Desembargador nega prioridade a advogada gestante

Desembargador nega prioridade a advogada gestante

Desembargador do TRT nega pedido de prioridade em sustentação oral para advogada gestante e causa revolta.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o caso

Uma triste e inesperada notícia tomou conta dos noticiários nos últimos dias: o desembargador Luiz Alberto Vargas, do TRT-4, negou à advogada Marianne Bernardi, 27 anos, e grávida de 8 meses, a prioridade para sustentação oral em julgamento, obrigando-a a esperar 7 horas para iniciar sua manifestação.

desembargador
Foto: Reprodução/Instagram

A advogada teve a preferência para sustentação oral negada por cinco vezes em um julgamento virtual da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Ela teve de esperar de 9h15 até as 16h30 para se pronunciar, mesmo com o pedido de alguns desembargadores integrantes da Turma, do representante do Ministério Público e da representante da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB/RS, pelo deferimento da preferência.

Em suas justificativas, o desembargador Luiz Alberto Vargas afirmou que as prioridades só podem ser concedidas em sessões presenciais. Além disso, Vargas alegou não saber se Marianne estava realmente grávida.

Reações

O fato causou revolta nas redes sociais. Dessa forma, o TRT da 4ª Região emitiu nota pública em que afirma que a posição adotada pelo desembargador não representa o posicionamento do tribunal. A nota diz que “A preferência das gestantes na ordem das sustentações orais é direito legalmente previsto (art. 7-A, III, da Lei 8.906/1994), devendo ser sempre respeitado, além de observado enquanto política judiciária com perspectiva de gênero”.

Na mesma toada, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional RS, publicou nota de repúdio ao desembargador. A instituição afirmou que “O referido magistrado violou, deliberada e reiteradamente, os direitos legalmente assegurados às advogadas…”.

O Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul se manifestou, afirmando se solidarizar com todas as gestantes e lactantes que tiveram seus direitos desrespeitados. Em nota, ressaltou que

“É imperativo garantir o respeito às trabalhadoras gestantes e lactantes, que merecem ser amparadas em seus direitos em todos os ambientes de trabalho, incluindo o Poder Judiciário. A proteção à maternidade e à infância é compromisso que garante a efetiva melhoria das condições de trabalho das gestantes e lactantes como medida de justiça social e de igualdade de condições no exercício profissional”.

Outros casos

Infelizmente esse não foi o primeiro caso de desrespeito aos direitos das advogadas grávidas. Em 2016 acompanhamos o sofrimento da advogada Alessandra Pereira dos Santos, do Distrito Federal, com então 8 meses de gravidez. Ela tinha uma audiência marcada para a semana do parto, e pediu adiamento da data. O pedido foi indeferido, ainda com a sugestão de que deveria renunciar ao mandado procuratório. Esse ato atentatório foi alvo de desagravo público por parte da OAB e o magistrado, Eduardo da Rocha Lee, representado no CNJ.

O que diz a legislação

Importante ressaltar que a Lei n.º 13.363/2016 (conhecida como Lei Julia Matos) alterou o Estatuto da Advocacia (Lei n.º 8.906/94), incluindo o artigo 7º-A, garantindo uma série de direitos específicos para as advogadas. Assim, vejamos:

Lei nº 8.906/94

Art. 7o-A. São direitos da advogada:

I - gestante:

a) entrada em tribunais sem ser submetida a detectores de metais e aparelhos de raios X;

b) reserva de vaga em garagens dos fóruns dos tribunais;

II - lactante, adotante ou que der à luz, acesso a creche, onde houver, ou a local adequado ao atendimento das necessidades do bebê;

III - gestante, lactante, adotante ou que der à luz, preferência na ordem das sustentações orais e das audiências a serem realizadas a cada dia, mediante comprovação de sua condição;

IV - adotante ou que der à luz, suspensão de prazos processuais quando for a única patrona da causa, desde que haja notificação por escrito ao cliente.

§ 1º Os direitos previstos à advogada gestante ou lactante aplicam-se enquanto perdurar, respectivamente, o estado gravídico ou o período de amamentação.

§ 2º Os direitos assegurados nos incisos II e III deste artigo à advogada adotante ou que der à luz serão concedidos pelo prazo previsto no art. 392 do Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho).

§ 3º O direito assegurado no inciso IV deste artigo à advogada adotante ou que der à luz será concedido pelo prazo previsto no § 6o do art. 313 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

A razão para essa gama de direitos garantidos às advogadas, dentre eles o de ter preferência em sustentações orais nos tribunais, é o de proteger a saúde e garantir condições adequadas de trabalho às advogadas em período de gestão, respeitando sua dignidade e o direito ao exercício pleno da profissão.

Portanto, a atitude do desembargador, ao negar a preferência de sustentação oral à advogada Marianne Bernardi, grávida de 8 meses, além de desrespeitar frontalmente o artigo 7º-A, III, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB), também fere princípios básicos de igualdade, dignidade humana, proteção à maternidade e noções básicas de educação e respeito.

Proteger a gestante/lactante é, além de um ato garantidor da dignidade e da saúde da mulher, um ato de proteção ao bebê que está sendo gerado. Isso garante que a criança chegue ao mundo com seus direitos mais básicos preservados, dentre eles o direito a saúde e a dignidade.

Ademais, não custa lembrar que a Constituição Federal, em seu artigo 227, é clara ao dispor que

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Luta pela garantia constitucional

O Brasil caminha, mesmo que a passos lentos, para consolidar uma legislação voltada à proteção das mulheres, em especial das gestantes e lactantes. Atos como esse praticado pelo desembargador Luiz Alberto Vargas vão na contramão da marcha civilizatória. Eles servem como forte alerta para que o poder público, a sociedade, e todos os atores sociais envolvidos não descuidem do relevante papel de garantir os direitos fundamentais, principalmente da camada mais vulnerável da população, que são os que possuem menos condições de fazerem valer esses direitos.

Portanto, garantir igualdade, dignidade e respeito às crianças, às mulheres, aos idosos, aos deficientes, aos excluídos, é essencial para construir uma sociedade livre, justa e solidária, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, como determina a Carta Magna, em seu artigo 3º, ao trazer os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Que possamos nos engajar cada vez mais nessa digna luta!

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