em 2024, o STF formou maioria para descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. O ministro Luís Roberto Barroso destacou que, embora a descriminalização retire o porte de maconha da seara penal, não legaliza seu uso, tratando a questão como um problema de saúde pública.
  • Projetos de Lei em trâmite: existem diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que abordam a regulamentação da cannabis medicinal. Portanto, tem-se:
    • PL 399/2015: propõe a legalização do cultivo da cannabis para uso medicinal e industrial, permitindo que pacientes, associações e empresas produzam e comercializem produtos derivados.
    • PL 10.549/2018: visa a regulamentação do uso medicinal da cannabis, estabelecendo critérios para cultivo, produção e comercialização.

Fundamentação jurídica

Ademais, a decisão do TJSP baseou-se em princípios constitucionais e legais que asseguram o livre exercício da atividade econômica e limitam o poder regulatório excessivo das agências.

Constituição Federal:

  • Artigo 5º, Inciso XIII: assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
  • Artigo 170: fundamenta a ordem econômica na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, assegurando a todos existência digna conforme os ditames da justiça social.

Lei nº 13.874/19 (Lei de Liberdade Econômica):

  • Estabelece garantias de livre mercado e restringe a intervenção estatal nas atividades econômicas.

Polêmicas e Debates

Nesse sentido, os debates em torno da cannabis medicinal no Brasil e no mundo revelam um cenário complexo, com argumentos de ambos os lados:

Apoio à legalização da cannabis medicinal

  • Benefícios medicinais: estudos indicam que a cannabis pode ser eficaz no tratamento de diversas condições médicas, como dor crônica, epilepsia e esclerose múltipla.
  • Liberdade econômica: a legalização permitiria o desenvolvimento de um mercado regulado, criando empregos e gerando receitas fiscais.
  • Redução do tráfico: regulamentar a produção e venda de cannabis medicinal pode reduzir a influência do tráfico de drogas.
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Argumentos contra a legalização da Cannabis Medicinal

  • Questões de Saúde Pública: alguns argumentam que a cannabis pode ter efeitos adversos à saúde e que a regulamentação inadequada pode levar ao aumento do uso recreativo.
  • Resistência cultural e social: existe uma resistência baseada em valores culturais e sociais, especialmente em países onde o uso de drogas é fortemente estigmatizado.
  • Desafios regulamentares: a criação de um sistema regulatório eficaz para a cannabis medicinal pode ser complexa e custosa.

Descriminalização do uso de maconha

Em junho de 2024, o STF decidiu descriminalizar o porte de pequenas quantidades de maconha para uso pessoal, afirmando que o porte de até 40 gramas ou 6 plantas não constitui crime, mas continua sendo uma infração administrativa​​​​. Pois bem, relembremos abaixo o que o STF decidiu.

Norma Penal em Branco:

  • A Lei de Drogas é considerada uma norma penal em branco, pois precisa de regulamentação adicional para definir quais substâncias são consideradas drogas.

Retroatividade da Lei:

  • A Lei de Drogas é retroativa, beneficiando réus condenados sob a legislação anterior, que previa penas mais severas.

Despenalização vs. Descriminalização:

  • O STF afirmou que o porte de maconha para uso pessoal é despenalizado, mas não descriminalizado, significando, assim, que a conduta não acarreta penas privativas de liberdade, mas ainda é tratada como crime.

Procedimento de Apuração

O porte de drogas para uso próprio é tratado como crime de menor potencial ofensivo, julgado pelos Juizados Especiais Criminais. Dessa forma, a autoridade policial pode lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e requisitar exames e perícias em caso de flagrante de uso ou posse de entorpecentes​​​​.

Considerações finais

E você, o que acha sobre essas decisões? Acredita que o Brasil está no caminho certo para regulamentar o uso medicinal da cannabis e descriminalizar o porte de pequenas quantidades de maconha? Deixe sua opinião nos comentários.

Referências

  • Regulamentação da Cannabis Medicinal nos EUA;
  • Leis Canadenses sobre Cannabis Medicinal;
  • Legislação sobre Cannabis Medicinal na Alemanha;
  • Notícia sobre decisão do STF.

Felipe Duque – Mestre em Direito Político e Econômico na Mackenzie-SP. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, com conclusão pelo regime de Aproveitamento Extraordinário nos Estudos (art. 47, § 2º, da Lei nº 9.394/96). Ex-Assessor de Desembargador no TJPE. Procurador da Fazenda Nacional. Integra voluntariamente a Coordenação de Assuntos Estratégicos Judiciais da PGFN. Professor do Estratégia Carreira Jurídica e Estratégia OAB. Autor do livro “Reforma Tributária Comentada e Esquematizada”.


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