STJ garante ao defensor público o direito de se habilitar em investigação criminal conduzida pelo Ministério Público e supervisionada pelo Juiz das Garantias 

STJ garante ao defensor público o direito de se habilitar em investigação criminal conduzida pelo Ministério Público e supervisionada pelo Juiz das Garantias 

juiz de garantias

Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos e hoje trataremos de um tema bastante interessante e que certamente será cobrado em diversos concursos, em especial provas do Ministério Público, Defensoria Pública e magistratura. 

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 989.426/PR, firmou o seguinte entendimento:

O defensor possui direito público subjetivo à habilitação em procedimento judicial relativo a investigação criminal conduzida pelo Ministério Público sob a supervisão do Juiz das garantias. 

Note-se que a decisão foi publicada na Edição Extraordinária nº 27 do Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e girou em torno da possibilidade de a defesa ter acesso aos autos em que o Juízo das garantias exerce a supervisão judicial da investigação criminal conduzida pelo Ministério Público. 

Prerrogativa do Ministério Público e coerência do sistema

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento conjunto das ADIs 2.943, 3.309 e 3.318, já havia reconhecido a prerrogativa de o Ministério Público conduzir investigações criminais por autoridade própria. 

Ocorre que, por coerência lógica do sistema, essas investigações devem seguir as mesmas regras aplicáveis aos inquéritos policiais, inclusive a supervisão judicial pelo Juiz das garantias, conforme ressaltado pelo STJ na decisão em comento.  

Essa exigência está positivada no art. 3º-B, IV, do Código de Processo Penal, segundo o qual o juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja prática dependa de autorização judicial, devendo ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal. 

Procedimento judicial e medidas invasivas

Assim, quando comunicado sobre a abertura de investigação pelo Ministério Público, o Juiz das garantias instaura um procedimento judicial próprio para o exercício de suas competências, que inclui decisões sensíveis e potencialmente invasivas de direitos fundamentais, como quebras de sigilo e buscas e apreensões. 

E foi justamente nesse contexto que no caso concreto a defesa, em investigação que envolvia apuração de crimes contra a ordem tributária, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro, requereu habilitação nos autos judiciais de supervisão.

Ocorre que o pedido foi indeferido pelas instâncias ordinárias, sob a justificativa de que deveria ser formulado nos autos administrativos do procedimento investigatório criminal (PIC), conduzido no Ministério Público, e não no processo judicial de controle. Essa negativa, sem motivação idônea, foi considerada pelo STJ como cerceamento de defesa e constrangimento ilegal, violando o art. 3º-C, § 3º, do CPP e a Súmula Vinculante nº 14 do STF, que assegura ao defensor o direito de acesso amplo aos elementos de prova já documentados e que digam respeito ao exercício da defesa. 

Distinção entre autos administrativos e judiciais

A Corte ainda ressaltou a distinção fundamental entre os autos administrativos da investigação, que tramitam no âmbito do órgão que a conduz, e os autos judiciais de supervisão, onde se praticam atos jurisdicionais e se decide sobre medidas restritivas de direitos.

Embora o acesso aos autos administrativos possa ser limitado em razão do sigilo de diligências em curso, não é admissível que a defesa seja impedida de acompanhar e intervir, quando necessário, no procedimento judicial de supervisão. Negar a habilitação nesses autos compromete o equilíbrio processual e a efetividade do modelo acusatório. 

Ampliação do alcance da Súmula Vinculante nº 14

Conforme fora bem ressaltado no julgado, esse entendimento se harmoniza com precedentes do próprio STJ e do STF, que ampliam a interpretação da Súmula Vinculante nº 14 para abarcar também situações em que não se trata de defesa de investigados, mas de atuação em prol de vítimas e familiares. No RMS 70.411/RJ, julgado em 18 de abril de 2023 e noticiado no Informativo 775, a Sexta Turma garantiu a familiares de vítimas fatais de homicídio, por meio de seus advogados e defensores públicos, o acesso aos elementos de prova já documentados no inquérito policial, mesmo sem habilitação como assistentes de acusação.

Nesse precedente, o Tribunal destacou que o termo “representado” no enunciado da SV 14 confere amplitude subjetiva à norma, abrangendo outras pessoas legitimamente interessadas na apuração, como vítimas e seus familiares. Além disso, reforçou-se que o sigilo do inquérito, previsto no art. 20 do CPP, não é absoluto e não pode servir de escudo para violar direitos e garantias fundamentais. 

