Da ausência de previsão legal do Despacho Pós-Flagrancial no Sistema Processual Penal

Da ausência de previsão legal do Despacho Pós-Flagrancial no Sistema Processual Penal

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A inclusão da peça “Despacho Pós-Flagrancial” com representação por conversão do flagrante em preventiva nos concursos de Delegado de Polícia do Rio Grande do Norte e Santa Catarina, organizados pela FGV, suscita um debate interessante sobre a adequação e a legalidade da exigência de “peças processuais” não expressamente previstas no Código de Processo Penal brasileiro ou em Leis Penais Especiais.

Essa situação coloca em evidência a dinâmica entre as práticas de avaliação em concursos públicos e a estrita aderência ao ordenamento jurídico vigente.

No Direito Administrativo, despacho é a decisão administrativa proferida por autoridades em assuntos de sua competência. Trata-se de um ato administrativo que expressa uma deliberação, orientação ou comando sobre processos ou procedimentos administrativos. Os despachos podem ser decisórios, quando resolvem definitivamente uma questão, ou não decisórios, quando tratam de aspectos intermediários do processo administrativo, como encaminhamentos e solicitações de pareceres. Eles são fundamentais para a tramitação e conclusão de procedimentos na Administração Pública.

A partir dos gabaritos oficiais dos concursos referidos, percebe-se que o “Despacho Pós-Flagrancial”, elaborado pelo Delegado de Polícia, é um documento que detalha as providências tomadas após a lavratura do auto de prisão em flagrante, podendo incluir medidas como a expedição de nota de culpa, comunicação da prisão à Autoridade Judiciária, ao Órgão Ministerial, e à Defensoria Pública, encaminhamento do autuado para exame preliminar de lesão, entre outras.

O “Despacho Pós-Flagrancial” seria parte do procedimento administrativo policial e teria como escopo garantir que os direitos do detido sejam respeitados, bem como preparar o caso para uma eventual ação penal.

A previsão específica do “Despacho Pós Flagrancial” realizado pelo Delegado de Polícia, tal como uma terminologia ou procedimento legalmente codificado, não foi explicitamente encontrada no Código de Processo Penal e em Leis Processuais Penais Especiais.

Dirigir-se simultaneamente ao Escrivão de Polícia e ao Juiz de Direito no “Despacho Pós-Flagrancial” é inadequado devido à distinção clara de funções e à separação de poderes dentro do sistema jurídico. Enquanto o Escrivão é responsável por cumprir procedimentos administrativos e inquisitoriais internos da polícia, o Juiz de Direito atua em uma esfera de análise jurisdicional, decidindo sobre a legalidade das medidas aplicadas, como a conversão de prisão em flagrante para preventiva. Representar por medida cautelar junto ao Juízo e determinar que o Escrivão de Polícia adote providências no caderno investigatório “na mesma peça” pode gerar confusão procedimental e comprometer a clareza e eficácia do “processo legal”.

A utilização do “Despacho Pós-Flagrancial” para “solicitar” a conversão de prisão em flagrante para preventiva não possui amparo em legislação federal, sendo uma prática inadequada. Essa “solicitação” deveria ser formalmente realizada por meio de uma representação, conforme os procedimentos legais estabelecidos, garantindo a correta tramitação e observância dos princípios jurídicos.

Na fase do inquérito policial, a representação por cautelar é um “pedido” feito geralmente pela Autoridade Policial ou pelo Ministério Público ao Juiz, solicitando a aplicação de medidas cautelares em relação ao investigado. Esse pedido visa assegurar a eficácia das investigações ou a aplicação da lei penal, por exemplo, por meio de prisões temporárias, buscas e apreensões, entre outras. A “representação”, neste contexto, é o documento formal que articula esse pedido, fundamentando-o nas necessidades da investigação e na legislação aplicável.

Então, o meio mais apropriado para solicitar a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, durante a realização de uma audiência de custódia, é a representação. Ela é formalizada por meio de um pedido escrito, geralmente feito pelo Ministério Público ou pela Autoridade Policial, ao Juiz, que exerce a judicatura no Núcleo de Audiência de Custódia, fundamentando a necessidade da conversão com base nas evidências do caso e nas condições legais estabelecidas pelo Código de Processo Penal. A representação permite uma análise detalhada e justificada do pedido em conformidade com o devido processo legal.

