Defensoria Pública obtém decisão que impede mulher trans de ser presa em presídio masculino

Defensoria Pública obtém decisão que impede mulher trans de ser presa em presídio masculino

Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos e hoje vou comentar uma decisão recente, do Tribunal de Justiça do Piauí, que impediu a transferência de uma mulher trans para um presídio masculino.

Trata-se de decisão que decorreu de importante e combativa atuação da Defensoria Pública, o que revela um debate maior sobre como o sistema de justiça lida com pessoas trans privadas de liberdade, com real probabilidade de cobrança em provas das carreiras jurídicas, em especial aquelas que cobram as disciplinas de Direitos Humanos e Execução Penal.

Da pronta atuação da Defensoria Pública e o seu papel na proteção de grupos vulnerabilizados

Ao tomar conhecimento da decisão judicial que determinava a custódia de de uma mulher trans em um presídio exclusivamente masculino, o defensor público responsável pelo seu atendimento, originado em uma audiência de custódia, imediatamente acionou o Tribunal de Justiça para reverter a ordem decisão de primeiro grau.

Veja que a atuação defensorial foi muito além da própria legitimidade ou não da prisão, mas também se fulcrou na dignidade da mulher trans. O remédio processual manejado foi o habeas corpus, instrumento de tutela da liberdade e da integridade física também em situações como a que fora narrada e poderia ter sido impetrado pela Defensoria Pública até mesmo na condição de custos vulnerabilis, caso houvesse advogado constituído nos autos.

trans
Essa postura ativa ilustra, de forma exemplar, a função institucional da Defensoria Pública: ser a voz de quem está em situação de vulnerabilidade, mesmo em cenários complexos, como o cumprimento de mandado de prisão por crime grave (no caso em concreto envolvia a prisão, em cumprimento de mandado, por suposto crime de homicídio ocorrido no ano de 2019.

Percebe-se, assim, que a Defensoria Pública não se limitou a questionar a decisão do juiz de primeira instância. Ela apresentou argumentos de natureza constitucional e internacional, destacando o risco concreto de violência que uma mulher trans sofreria em ambiente prisional masculino, sendo certo que havia manifestação expressa de vontade de sua permanência em um presídio feminino. Essa atuação é coerente com o disposto no art. 134 da Constituição Federal e na Lei Complementar 80/94. Ambas conferem à Defensoria Pública a missão de prestar assistência jurídica integral e gratuita, com enfoque na proteção dos direitos humanos.

A perspectiva da execução penal

Sob o ponto de vista da execução penal, a decisão do TJ-PI reafirma um direito fundamental previsto no art. 3º da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84): ao condenado e ao internado são assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, assegurando-se que não poderá haver qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política. O art. 5º, XLIX, da Constituição também estabelece que é dever do Estado assegurar a integridade física e moral dos presos.

Mais do que uma questão de identidade de gênero, trata-se de segurança e de prevenção de violência sexual, proteção à vida e à integridade física, além da preservação da dignidade da pessoa presa. O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 348/2020 (art. 8º, inciso II, da Resolução), já consolidou a orientação de que pessoas trans devem ser ouvidas sobre onde preferem cumprir pena. Cabe ao Estado providenciar local adequado, respeitando sua identidade de gênero.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal, na ADPF 527, reconheceu como manifesta ilegalidade a custódia de mulheres trans em estabelecimentos masculinos, sem sua concordância, por violação à dignidade humana e ao princípio da não discriminação.

Direitos humanos e padrões internacionais

Sob o prisma internacional, a decisão também encontra respaldo em normas de direitos humanos. As Regras de Mandela (Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Presos), em especial a Regra 2, preveem que nenhuma pessoa presa deve sofrer discriminação com base em sexo ou qualquer outra condição.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em casos paradigmáticos, tem reiterado que o Estado tem dever reforçado de proteger pessoas em situação de especial vulnerabilidade, como mulheres trans privadas de liberdade. A ausência de medidas de proteção pode configurar violação aos arts. 5º (integridade pessoal) e 11 (vida privada) da Convenção Americana de Direitos Humanos.

A decisão também reforça o direito à autodeterminação de gênero, reconhecido pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU (Comentário Geral nº 36) como aspecto essencial da dignidade humana.

Da superlotação carcerária e do risco acrescido pela condição da mulher trans

Outro ponto que merece reflexão é a superlotação do presídio de Bom Jesus, local em que a mulher seria recolhida. A unidade conta com 254 presos para uma capacidade de 183 vagas. A transferência de uma mulher trans para tal ambiente, ainda que em cela especial, não eliminaria o risco de violência. Ao contrário, poderia potencializá-lo, dada a vulnerabilidade estrutural de quem se encontra isolada e sem garantias adequadas.

A decisão do desembargador, ao reconhecer esses riscos, demonstra sensibilidade ao contexto fático e jurídico, evitando que a medida cautelar se convertesse em punição cruel.

O papel da Defensoria Pública e o efeito sistêmico

Casos como o narrado têm efeito para além do processo individual. Eles geram precedentes e pressionam o sistema penitenciário a se adaptar, criando alas específicas, capacitando servidores e evitando decisões judiciais que desconsiderem a identidade de gênero das pessoas custodiadas.

A atuação da Defensoria Pública, portanto, cumpre um papel transformador: ao mesmo tempo em que garante um direito individual, induz políticas públicas mais inclusivas, alinhadas com os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

Como o tema pode cair em prova

Para candidatos de concursos de carreiras jurídicas, em especial para a Defensoria Pública e Ministério Público, esse tema é extremamente relevante, pois conjuga execução penal, direitos humanos e prerrogativas institucionais.

Ademais, é possível que a cobrança ocorra em questões discursivas. Pode-se pedir a elaboração de um habeas corpus, ou em provas objetivas, explorando a jurisprudência da ADPF 527 ou das Regras de Mandela.

Exemplo de questão objetiva (múltipla escolha)

Assinale a alternativa CORRETA:

Considerando os direitos das pessoas trans privadas de liberdade, segundo a jurisprudência do STF (ADPF 527), do STJ e as Regras de Mandela da ONU:

A) A custódia de mulher trans em presídio masculino, contra sua vontade, não configura violação de direitos fundamentais se garantida cela especial.

B) A autodeterminação de gênero não é parâmetro jurídico vinculante para definição do local de cumprimento de pena no Brasil.

C) O Estado tem o dever de assegurar que pessoas trans sejam ouvidas sobre o local onde cumprirão pena, sendo possível a transferência para presídio feminino, ainda que respondam por crimes graves.

D) A transferência de pessoa trans para estabelecimento compatível com sua identidade de gênero é medida discricionária do juiz, podendo ser negada sem fundamentação específica.

Gabarito: C – Conforme a ADPF 527 e a Resolução CNJ 348/2020, o respeito à identidade de gênero é direito fundamental, devendo o Estado assegurar a integridade física e psicológica da pessoa custodiada, inclusive no que se refere ao local de cumprimento da pena.

Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!
0 Shares:
Você pode gostar também