Esses julgados demonstram que consiste em verdadeiro direito subjetivo, às partes interessadas (defesa e vítimas), o acesso aos elementos probatórios e a habilitação em procedimentos judiciais de supervisão, os quais não se restringem a proteger apenas os direitos do investigado, mas também se inserem no âmbito do fortalecimento do controle judicial sobre a investigação, da transparência mínima compatível com o sigilo e da promoção de um devido processo legal efetivo. 

Preparação para concursos públicos

Do ponto de vista da preparação para concursos públicos, esse precedente pode ser explorado de diversas formas. Questões objetivas podem cobrar a literalidade da tese fixada pelo STJ ou o conteúdo normativo dos arts. 3º-B e 3º-C do CPP e da SV 14.  

Já em provas discursivas, é possível que a banca apresente casos de negativa de acesso a autos de supervisão judicial, solicitando a indicação das medidas cabíveis e os fundamentos legais e jurisprudenciais aplicáveis.

Por sua vez, nas provas orais, o examinador pode explorar a distinção entre autos administrativos e autos judiciais no contexto das investigações e o alcance do papel do Juiz das garantias. 

Sob uma perspectiva crítica, a decisão do STJ representa avanço na concretização do modelo acusatório e no fortalecimento da paridade de armas, ao evitar que a condução de investigações pelo Ministério Público reduza a participação da defesa a um papel meramente passivo 

Por fim, é importante ressaltar que os fatos narrados no julgado compreende apenas o direito ao acesso aos autos, mas a possível ilícito penal, tipificado na Lei nº 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade). Essa foi a exata compreensão exigida na questão a seguir, cobrada no concurso do Ministério Público do Estado do Maranhão, em 2025, pela banca AOCP: 

QUESTÃO 58 – MP-MA 2025 – promotor de justiça (AOCP) 

Durante inquérito policial instaurado contra investigado por crime contra a administração pública, seu advogado, regularmente constituído, requereu acesso aos autos somente no que tange aos elementos de convicção já documentados pela autoridade policial. O delegado responsável indeferiu o pedido, sob a justificativa de que o procedimento ainda estava em fase de diligências e que o acesso poderia comprometer a investigação, sem, contudo, justificar por qual razão o acesso aos elementos de convicção já produzidos foi negado. O indeferimento foi mantido mesmo após provocação por meio de nova petição defensiva, na qual foi alegada a incidência da Súmula Vinculante 14 e que o investigado havia sido intimado para prestar esclarecimentos por esse mesmo delegado. Sem conseguir acesso aos autos, a defesa requereu a instauração de inquérito policial, narrando os fatos e comprovando que o delegado continuava a negar o acesso defensivo aos elementos de convicção produzidos. Com base nessa situação hipotética, assinale a alternativa correta. 

a) O indeferimento é legítimo, pois a autoridade policial tem discricionariedade para restringir o acesso à investigação, conforme exceção prevista na súmula vinculante 14. 

b) O Ministério Público deve oferecer denúncia por crime de abuso de autoridade, uma vez que a negativa de acesso aos elementos de prova já documentados, sem fundamentação legal idônea, configura crime. 

c) A negativa de acesso aos autos somente configura abuso de autoridade se houver mandado judicial autorizando expressamente o acesso. 

d) O delegado cometeu crime de prevaricação, uma vez que a ausência de justificativa para a negativa de acesso demonstra a existência de interesse pessoal sub-reptício. 

e) O delegado está correto em sua posição de negar acesso aos autos, porquanto a eventual publicidade do feito, ainda que somente aos investigados, poderia configurar o crime de violação de sigilo funcional. 

Gabarito: Letra B.

A conduta descrita caracteriza crime de abuso de autoridade, nos termos do art. 32 da Lei nº 13.869/2019, por negar ao interessado o acesso aos elementos de prova já documentados e que digam respeito ao exercício da defesa, sem justificativa legal idônea, em afronta à Súmula Vinculante nº 14 do STF. 

Forte abraço e excelentes estudos!!! 

Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!

Concursos 2025

0 Shares:
Você pode gostar também