Escolas agora são obrigadas a notificar ao Conselho Tutelar casos de automutilação e suicídio: Lei nº 15.231/2025

Escolas agora são obrigadas a notificar ao Conselho Tutelar casos de automutilação e suicídio: Lei nº 15.231/2025

Prof. Gustavo Cordeiro

Introdução: a escola como sentinela da proteção integral de crianças e adolescentes

Em 6 de outubro de 2025, foi sancionada a Lei nº 15.231/2025, que promoveu alterações nas Leis nºs 13.819/2019 (Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio) e 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional — LDB), criando o dever legal dos estabelecimentos de ensino notificarem ao Conselho Tutelar os casos de violência envolvendo alunos, especialmente automutilações, tentativas de suicídio e suicídios consumados.

A inovação legislativa insere-se no contexto da proteção integral de crianças e adolescentes (art. 227 da CF/88 e art. 1º do ECA) e representa um marco na articulação entre a rede de ensino e o sistema de garantia de direitos. Para candidatos a concursos de Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública, Delegado de Polícia e Advocacia Pública, compreender o alcance e os fundamentos da nova lei é essencial, especialmente diante do crescimento alarmante dos casos de automutilação e suicídio entre jovens no Brasil.

Este artigo tem um objetivo claro: explicar, de forma didática e estratégica, as mudanças promovidas pela Lei nº 15.231/2025, analisar seus fundamentos constitucionais e legais, e demonstrar como o tema pode ser cobrado nas próximas provas.

O que mudou com a Lei nº 15.231/2025?

A Lei nº 15.231/2025 promoveu duas alterações legislativas fundamentais:

Alteração na Lei nº 13.819/2019 (Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio)

O inciso VIII do art. 3º da Lei nº 13.819/2019 passou a incluir expressamente os estabelecimentos de ensino entre os entes responsáveis pela notificação de eventos de automutilação, tentativas de suicídio e suicídios consumados.

Nova redação do art. 3º, VIII, da Lei nº 13.819/2019:

VIII - promover a notificação de eventos e o desenvolvimento e o aprimoramento de métodos de coleta e análise de dados sobre automutilações, tentativas de suicídio e suicídios consumados, envolvendo a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e os estabelecimentos de ensino, de saúde e de medicina legal, para subsidiar a formulação de políticas e tomadas de decisão.

Alteração na Lei nº 9.394/1996 (LDB) — criação de dever específico de notificação ao Conselho Tutelar

A alteração mais relevante para os operadores do direito ocorreu no art. 12, VIII, da LDB, que agora estabelece o dever legal dos estabelecimentos de ensino notificarem ao Conselho Tutelar não apenas os casos de infrequência escolar (evasão), mas também os casos de violência que envolvam seus alunos, especialmente automutilações, tentativas de suicídio e suicídios consumados.

Nova redação do art. 12, VIII, da LDB:

Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:

VIII - notificar ao Conselho Tutelar do Município:

a) a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de 30% (trinta por cento) do percentual permitido em lei;

b) as ocorrências e os dados relativos a casos de violência que envolvam seus alunos, especialmente automutilações, tentativas de suicídio e suicídios consumados.

Fundamentos constitucionais e legais da Lei nº 15.231/2025

Doutrina da proteção integral (art. 227 da CF/88 e art. 1º do ECA)

A Constituição Federal de 1988 consagrou a doutrina da proteção integral de crianças e adolescentes, estabelecendo:

Art. 227, CF/88: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reforça esse mandamento no art. 1º:

Art. 1º, ECA: Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

A Lei nº 15.231/2025 é concretização direta desse dever constitucional, impondo aos estabelecimentos de ensino — que integram a sociedade e o Estado — a obrigação de proteger crianças e adolescentes contra situações de violência autoprovocada.

Princípio da prioridade absoluta

escolas

O art. 227 da CF/88 estabelece que crianças e adolescentes têm prioridade absoluta na formulação e execução de políticas públicas. Isso significa que o Estado deve priorizar a proteção da infância e juventude em todas as suas ações.

A Lei nº 15.231/2025 materializa esse princípio ao impor às escolas o dever de notificar prontamente os casos de automutilação e suicídio, permitindo a atuação rápida do Conselho Tutelar e da rede de proteção.

Sistema de garantia de direitos e responsabilidade compartilhada

O ECA estabelece que a proteção de crianças e adolescentes é responsabilidade compartilhada entre família, sociedade e Estado (art. 4º do ECA):

Art. 4º, ECA: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Os estabelecimentos de ensino integram o sistema de garantia de direitos e atuam como sentinelas da proteção integral, identificando situações de risco e acionando os órgãos competentes (especialmente o Conselho Tutelar).

