Estagiária é demitida por ameaçar Fux
Foto: Gustavo Moreno/STF

Estagiária é demitida por ameaçar Fux

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

Uma estagiária da Câmara Legislativa do Distrito Federal foi demitida após publicar no X, antigo Twitter, a frase “Fux tem que morrer“, em referência ao ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal.

A ameaça ocorreu enquanto o ministro julgava a tentativa de golpe do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A Câmara reiterou que repudia qualquer discurso de ódio, manifestação de intolerância ou ataques a autoridades públicas.

Em nota, a Câmara foi incisiva:

“A instituição mantém rígido compromisso com a ética, a urbanidade e o respeito aos princípios constitucionais, e assegura que eventuais violações à sua política de comunicação são devidamente apuradas, aplicando-se as sanções cabíveis, em conformidade com a legislação e normas internas. No caso específico, a estagiária mencionada foi afastada de suas funções, como medida preventiva e de proteção à integridade institucional.”

A Câmara Legislativa tomou a decisão após o deputado distrital Robério Negreiros (PSD) enviar prints do perfil da jovem para a Diretoria de Recursos Humanos da CLDF e pedir providências.

ameaçar

Por meio de nota, Negreiros afirmou que “em um momento delicado e de extremismos”, é preciso “coibir quaisquer ameaças à integridade das pessoas e/ou instituições”.

O Ministro Luiz Fux votou, na ação penal 2668, pela absolvição de Jair Bolsonaro em todos os cinco crimes denunciados pela Procuradoria-Geral da República. Esta decisão contrariou os votos condenatórios dos demais ministros da Turma, resultando no placar de 4 x 1 pela condenação.

Como bem apontado pelo professor Gustavo Cordeiro, Fux criticou diretamente a técnica acusatória da PGR, sustentando que “não descreveu a conduta de Bolsonaro individualizada”. Para o ministro, a denúncia falhou em distinguir especificamente quais atos concretos teriam sido praticados pelo ex-presidente para cada crime imputado.

Análise jurídica

Os pontos de interesse jurídico nessa história são os relativos aos deveres funcionais da estagiária e ao crime de ameaça.

Seara do estágio

A lei nº 11.788/2008 é conhecida como a Lei do Estágio, e define o estágio como sendo o ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.

O estágio tem por objetivos principais:

  • Fomentar o aprendizado de competências próprias da atividade profissional;
  • Incentivar a contextualização curricular; e
  • Propiciar o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.

O estágio não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, observados os seguintes requisitos:

I – Matrícula e frequência regular do educando em curso de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos e atestados pela instituição de ensino;

II – Celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino;

III – Compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso.

Aquele que contrata o estagiário, seja ente privado ou público, possui uma série de obrigações. Vejamos:

I – Celebrar termo de compromisso com a instituição de ensino e o educando, zelando por seu cumprimento;

II – Ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural;

III – Indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente;

IV – Contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com valores de mercado, conforme fique estabelecido no termo de compromisso;

V – Por ocasião do desligamento do estagiário, entregar termo de realização do estágio com indicação resumida das atividades desenvolvidas, dos períodos e da avaliação de desempenho;

VI – Manter à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio;

VII – Enviar à instituição de ensino, com periodicidade mínima de 6 (seis) meses, relatório de atividades, com vista obrigatória ao estagiário.

Por outro lado, o estagiário, em especial aquele que está vinculado à administração pública, não pode agir de forma a contrariar os princípios que regem a própria administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).

Além do mais, não pode sair disparando discurso de ódio, ainda mais contra um ministro da mais alta corte do país.

Essa prática pode levar ao término do vínculo do estágio, além de eventuais sanções penais e responsabilização civil, a depender do caso.

Podemos citar, ainda, como deveres dos estagiários:

  • Cumprir o plano de atividades: realizar as tarefas e responsabilidades definidas no termo de compromisso de estágio.
  • Respeitar as normas internas: obedecer aos horários, à conduta ética e às políticas da empresa/administração pública.
  • Zelar pelos bens da empresa: cuidar do material e da reputação da empresa concedente/administração pública.
  • Participar ativamente: buscar aprender com as experiências, demonstrar iniciativa e adaptar-se a novos desafios.

Seara criminal

O crime de ameaça está previsto no artigo 147, do Código Penal:

CP

Ameaça

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

O crime de ameaça é de natureza formal, consumando-se com o resultado da ameaça, ou seja, com a intimidação sofrida pelo sujeito passivo ou simplesmente com a idoneidade intimidativa da ação, sendo desnecessário o efetivo temor de concretização.

É necessária uma ameaça idônea, séria e concreta, capaz de impor medo à vítima, para que o fato seja tipificado como crime.

O que definirá eventual responsabilização penal da estagiária será a comprovação, ou não, da idoneidade da ameaça.

Em um primeiro momento, a ameaça realizada via rede social, pela estagiária, não chega a configurar uma ameaça real e idônea, mas tudo dependerá da investigação, se é que ela ocorrerá.

A Constituição Federal protege o direito à liberdade de expressão.

CF/88

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

...

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

...

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

...

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Mas não existem direitos absolutos. Todos os direitos devem observar certas balizas instituídas pelo próprio ordenamento jurídico. A liberdade de expressão, integrante das liberdades públicas, é cláusula pétrea, mas não se deve exercê-la de maneira a ofender a dignidade humana de outrem ou de grupos minoritários.

Dino ressaltou, no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.513.428, que o Supremo tem entendimento consolidado de que o direito à liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento não são absolutos, cabendo intervenção da Justiça em situações de evidente abuso:

“Entendo que as obras jurídicas adversadas não estão albergadas pelo manto da liberdade de expressão, pois, ao atribuírem às mulheres e à comunidade LGBTQIAPN+ características depreciativas, fazendo um juízo de valor negativo e utilizando-se de expressões misóginas e homotransfóbicas, afrontam o direito à igualdade e violam o postulado da dignidade da pessoa humana, endossando o cenário de violência, ódio e preconceito contra esses grupos vulneráveis"

Ótimo tema para provas de direito penal, administrativo e constitucional.


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