É (in) constitucional o uniforme da seleção brasileira ser vermelho?

É (in) constitucional o uniforme da seleção brasileira ser vermelho?

De início, vazou a ideia de uma recente decisão da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) de adotar um uniforme vermelho como segundo uniforme da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 2026.

O site ‘Footy Headlines’, especialista em uniformes de futebol, foi quem primeiramente deu a informação. O novo uniforme terá uma base vermelha, que desbotam gradativamente até preto, abandonando as tradicionais cores da bandeira. A camisa, com previsão de lançamento em março de 2026, ainda traria outra novidade: o logotipo da Jordan, marca ligada ao ícone Michael Jordan, substituiria o tradicional símbolo da Nike.

Entretanto, o tema suscita importantes debates jurídicos, como veremos abaixo.

Uniforme

Além da crítica especializada tornar a trazer o tema, num tom crítico de falta de identidade, optamos aqui por tentar trazer o assunto no viés jurídico.

Isto porque, em síntese, caso confirmado, temos um tema que representa uma ruptura com uma tradição de mais de seis décadas. Assim, isso pode enfrentar obstáculos legais significativos.

Assim, enfrentaremos se a substituição do tradicional “verde e amarela” por uma cor que não compõe a bandeira nacional levanta questões sobre legalidade, constitucionalidade e respeito às normativas que regem a entidade máxima do futebol brasileiro…

Limites estatutários e possível ilegalidade

De início, numa questão estatutária, como se sabe, o estatuto da CBF, em seu capítulo III, artigo 13, inciso III, é cristalino ao estabelecer que:

"os uniformes obedecerão às cores existentes na bandeira da CBF e conterão o emblema descrito no inciso II deste artigo [...] não sendo obrigatório que cada tipo de uniforme contenha todas as cores existentes na bandeira e sendo permitida a elaboração de modelos comemorativos em cores diversas, sempre mediante aprovação da Diretoria".

Ora, o que temos aquie é que há restrição estatutária que restringe o uso a quatro cores específicas: azul, amarelo, verde e branco.

Nessa linha, qualquer cor que saia desse modelo, temos uma restrição no estatuto, de maneira que outras cores não estão nesse rol.

Dessa forma, a adoção do vermelho como cor oficial para um ciclo completo de Copa do Mundo configura, em análise preliminar, violação direta do texto estatutário.

Há exceção estatutária?

Sim. A única brecha possível seria enquadrar o uniforme vermelho como “modelo comemorativo”.

Dessa maneira, o próprio estatuto prevê apenas uma exceção à regra das cores: a elaboração de “modelos comemorativos em cores diversas“, condicionada à aprovação da Diretoria da entidade.

Isso já aconteceu?

Sim. Houve um precedente desta exceção ocorreu em junho de 2023, quando a Seleção utilizou uma camisa preta especial em amistoso contra Guiné, como manifestação contra o racismo e em homenagem ao jogador Vinícius Júnior.

No entanto, parte da doutrina entende que esse caso enquadra-se perfeitamente na exceção prevista, por se tratar de evento comemorativo com propósito específico e pontual. O que seria diferente de usar numa copa do mundo.

Quais seriam os problemas de usar uma camisa de outra cor, na opinião de quem entende inconstitucional?

Em síntese, usar a camisa vermelha na Copa do Mundo não estaria na exceção contida no Estatuto da CBF, uma vez que:

  1. A natureza da exceção é destinada a eventos pontuais e específicos;
  2. Uma Copa do Mundo, por definição, é o evento principal do ciclo, não uma comemoração excepcional;
  3. Não haveria evento comemorativo específico identificado que justifique a alteração.

Em resumo, estender o conceito de “modelo comemorativo” para abarcar um uniforme oficial de Copa do Mundo pareceria contrariar as boas técnicas de interpretação jurídica para quem entende pela inconstitucionalidade.

Aprofundando um pouco mais

Há quem entenda que a discussão pode ser elevada ao plano constitucional, sob dois aspectos:

Símbolos nacionais

De início, a Constituição Federal, em seu artigo 13, §1º, estabelece que “são símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais“.

Ademais, a Lei nº 5.700/71, que dispõe sobre os símbolos nacionais, explicita em seu artigo 26 que “consideram-se cores nacionais o verde e o amarelo”.

Dessa maneira, embora não exista previsão legal expressa sobre as cores dos uniformes esportivos das seleções nacionais, haveria uma vinculação histórica e cultural entre a representação esportiva e os símbolos nacionais, reconhecida inclusive pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos sobre a proteção de símbolos pátrios1.

Em outras palavras, que entende pela inconstitucionalidade argumenta que a alteração radical de um elemento tradicional da representação esportiva nacional poderia ser questionada sob o prisma da proteção constitucional à identidade nacional.

Princípio da legalidade administrativa

Por fim, a CBF, embora seja pessoa jurídica de direito privado, exerce função de caráter público na administração do desporto nacional, conforme reconhecido pela Lei Pelé (Lei 9.615/98).

Nesta condição, suas decisões devem observar o princípio da legalidade em sentido amplo, que abrange o respeito às normas estatutárias. Logo, se não há previsão no estatuto da CBF para usar outras cores, isso seria ilegal.

Em resumo, como tudo que é no Brasil vai parar no Judiciário, eu não desconfiaria que isso estará sendo decidido em breve.


  1. MAGALHÃES, Allan Carlos Moreira. Os símbolos nacionais numa sociedade plural. Consultor Jurídico. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2024-out-01/os-simbolos-nacionais-numa-sociedade-plural/>. ↩︎

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