Conduta de juíza em audiência virtual trabalhista e ata de audiência – Análise Jurídica

Conduta de juíza em audiência virtual trabalhista e ata de audiência – Análise Jurídica

Contextualização do incidente

Em 20 de agosto de 2024, durante uma audiência virtual da Justiça do Trabalho, a juíza Cleuza Gonçalves Lopes, do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-18), em Goiânia, protagonizou um incidente que gerou discussões sobre conduta judicial e ética na magistratura.

A situação foi parcialmente registrada em vídeo e amplamente divulgada.

O caso em debate aqui registra estudo de docência apenas no que tange às discussões da “ata”, ou seja, sobre o que deve ser colocado ou não em ata.

Declarações da Magistrada

O registro inclui as seguintes declarações da juíza Cleuza Gonçalves Lopes:

"A ata é minha, eu escrevo o que eu quiser nela. Que merda de diferença faz? É isso mesmo. Odeio fazer audiência virtual. Odeio. E não é pouco não. Todo mundo acha que é juiz nas audiências virtuais."

"Olha, que bonitinho, depois de 40 anos eu estou aprendendo como é que pergunta para testemunha."

"É só levantar a minha parcialidade e eu vou declarar com o maior prazer; um processo a menos para julgar, ainda mais um banco. Vou ter uma alegria enorme. Eu tenho 300 processos por mês, não vai fazer diferença."

“Que merda de diferença faz”.

Vamos, primeiramente, fazer uma análise sobre as atas de audiência.

Análise da ata de audiência trabalhista

Natureza da ata e seu conteúdo

A ata de audiência trabalhista é um documento oficial que registra os principais acontecimentos e declarações ocorridos durante a sessão.

Ela tem valor probatório e serve como referência para as partes e para eventuais recursos.

No processo trabalhista, o art. 851 da CLT destaca sua relevância:

"Os trâmites de instrução e julgamento da reclamação serão resumidos em ata, de que constará, na íntegra, a decisão."

No incidente em questão, surgiu uma controvérsia sobre o conteúdo da ata.

A advogada apontou que a magistrada havia omitido uma informação relevante, enquanto a juíza argumentou que a informação não estava suficientemente provada para ser incluída.

Segundo Mauro Schiavi, em seu “Manual de Direito Processual do Trabalho”:

"A ata de audiência é um documento público que retrata fielmente os atos ocorridos em audiência. Deve conter todos os fatos relevantes ocorridos, bem como os requerimentos das partes e as decisões do juiz."

Discricionariedade do juiz vs. precisão do registro

Existe uma tensão entre a discricionariedade do juiz na condução da audiência e a necessidade de um registro preciso e completo.

Conduta

A declaração da juíza de que “A ata é minha, eu escrevo o que eu quiser nela” levanta questões sobre os limites dessa discricionariedade. Embora o juiz presida a audiência e tenha a prerrogativa de ditar o conteúdo da ata, esta discricionariedade não é absoluta.

O TST já se manifestou sobre a importância do conteúdo da ata:

“NULIDADE. ATA DE AUDIÊNCIA. CONTEÚDO. A ata de audiência, como instrumento público, goza de fé pública e deve retratar fielmente os atos nela praticados.”

(TST-RR-1089-80.2010.5.09.0671, 8ª Turma, Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 13/11/2015)

Obviamente, não é possível aferir se o “conteúdo” a ser registrado solicitado pela advogada é realmente verossímil e reflete a verdade dos autos.

Carlos Henrique Bezerra Leite, em “Curso de Direito Processual do Trabalho”, argumenta:

"As partes têm o direito de requerer o registro na ata de protestos e ocorrências que considerem relevantes para a defesa de seus interesses. O juiz só pode negar tal registro se o conteúdo for manifestamente impertinente ou ofensivo."

O TRT da 3ª Região já decidiu:

“CERCEAMENTO DE DEFESA. RECUSA DE REGISTRO EM ATA. Configura cerceamento de defesa a recusa do Juízo em registrar em ata protestos ou requerimentos da parte, desde que pertinentes e respeitosos.”