Análise dogmática da nova obrigação imposta às escolas

Quem está obrigado a notificar?

A obrigação recai sobre os estabelecimentos de ensino, termo que abrange:

  • Escolas públicas (municipais, estaduais e federais);
  • Escolas privadas;
  • Creches;
  • Instituições de ensino infantil, fundamental, médio e superior.

Importante: A obrigação recai sobre a instituição de ensino (pessoa jurídica), e não sobre um professor ou funcionário específico. No entanto, na prática, a notificação será feita por meio dos dirigentes escolares (diretores, coordenadores pedagógicos) ou por profissionais designados pela instituição.

O que deve ser notificado?

A lei estabelece que devem ser notificados ao Conselho Tutelar:

a) A relação dos alunos com infrequência escolar: alunos que apresentem quantidade de faltas acima de 30% do percentual permitido em lei;

b) Casos de violência que envolvam alunos, especialmente:

  • Automutilações;
  • Tentativas de suicídio;
  • Suicídios consumados.

A expressão “especialmente” indica que a notificação não se limita aos casos de automutilação e suicídio, mas abrange todas as formas de violência que envolvam alunos, como:

  • Violência física (agressões entre alunos, agressões de professores ou funcionários);
  • Violência psicológica (bullying, cyberbullying, intimidação sistemática);
  • Violência sexual (abuso sexual, assédio);
  • Negligência (abandono escolar, falta de assistência pelos responsáveis).

Para quem deve ser feita a notificação?

A notificação deve ser dirigida ao Conselho Tutelar do Município.

O que é o Conselho Tutelar?

O Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes (art. 131 do ECA).

Suas principais atribuições são:

  • Atender crianças e adolescentes em situação de risco ou violação de direitos;
  • Aplicar medidas de proteção (art. 101 do ECA);
  • Requisitar serviços públicos (saúde, educação, assistência social);
  • Representar ao Ministério Público em casos que exijam intervenção judicial.

Quando deve ser feita a notificação?

A lei não estabeleceu prazo específico para a notificação, mas, em razão da gravidade dos casos (especialmente automutilação e tentativa de suicídio), a notificação deve ser feita imediatamente, tão logo a escola tome conhecimento do fato.

A demora injustificada na notificação pode caracterizar:

  • Omissão institucional, com possibilidade de responsabilização civil da escola;
  • Crime de prevaricação (art. 319 do CP), se houver retardamento ou omissão dolosa de ato de ofício por parte de funcionário público (no caso de escolas públicas).

Qual o conteúdo da notificação?

A notificação deve conter:

  • Identificação do aluno (nome, idade, série, turma);
  • Descrição dos fatos (o que ocorreu, quando, onde, como a escola tomou conhecimento);
  • Eventuais providências já adotadas pela escola (atendimento psicológico, comunicação aos pais ou responsáveis);
  • Dados de contato dos pais ou responsáveis legais.

A notificação ao Conselho Tutelar dispensa a comunicação aos pais ou responsáveis?

Não. A notificação ao Conselho Tutelar não substitui a comunicação aos pais ou responsáveis legais, que deve ser feita simultaneamente, nos termos do art. 12, VII, da LDB:

VII - informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola.

A notificação gera sigilo?

Sim. O Conselho Tutelar está sujeito ao dever de sigilo quanto às informações recebidas, em respeito ao direito à intimidade e privacidade de crianças e adolescentes (art. 5º, X, da CF/88).

A divulgação indevida de informações sobre casos de automutilação ou tentativa de suicídio pode caracterizar:

  • Violação de direitos fundamentais (intimidade, privacidade, honra, imagem);
  • Responsabilização civil por danos morais;
  • Crime de divulgação de segredo (art. 153 do CP) ou de violação do sigilo funcional (art. 325 do CP), se praticado por funcionário público.

Consequências da omissão da escola em notificar

A omissão injustificada da escola em notificar o Conselho Tutelar pode gerar graves consequências:

Responsabilidade civil

A escola (pessoa jurídica) pode ser responsabilizada civilmente pelos danos causados ao aluno em razão da omissão no dever de notificar, especialmente se a falta de notificação impedir a atuação tempestiva do Conselho Tutelar e da rede de proteção.

Fundamento: art. 927, parágrafo único, do Código Civil (responsabilidade civil objetiva por atividade de risco) e art. 37, § 6º, da CF/88 (responsabilidade objetiva do Estado).

