Entenda as implicações jurídicas da exposição pública de um feto feita pelo Primo Rico: análise dos direitos fundamentais, ética e possíveis responsabilidades legais envolvidas.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
O país foi surpreendido com um notícia impactante e perturbadora: o influenciador e empresário Thiago Nigro, conhecido como Primo Rico, compartilhou, em suas redes sociais, um vídeo com imagens do feto de sua mulher, Maíra Cardi, depois que a influenciadora sofreu um aborto espontâneo.
O feto não apresentava mais batimentos cardíacos, e foi expelido pela mãe.
O casal, que está junto desde março de 2023, ainda não tem filhos, e estavam muito animados com a chegada desse primeiro bebê.
Thiago, que tem mais de 9 milhões de seguidores no Instagram, escreveu no seu perfil:
Opinião Pública – Primo Rico
A postagem foi alvo de uma enxurrada de críticas da opinião pública, que consideraram a publicação vexatória, humilhante e que serviu apenas ao propósito de ganhar seguidores, likes e engajamento.
Posteriormente o vídeo foi apagado e Primo Rico desabafou que toda essa situação foi um “teste de fé“:
“Meu filho representava a materialização disso tudo. De tudo que eu imaginava, idealizava e sonhava…Obrigado por sua breve passagem por aqui, filho”
Implicações Jurídicas – Primo Rico
Mas será que toda essa situação tem implicações jurídicas? Thiago atuou dentro da legalidade, extrapolando apenas os limites morais? Ou é possível cogitar a prática de um ato ilícito passível de reparação ou até mesmo crime?
É o que veremos a seguir.
- Crime de vilipêndio de cadáver
Em decorrência da exposição do feto feita pelo influenciador Thiago Nigro, foi cogitado, por parte de alguns críticos, que Primo Rico teria cometido o crime de vilipêndio de cadáver, previsto no artigo 212, do código penal, com pena de detenção, de um a três anos, e multa.
Código Penal Vilipêndio a cadáver Art. 212 - Vilipendiar cadáver ou suas cinzas: Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
O sujeito passivo do crime, por óbvio, não é o cadáver, a pessoa morta, e sim os familiares, os amigos mais próximos e até a coletividade, que guardam o sentimento de veneração, respeito, saudade e lembrança com o falecido.
Portanto, o bem jurídico lesado no crime de vilipêndio de cadáver é o sentimento de respeito aos mortos.
A conduta de vilipendiar o cadáver consiste na prática de atos desrespeitosos ao falecido, tais como mutilação ou desmembramento do corpo, uso do cadáver em rituais ou práticas ofensivas, compartilhamento de vídeos ou fotos do corpo com intenção de escárnio, humilhação.
O objeto material do crime ora tratado é o cadáver (restos mortais de pessoa que viveu, que teve vida autônoma, o que inclui o esqueleto) ou as cinzas.
Em relação àquele que morre no parto, a doutrina se divide, ou seja, parte entende que não é possível o cometimento do crime de vilipêndio a cadáver, e outra parte, majoritária, entende que esse cadáver pode sim ser objeto do crime de vilipêndio.
Em relação ao embrião ou ao feto, não há maiores discussões, sendo quase unânime o entendimento de que não é possível o cometimento do crime de vilipêndio a cadáver.
Apenas uma parte bem restrita e isolada da doutrina que entende que a vida começa com a concepção, e não com o nascimento, advoga a tese de que é possível o cometimento do crime de vilipêndio a cadáver relacionado ao corpo do feto morto.
A Organização Mundial da Saúde define natimorto como morte fetal após 28 semanas (até o parto). Outras classificações adotam o marco de 20 semanas.
Parte da doutrina defende o reconhecimento, ao natimorto, dos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura, a teor do Enunciado nº 1, da I Jornada de Direito Civil:
A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura.
O código civil, em seu artigo 2º, aduz que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Temos 3 correntes doutrinárias acerca da proteção jurídica do nascituro¹:
Teoria natalista: defende que a titularização de direitos e a personalidade jurídica são conceitos inexoravelmente vinculados, de modo que, inexistindo personalidade jurídica anterior ao nascimento, a consequência lógica é que também não há direitos titularizados pelo nascituro, mas mera expectativa de direitos;
Teoria concepcionista: a personalidade jurídica se inicia com a concepção, muito embora alguns direitos só possam ser plenamente exercitáveis com o nascimento, como os decorrentes de herança, legado e doação.
Teoria da personalidade condicional: a personalidade tem início com a concepção, porém fica submetida a uma condição suspensiva (o nascimento com vida), assegurados, no entanto, desde a concepção, os direitos da personalidade, inclusive para assegurar o nascimento.
No caso do empresário Thiago Nigro, houve o compartilhamento de vídeo com fotos do feto, que não é considerado sequer natimorto, ou seja, não houve o cometimento do crime de vilipêndio a cadáver.
Ato ilícito passível de indenização
Saindo da seara criminal e adentrando na seara cível, as discussões são mais relevantes e plausíveis.
O ato de compartilhar vídeo e fotos do feto pode ser considerado um ato causador de dano extrapatrimonial à pessoa da esposa, que carregou aquele feto em seu ventre por algumas semanas?
Em tese sim! Essa publicação pode ser considerada um ato passível de indenização. Vejamos o que diz o ordenamento jurídico.
Constituição Federal
A Constituição Federal trata de proteger a integridade e a dignidade de qualquer pessoa. Vejamos:
CF/88 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ... III - a dignidade da pessoa humana; … Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: … X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Código Civil
E o código civil não deixa dúvidas ao determinar a reparação dos danos decorrente da prática de ato ilícito:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. ... Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Espécies de danos
Importante não confundir as espécies de danos existentes e considerados pelos estudiosos do direito.
Dano material (ou dano patrimonial): é o prejuízo que ocorre no patrimônio da pessoa, ou seja, perda de bens ou coisas que tenham valor econômico. Estão inseridos nos danos materiais os prejuízos efetivamente sofridos (danos emergentes), bem como valores que pessoa deixou de receber (lucros cessantes);
Dano moral: é a violação da honra ou imagem de alguém, sendo resultado de ofensa aos direitos da personalidade (intimidade, privacidade, honra e imagem);
Dano estético: configura-se por lesão à saúde ou integridade física de alguém, que resulte em constrangimento, e que geralmente deixam marcas permanentes no corpo ou diminuem sua funcionalidade (cicatrizes, sequelas, deformidades). Pode ser causado por erros médicos ou agressões físicas mais graves.
No caso do Primo Rico, a exposição pública da Maíra Cardi poderia sim ser considerada um ato vexatório, humilhante e que violou a intimidade da esposa, sendo, portanto, passível de indenização por danos morais.
Mas isso vai depender de como Maíra se sentiu com essa exposição. Se ela deu o consentimento, e não se sentiu violada pela postagem, não há que se falar em reparação de danos.
Agora, se ela não autorizou o compartilhamento, e se sentiu violada em sua intimidade ou em sua vida privada, por essa exposição vexatória, ela poderá sim pleitear judicialmente a reparação do dano causado, já que sua imagem e sua vida privada foram indevidamente expostas, causando-lhe sofrimento, angústia e humilhação.
O tema pode ser tratado em questões de direito civil e direito constitucional. Portanto, atenção!
Referências
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