(TRT-3 – RO: 00109372320175030134 MG 0010937-23.2017.5.03.0134, Relator: Jose Eduardo de Resende Chaves Jr, Data de Julgamento: 22/05/2019, Primeira Turma)

Assim, os advogados têm o direito de requerer o registro de fatos e protestos na ata, mas isso não significa que tudo o que solicitam deve ser automaticamente incluído.

Homero Batista Mateus da Silva, em “Curso de Direito do Trabalho Aplicado”, observa também:

"O advogado pode e deve requerer o registro de fatos relevantes, mas cabe ao juiz avaliar a pertinência do pedido. O importante é que a ata reflita de maneira fidedigna os acontecimentos essenciais da audiência."

A grande dúvida no caso é se a solicitação da advogada foi “impertinente ou desrespeitosa” para que a juíza negasse o atendimento do registro em ata.

Implicações

Entretanto, a omissão de informações relevantes na ata pode ter implicações significativas:

Pode afetar o direito de defesa das partes.

Pode ser base para recursos ou pedidos de correção da ata.

Em casos extremos, pode levar a arguições de nulidade processual.

Aspectos legais e éticos relevantes

A conduta da juíza levanta questões em relação ao Código de Ética da Magistratura Nacional, aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Especificamente:

Art. 22: "O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça."
Art. 37: "Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções."

A Lei Complementar nº 35/1979 (LOMAN) estabelece:

Art. 35, IV: "É dever do magistrado tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência."

O CPC de 2015 também traz disposições relevantes:

Art. 139, I: "O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: I - assegurar às partes igualdade de tratamento;"

Ao utilizar linguagem imprópria no que tange ao “palavrão”, é possível interpretar a conduta da juíza como uma violação deste dever. O uso de linguagem vulgar e o tratamento desrespeitoso direcionado à advogada e às partes parecem violar diretamente estes preceitos éticos.

Considerações sobre o contexto incompleto

É importante notar que o vídeo divulgado não mostra a audiência completa. Portanto:

  1. Não é possível determinar se houve provocações ou desrespeito prévio por parte da advogada ou outros participantes.
  2. O contexto completo da discussão sobre a ata não está claro.
  3. Não se sabe sobre eventuais justificativas ou explicações da magistrada fora do trecho da gravação.

Dependendo da relevância das informações omitidas na ata, pode-se questionar a validade dos atos processuais realizados na audiência, isto porque, não se sabe se há impertinência ou afronta na solicitação da advogada.

Audiências virtuais e decoro judicial

O incidente destaca os desafios específicos das audiências virtuais:

  1. Necessidade de adaptação dos magistrados às novas tecnologias.
  2. Importância de manter o decoro e a formalidade mesmo em ambientes virtuais.
  3. Potencial maior exposição de condutas inadequadas devido à facilidade de gravação.

Incertezas quanto ao desfecho

Além disso, dada a complexidade do caso e as informações incompletas, é difícil prever com certeza o desfecho deste incidente. Possíveis cenários incluem:

  1. Arquivamento do caso após investigações preliminares.
  2. Abertura de processo administrativo disciplinar com possíveis penalidades.
  3. Recomendações para treinamento ou orientação adicional sobre conduta em audiências virtuais.

Todavia, o resultado dependerá de uma investigação mais aprofundada e da consideração de todos os fatos e contextos relevantes.

Considerações finais

Importante ressaltar que o vídeo divulgado apresenta apenas um recorte da audiência. A análise completa do incidente requer uma investigação mais aprofundada, considerando o contexto integral da audiência e as interações entre todos os presentes.

Desse modo, o episódio evidencia a necessidade de equilíbrio entre a autoridade do magistrado na condução da audiência e o direito das partes de terem seus argumentos e protestos devidamente registrados.

Por fim, ressalta-se também os desafios das audiências virtuais e a importância da manutenção do decoro e da urbanidade em todas as formas de interação judicial.


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