Vale lembrar também que a FGV, nos concursos de Delegado de Polícia do Rio Grande do Norte e de Santa Catarina, estabeleceu equivocadamente que o “Despacho Pós-Flagrancial” finaliza o inquérito policial. Tal posicionamento contraria o art. 10 do CPP e o art. 51 da Lei de Drogas, pois o documento adequado para concluir o caderno investigatório instaurado a partir de auto de prisão em flagrante (peça inaugural do inquérito) é o “Relatório de Conclusão”, e não o “Despacho Pós-Flagrancial”, termo este não usual ou formalmente reconhecido no Direito Processual Penal.

Portanto, quando se fala em “encerramento” do inquérito policial instaurado a partir da lavratura de auto de prisão em flagrante, será elaborado um relatório pelo Delegado de Polícia que encaminha “o feito” ao Ministério Público e ao Poder Judiciário para as providências subsequentes. Este relatório pode ser entendido como parte do inquérito policial, e deve sugerir ou não a instauração de ação penal contra o indivíduo preso em flagrante, respeitado o Princípio Constitucional da Independência Funcional do Membro do Ministério Público.

Essa distinção é importante para entender o fluxo do processo penal, onde o papel do Delegado de Polícia na fase investigativa e a subsequente atuação do Órgão Ministerial e do Poder Judiciário são regidos por procedimentos específicos definidos no CPP e outras legislações pertinentes.

Não é incorreto que, ao finalizar um inquérito policial iniciado por auto de prisão em flagrante, o Delegado de Polícia, lotado em uma Central de Flagrantes, inclua no relatório final uma representação pela conversão do flagrante em prisão preventiva. Tanto o relatório quanto a representação são procedimentos previstos no Código de Processo Penal. Essa prática é adotada especialmente porque o Juiz, que exerce a judicatura no Núcleo de Audiência de Custódia, não pode converter o flagrante em preventiva de ofício (sem a provocação de um dos legitimados).


Se uma peça como o “Despacho Pós-Flagrancial” estiver prevista em norma estadual, em normas internas da Polícia Judiciária local, ou se for uma praxe cartorária específica de determinado estado, é essencial que tal informação seja expressamente indicada no edital do concurso público. A ausência dessa especificação poderia resultar em uma vantagem injusta para os candidatos familiarizados com essas práticas em detrimento daqueles que não têm conhecimento delas, comprometendo os princípios de igualdade, impessoalidade e moralidade que regem os concursos públicos.

Entendo que é ilegal a cobrança de uma peça prática não prevista no ordenamento jurídico em concursos de Delegado de Polícia. Há violação aos princípios básicos do Direito Administrativo como Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, estabelecidos no art. 37 da Constituição Federal. Ademais, é importante que os concursos públicos se pautem estritamente pelas normas vigentes, garantindo igualdade de condições a todos os candidatos e evitando arbitrariedades ou favorecimentos indevidos.

A exigência de uma peça prática não prevista no ordenamento jurídico em concursos de Delegado de Polícia pode comprometer o princípio da igualdade de condições entre os candidatos, essencial para a lisura de tais processos seletivos. Essa prática pode criar uma disparidade injusta, beneficiando candidatos que, porventura, tenham tido acesso a um treinamento específico e não amplamente disponível, violando a competitividade equânime que deve reger os concursos públicos. Assim, para garantir a igualdade, todas as provas e critérios de avaliação devem estar expressamente estabelecidos no edital, baseando-se estritamente na legislação vigente.

Embora a terminologia “Despacho Pós-Flagrancial” como tal não seja explicitamente mencionada no Código de Processo Penal e nas Leis Processuais Penais Especiais, as funções e responsabilidades do Delegado de Polícia em avaliar e decidir sobre os procedimentos após uma prisão em flagrante estão expressamente estabelecidas na lei, reforçando seu papel crucial na fase inicial do processo penal.

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