Sou o professor Thiago de Paula Leite, procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia Carreiras Jurídicas.
Trouxe abaixo uma análise para reflexão sobre o tema: AGU abre as portas para exploração de petróleo na Amazônia.
Nos últimos meses tem povoado os telejornais a notícia de que a Petrobrás pretende prospectar petróleo na Foz do Amazonas. É o projeto chamado Margem Equatorial, conhecido também como “o novo pré-sal”, que prevê a extração em mais de 2.000km da costa brasileira, entre o Rio Grande do Norte e o Amapá. Esse projeto teria potencial para alavancar, do ponto de vista econômico e social, toda a região, já que se estima a reserva ali existente em 30 bilhões de barris de petróleo. Mas e do ponto de vista ambiental, essa extração seria viável? Quais os riscos ao meio ambiente e às populações locais que travam o projeto? É o que vamos ver a partir de agora.
Hoje há uma verdadeira batalha travada entre o Governo Federal, a Petrobrás e o Ministério de Minas e Energias de um lado, e, do outro, o IBAMA, os ambientalistas e o Ministério do Meio Ambiente, personificado na pessoa da ministra Marina Silva.
Não devemos esquecer que o princípio do desenvolvimento sustentável, sinônimo de solidariedade intergeracional, envolve a coexistência e harmonização de três elementos básicos e essenciais, a saber: crescimento econômico, justiça social e proteção ambiental, onde a geração atual deve garantir, para as gerações futuras, as condições mínimas para o pleno desenvolvimento. É o que podemos extrair tanto do caput do artigo 225 quanto do artigo 170, ambos da CF/88. Vejamos:
CF/88
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
…
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
A Petrobrás, então, solicitou ao IBAMA autorização para perfurar um poço próximo ao bloco 59, que está a cerca de 160 km da costa do Oiapoque (AP) e a 500 km da foz do rio Amazonas. Dezenas de organizações da sociedade civil reunidas no Observatório do Clima enviaram ofício ao governo federal pedindo uma análise mais ampla: “A abertura dessa nova fronteira exploratória é uma ameaça a esses ecossistemas e, também, é incoerente com os compromissos assumidos pelo governo brasileiro perante a população brasileira e a comunidade global”, diz parte do documento.
O IBAMA negou a licença ambiental solicitada pela petroleira, com base em 4 argumentos principais, que são:
a) eventuais impactos sobre comunidades indígenas, devido ao sobrevoo de aeronaves entre o Aeródromo do Oiapoque/AP e a locação do bloco;
b) necessidade de realização de estudos de caráter estratégico, avaliação ambiental de área sedimentar-AAAS, na bacia da foz do Amazonas;
c) necessidade da renovação da manifestação conjunta entre o Ministério de Minas e Energia e o IBAMA; e
d) tempo de resposta e atendimento a fauna atingida por óleo, em caso de vazamento.
A decisão do IBAMA travou por completo a continuidade do projeto na Foz do Amazonas, o que gerou o recrudescimento da discussão dentro do governo federal.
Nesse contexto o Ministro de Minas e Energia enviou uma consulta à Consultoria Geral da União especificamente quanto à divergência jurídica relacionada à necessidade, ou não, da realização da avaliação ambiental de área sedimentar-AAAS e da renovação da manifestação conjunta.
O Ministério de Minas e Energia defende a desnecessidade do AAAS como requisito para a continuidade do procedimento de licenciamento ambiental, haja vista que “a AAAS é um instrumento de subsídio ao planejamento estratégico, realizado pelo MME e MMA, que classifica áreas com vistas à outorga de blocos exploratórios, que se justifica somente antes da licitação das áreas“. Também defende a desnecessidade da renovação da manifestação conjunta: “a manifestação conjunta é instrumento prévio de planejamento e avaliação estratégica de atividades ou empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural, cuja renovação quinquenal somente tem sentido enquanto não outorgado o bloco que dela fora objeto… a mera ausência de nova “manifestação conjunta” não pode/deve constituir entrave ao prosseguimento do processo das licenças ambientais para exploração do objeto pretendido”.
Além do mais, o MME trouxe à baila o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da ADPF 825, em que se firmou que “a viabilidade ambiental dos empreendimentos é atestada não pela apresentação de estudos ambientais (AAAS), mas pelo procedimento de licenciamento ambiental, no qual se aferem, de forma específica, aprofundada e minuciosa, a partir da Lei n.º 6.938/1991, os impactos e riscos ambientais da atividade a ser desenvolvida”.
