Nesta semana, um vídeo gravado dentro de um avião ganhou grande repercussão nas redes sociais. Nele, uma mãe aparece ofendendo outra passageira que se recusou a trocar de lugar, fato que impediu seu filho, uma criança, de se sentar na poltrona ao lado da janela.
Visivelmente irritada, a mulher continuou manifestando sua indignação. Ela chamou a atitude de “repugnante” e lamentou a falta de empatia em pleno século XXI, especialmente em situações que envolvem crianças.
O episódio gerou ampla discussão e trouxe à tona importantes questões jurídicas, tanto na esfera penal quanto na cível.
Exercício regular do direito
A começar pela recusa da troca de assentos, é fundamental destacar que a passageira agiu dentro dos limites do exercício regular de um direito. Até porque sabe-se que as companhias aéreas cobram para a escolha antecipada de assento.
Desta forma, permanecer no lugar previamente marcado não constitui ato ilícito. Se lhe falta empatia por não realizar a troca, isso é algo que não se deve tratar no campo do direito, mas da moral.
A reação da mãe ao desqualificar publicamente a outra pessoa e divulgar o vídeo na internet, por sua vez, abre margem para implicações jurídicas.
A filmagem realizada com o evidente propósito de constranger a passageira a realizar a troca de assento não pode ser tratada como constrangimento ilegal, crime previsto no artigo 146, do CP, já que este pressupõe o uso de violência, grave ameaça, ou ainda reduzir, por qualquer, meio a capacidade de resistência da vítima, o que não ocorreu.
Também não parece ser o caso de ameaça (artigo 147, do CP), que exige a promessa de mal injusto e grave. A (ameaça de) exposição da passageira nas redes sociais não pode ser tratada como tal.
Certo, então o fato seria atípico?
Esfera penal
Parece-nos que a conduta pode se enquadrar como crime de difamação, previsto no artigo 139, do Código Penal, que ocorre quando alguém atribui fato ofensivo à reputação de outra pessoa perante terceiros.
No caso, a divulgação do vídeo, contendo ofensas e críticas, aparentemente preenche os elementos caracterizadores desse crime. Além disso, como o conteúdo foi amplamente compartilhado nas redes sociais, aplica-se a causa de aumento de pena prevista no artigo 141, §2º, do Código Penal, que triplica a sanção quando o crime é cometido por meio que facilite sua ampla disseminação, como a internet.
É importante lembrar que o crime de difamação é processado mediante ação penal privada, ou seja, depende de queixa-crime apresentada pela vítima.
Quanto à competência para julgamento, os Juizados Especiais Criminais são competentes para infrações penais de menor potencial ofensivo. Isso desde que a pena máxima cominada ao delito não ultrapasse dois anos, conforme os artigos 60 e 61 da Lei 9.099/95. No entanto, como a causa de aumento de pena eleva a sanção acima de dois anos, a competência recai sobre a Vara Criminal.
Em havendo pedido expresso na queixa-crime, em caso de condenação, o próprio juiz criminal pode fixar o valor mínimo de indenização à vítima da difamação, nos termos do artigo 387, IV, do CPP.
Esfera cível
No âmbito cível, a gravação e divulgação do vídeo sem consentimento configuram violação de direitos. A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso X, assegura a proteção à honra, imagem, intimidade e vida privada, garantindo indenização em caso de violação.
O Código Civil também reforça essa proteção no artigo 20, que exige autorização prévia para a utilização da imagem de alguém, especialmente em situações que possam prejudicar sua honra ou expor a pessoa de forma vexatória.
Nesse caso, pode-se entender a divulgação do vídeo sem permissão, em um contexto que expôs negativamente a passageira, como violação de seus direitos fundamentais. O artigo 186, do Código Civil prevê que quem causa dano, ainda que moral, comete ato ilícito e, conforme o artigo 927, deve repará-lo, cabendo à vítima pleitear indenização por danos morais. Essa responsabilização cível é independente da esfera criminal.
Ainda que o incidente tenha ocorrido em um local público, como o interior de um avião, isso não elimina a necessidade de respeitar a privacidade e a dignidade das pessoas. Estar em um ambiente compartilhado não autoriza a exposição da imagem de terceiros, especialmente em situações que possam gerar constrangimento ou prejuízo à sua reputação.
Em resumo, a autora do vídeo pode ser responsabilizada tanto na esfera penal, pelo crime de difamação majorada, quanto na esfera cível, pelos danos morais causados à passageira.
O caso serve como um importante alerta para os cuidados necessários ao gravar e divulgar conteúdos envolvendo outras pessoas, sobretudo em tempos de redes sociais, espaço no qual a disseminação de informações ocorre de maneira rápida e ampla.
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