TJPE condena Gusttavo Lima a indenizar homem com mesmo número de telefone de música em R$ 70 mil

TJPE condena Gusttavo Lima a indenizar homem com mesmo número de telefone de música em R$ 70 mil

Em breve síntese, o recente julgado da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco lança luz sobre uma importante discussão acerca dos limites da liberdade artística e sua interface com os direitos da personalidade. A decisão representa um significativo avanço na jurisprudência pátria sobre a matéria.

A decisão, tomada nos autos da Apelação Cível, reafirma a crescente preocupação dos tribunais brasileiros com a proteção à intimidade e à privacidade em um contexto de ampla exposição midiática.

Contextualização fática da demanda

A controvérsia originou-se quando o cantor Gusttavo Lima, nome artístico de Nivaldo Batista Lima, interpretou e divulgou massivamente a canção “Bloqueado”. A letra mencionava um número telefônico que, por coincidência ou não, pertencia ao autor da ação, Willames Bernardino da Silva.

Em consequência da exibição do número na obra musical, o proprietário da linha telefônica passou a receber, a partir de agosto de 2021, inúmeras ligações e mensagens de terceiros, ocasionando severo transtorno à sua rotina pessoal e profissional.

Conforme destacado pelo Desembargador Alberto Nogueira Virgínio, relator do acórdão, a intensa divulgação da canção “seja nos inúmeros shows realizados por todo o país, vinculações em mídias de rádio e televisão, além de postagens nas várias redes sociais” acarretou um volume tão expressivo de “importunações” que inviabilizou o uso normal do aparelho telefônico, comprometendo atividades profissionais do autor “já historicamente ligadas ao número de telefone (81)99912-XXXX que mantém há anos”.

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As teses defensivas e sua rejeição pelo colegiado

De outro lado, a defesa do cantor e de sua produtora sustentou-se em três pilares argumentativos, todos rejeitados pelo Tribunal.

Primeiramente, arguiu-se preliminar de ilegitimidade passiva ad causam. A alegação foi de que, na condição de “mero intérprete da música, por não ser compositor e, consequentemente, não ter escrito a música”, o cantor não deveria figurar no polo passivo da demanda.

Nessa linha, tal preliminar foi afastada. Isso porque o entendimento foi de que a própria imputação de responsabilidade ao intérprete, enquanto divulgador da obra, é suficiente para atrair sua legitimidade para compor a relação processual, sendo a efetiva responsabilização matéria afeta ao mérito.

Ademais, postulou-se a denunciação da lide aos compositores da canção, pretensão igualmente rechaçada por não se enquadrar nas hipóteses taxativas do art. 125 do CPC.

Inclusive, neste ponto, o relator valeu-se de recente precedente do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no AREsp n. 2.551.247/GO) para assentar que a tentativa de "eximir-se da responsabilidade pelo evento danoso atribuindo-a, com exclusividade, a terceiros" é inadmissível em nosso ordenamento.

No mérito, a defesa sustentou a inexistência de conduta lesiva ou dano moral. Alegou, assim, que o número mencionado na canção não incluía o código de discagem direta à distância (DDD), o que impossibilitaria sua associação direta ao autor.

Subsidiariamente, pleiteou-se a redução do quantum indenizatório.

O que decidiu o TJPE?

Vale ressaltar que o acórdão, ao adentrar o mérito da controvérsia, estabeleceu importantes premissas conceituais sobre responsabilidade civil no contexto artístico-cultural.

Entretanto, indo direto ao ponto, no que concerne ao nexo causal, o colegiado reconheceu que, “ainda que a composição da música tenha sido realizada por terceiros”, a conduta do intérprete ao promover amplamente a obra “reforça sua participação no evento danoso, não sendo possível afastar sua responsabilidade sob o argumento de ato de terceiro“.

Nessa linha, a conclusão alinha-se à teoria do nexo causal adequado, pela qual considera-se causa juridicamente relevante aquela que, segundo o curso normal das coisas, mostra-se idônea a produzir o resultado.

Direitos de personalidade

Direitos de personalidade
Identicamente, a decisão também dialogou com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça acerca da configuração do dano moral, afastando a necessidade de comprovação de sofrimento psíquico ou físico, bastando a demonstração objetiva da "violação a direitos da personalidade, como a privacidade e a paz de espírito".

Ora, tal violação restou “amplamente comprovada nos autos, por meio de registros de mensagens, ligações e áudios recebidos pelo autor em seu contato telefônico”.

Lado outro, no que tange ao quantum indenizatório, o Tribunal manteve o valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) fixado em primeira instância. Decidiu-se que tal valor seria consentâneo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista “o potencial econômico do recorrente, a gravidade dos transtornos sofridos pelo autor e a necessidade de coibir a repetição de condutas semelhantes”.

Registrou-se que o dano moral precisa ter o reconhecimento das funções compensatória e pedagógico-preventiva da responsabilidade civil.

LGPD

Vale frisar também que a decisão insere-se no contexto mais amplo de proteção à privacidade e aos dados pessoais na era digital. Dessa forma, alinha-se aos valores que norteiam a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018).

Embora não citada expressamente no acórdão, a LGPD consagra o número telefônico como dado pessoal, cuja divulgação desautorizada configura violação aos direitos do titular.

No fundo, o precedente sinaliza à indústria fonográfica a necessidade de maior cautela na veiculação de conteúdos que possam afetar direitos de terceiros. O alerta serve, especialmente, para conteúdos com informações pessoais identificáveis, como números telefônicos.

A responsabilização solidária do intérprete e da produtora, independentemente da autoria da composição, amplia o dever de diligência de todos os envolvidos na cadeia de produção e divulgação musical.


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