Responsabilidade penal (servidores públicos de escolas públicas)

No caso de escolas públicas, a omissão dolosa do servidor público em cumprir o dever de notificar pode caracterizar o crime de prevaricação (art. 319 do CP):

Art. 319, CP: Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Infração administrativa e sanções

A escola pode ser responsabilizada administrativamente por descumprimento de obrigação legal, sujeitando-se a:

  • Advertências;
  • Multas administrativas;
  • Suspensão temporária de atividades;
  • Cancelamento de autorização de funcionamento (em casos gravíssimos).

Representação ao Ministério Público

O Conselho Tutelar, ao tomar conhecimento da omissão da escola, pode representar ao Ministério Público, que poderá:

  • Instaurar procedimento administrativo para apurar responsabilidades;
  • Ajuizar ação civil pública para obrigar a escola a cumprir a obrigação legal;
  • Promover ação penal, se configurado crime.

Como o tema pode ser cobrado em concursos públicos?

A Lei nº 15.231/2025 é novidade legislativa e tem grande potencial de cobrança nas próximas provas, especialmente em concursos de Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública e Delegado de Polícia. Veja como o tema pode aparecer:

Enunciado (Questão inédita — estilo CESPE/CEBRASPE):

Maria, diretora de uma escola pública municipal, tomou conhecimento de que João, aluno de 14 anos, tentou suicídio no banheiro da escola. Maria comunicou imediatamente os pais de João, mas não notificou o Conselho Tutelar, por entender que a comunicação aos pais era suficiente. Considerando a situação hipotética e a legislação vigente, assinale a alternativa correta:

(A) Maria agiu corretamente, pois a comunicação aos pais dispensa a notificação ao Conselho Tutelar.
(B) Maria deveria ter notificado o Conselho Tutelar, pois a Lei nº 15.231/2025 impõe essa obrigação aos estabelecimentos de ensino nos casos de tentativa de suicídio.
(C) A notificação ao Conselho Tutelar só seria obrigatória se João tivesse consumado o suicídio.
(D) A omissão de Maria não gera qualquer consequência jurídica, pois a Lei nº 15.231/2025 não prevê sanções para o descumprimento da obrigação de notificar.
(E) A notificação ao Conselho Tutelar viola o direito à intimidade de João, sendo, portanto, inconstitucional.

Gabarito: B

(A) Incorreta: A comunicação aos pais não dispensa a notificação ao Conselho Tutelar. São obrigações distintas e cumulativas. O art. 12, VIII, “b”, da LDB, na redação dada pela Lei nº 15.231/2025, estabelece o dever legal de notificar o Conselho Tutelar nos casos de violência que envolvam alunos, especialmente tentativas de suicídio.

(B) Correta: Maria deveria ter notificado o Conselho Tutelar, conforme determina o art. 12, VIII, “b”, da LDB. A omissão pode gerar responsabilização civil da escola e até mesmo responsabilização penal de Maria pelo crime de prevaricação (art. 319 do CP), caso a omissão seja dolosa.

(C) Incorreta: A lei expressamente menciona tentativas de suicídio, e não apenas suicídios consumados. A notificação é obrigatória em ambos os casos.

(D) Incorreta: A omissão gera diversas consequências jurídicas:

  • Responsabilidade civil da escola por eventuais danos causados ao aluno;
    • Possibilidade de responsabilização penal de Maria pelo crime de prevaricação (art. 319 do CP);
    • Infração administrativa prevista no art. 245 do ECA (comunicação obrigatória de casos de maus-tratos);
    • Representação ao Ministério Público pelo Conselho Tutelar.

(E) Incorreta: A notificação não viola o direito à intimidade, pois está prevista em lei (art. 12, VIII, “b”, da LDB) e tem por objetivo proteger bem jurídico superior (vida, saúde e proteção integral de crianças e adolescentes — art. 227 da CF/88). Além disso, o Conselho Tutelar está sujeito ao dever de sigilo, o que preserva a intimidade do aluno.

Conclusão: a escola como protagonista na proteção da vida de crianças e adolescentes

A Lei nº 15.231/2025 representa um avanço significativo na proteção de crianças e adolescentes, ao reconhecer a escola como instância fundamental do sistema de garantia de direitos. A obrigação de notificar casos de automutilação, tentativa de suicídio e outras formas de violência permite a atuação tempestiva do Conselho Tutelar e da rede de proteção, potencialmente salvando vidas.

A Constituição determina que crianças e adolescentes sejam colocados a salvo de toda forma de violência (art. 227, caput). A Lei nº 15.231/2025 é instrumento para a efetivação desse mandamento constitucional. Cabe a nós, futuros magistrados, promotores, defensores e delegados, conhecer e aplicar corretamente a lei, sempre em defesa da vida e da dignidade dos mais vulneráveis.


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