A Advocacia Geral da união se debruçou sobre o tema no parecer nº 00014/2023/CGPP/DECOR/CGU/AGU.
Quais as conclusões da AGU nesse tema? Vejamos.
A fim de responder aos dois pontos levantados (AAAS e manifestação conjunta) é necessário compreender a sua natureza jurídica e, para isso, é preciso analisar o conteúdo da Portaria Interministerial MME MMA n.º 198, de 5 de abril de 2012.
Da leitura da referida Portaria não é possível extrair “que a AAAS seria conditio sine qua non, seja para a outorga, seja para o licenciamento ambiental, seja do ponto de vista estritamente jurídico, seja do ponto de vista fático”. A AAAS é apenas um instrumento de auxílio, de apoio ao licenciamento ambiental, e não um fim em si mesma, e, portanto, não poderia jamais ser requisito obrigatório para o licenciamento ambiental.
Nesse sentido as ADPF’s 825 e 887, em que restou decidido que a viabilidade ambiental de um empreendimento deve ser atestada no licenciamento ambiental, e não na AAAS.
Vejamos a ementa da ADPF 825:
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. REALIZAÇÃO DA 17ª RODADA DE LICITAÇÃO DE BLOCOS PARA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEL. ART. 6º, § 2º, DA RESOLUÇÃO CNPE N. 17/2017. DISPENSA DA ELABORAÇÃO DE ESTUDOS AMBIENTAIS E DA AVALIAÇÃO AMBIENTAL DE ÁREA SEDIMENTAR (AAAS). CABIMENTO. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. ARGUMENTAÇÃO. COMPETÊNCIA REGULAMENTAR. CAPACIDADE TÉCNICA. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICA PÚBLICA. PEDIDO DE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO…
2. A viabilidade ambiental de certo empreendimento é atestada não pela apresentação de estudos ambientais e da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), mas pelo procedimento de licenciamento ambiental, no qual se aferem, de forma específica, aprofundada e minuciosa, a partir da Lei n. 6.938/1991, os impactos e riscos ambientais da atividade a ser desenvolvida.
3. Pedido julgado improcedente.
(ADPF 825, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: NUNES MARQUES, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 25-11-2021 PUBLIC 26-11-2021)
A mesma lógica deve ser aplicada à manifestação conjunta. Ela tem a mesma natureza jurídica da AAAS, isto é, “tanto a AAAS como a Manifestação Conjunta são instrumentos de planejamento, a serem apresentadas antes do processo de outorga e de licenciamento ambiental, pois correspondem a estudo e avaliação prévia sobre a aptidão de determinada região com potencial de exploração de petróleo e gás, com capacidade, inclusive, de restringir antecipadamente eventuais áreas que possam trazer insegurança técnico-jurídica no processo licitatório de concessão de blocos exploratórios” (PARECER n. 00193/2023/CONJUR-MME/CGU/AGU – sequencial 3).
A interpretação adotada no parecer da AGU foi no sentido de que “a manifestação conjunta terá a validade de no máximo cinco anos, devendo ser revista e ratificada por iguais períodos, para as áreas que ainda não tenham sido outorgadas, nem submetidas à AAAS, até que o processo se estenda a todas as áreas sedimentares do País”. Como a área em questão (Foz do amazonas – Bloco 59) já foi outorgada, não seria obrigatória a renovação da manifestação conjunta.
O parecer da AGU continua asseverando que o IBAMA, ao negar a licença, estaria praticando o venire contra factum proprium, na medida em que pretende exigir a AAAS depois de 10 anos da outorga conferida, frustrando expectativas legitimamente criadas.
Em resumo, a conclusão do parecer da AGU foi no sentido de que a AAAS e a “manifestação conjunta” não são requisitos indispensáveis à continuidade do licenciamento ambiental, haja vista que possuem natureza de instrumentos de avaliação e planejamento que devem ser analisados no bojo do licenciamento ambiental, em conjunto com os demais instrumentos de avaliação ambiental.
Na prática, a AGU abriu as portas para a possibilidade de exploração de petróleo na Foz do Amazonas (desde que observados os demais requisitos exigidos durante o licenciamento ambiental), e muito provavelmente a questão chegará à Suprema Corte para análise e julgamento. É acompanhar!
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