CNJ aplica punição a desembargador que associou Lula ao Comando Vermelho: veja a justificativa e as repercussões no meio jurídico.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o caso – CNJ pune desembargador
O Conselho Nacional de Justiça aplicou pena de disponibilidade, por 60 dias, ao desembargador Marcelo Lima Buhatem, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por divulgar conteúdos de natureza político-partidária em suas redes sociais, incluindo postagens de apoio a Bolsonaro e insinuando a associação de Lula ao Comando Vermelho.
Segundo os conselheiros, o desembargador comprometeu a imagem do Judiciário ao divulgar as mensagens, contrariando os deveres de imparcialidade, discrição e decoro exigidos pela magistratura.
O conteúdo com teor político-partidário foi encontrado no perfil pessoal do desembargador na plataforma LinkedIn. Ele encaminhou mensagens de grande alcance e publicações cujo teor questionava a credibilidade do sistema judicial e eleitoral brasileiro.
Em uma das mensagens enviadas via Whatsapp, o desembargador associava o presidente Lula ao Comando Vermelho: “Lula é convidado de honra do Comando Vermelho”.
Em outra postagem, ao comentar a capa da Folha de São Paulo com uma pesquisa Datafolha antes do primeiro turno, escreveu: “Isso sim, tinha que está (sic) no Inquérito das Fake News! Ato contra democracia!”.
Algumas postagens do magistrado punido:
Em resumo, a Corregedoria Nacional de Justiça identificou:
- Mensagens de apoio a Bolsonaro;
- Mensagens associando Lula ao Comando Vermelho;
- Mensagens desacreditando o sistema eleitoral;
- Mensagens criticando ministro do STF;
- Mensagens desacreditando pesquisas eleitorais;
- Mensagens desacreditando o sistema judicial brasileiro.
Em outubro de 2024, o desembargador teve suas redes sociais suspensas por decisão do corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, que apontou reincidência nas condutas investigadas mesmo depois de já instaurado procedimento investigatório na Corregedoria.
Buhatem alegou que:
- Não produziu conteúdo próprio com viés político-partidário;
- As postagens referidas se limitavam a curtidas ou compartilhamentos de materiais de terceiros, inclusive de veículos de imprensa;
- Não manifestou opinião pessoal nas publicações; e
- A nova conta identificada no Twitter não teve sua autoria comprovada.
Análise Jurídica – pune desembargador
A Constituição Federal, em seu artigo 95, parágrafo único, inciso III, e a LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional, fixaram diretrizes com o fim de compatibilizar a liberdade de expressão dos magistrados com as restrições próprias das suas atribuições, incluindo a mitigação da liberdade de manifestação política, dispondo textualmente que “aos juízes é vedado dedicar-se à atividade político-partidária”.
E as postagens do desembargador teriam violado esse dever, comprometendo a neutralidade exigida pela função.
Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: ... Parágrafo único. Aos juízes é vedado: I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; III - dedicar-se à atividade político-partidária. IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. (CF/88)
O artigo 31, do Provimento CNJ nº 165/2024, é cristalino:
“A liberdade de expressão, como direito fundamental, não pode ser utilizada pela magistratura para afastar a proibição constitucional do exercício de atividade político-partidária”.
O desembargador publicou uma série de postagens com conteúdo político, muitos deles com conteúdo ofensivo e desarrazoado.
A Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN), no art. 26, I, c, consigna o impedimento do exercício da atividade político-partidária por parte dos magistrados.
Já o Código de Ética da Magistratura, em seu art. 16, dispõe que o magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, sabendo que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições pessoais distintas dos cidadãos em geral.
O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, ao elaborar comentários sobre os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, registrou observações sobre a imparcialidade necessária aos magistrados no tocante a debates públicos e opiniões expressadas em público sobre o governo:
“Um juiz, como qualquer outro cidadão tem direito à liberdade de expressão, crença, associação e reunião de pessoas, mas ao exercer tais direitos, deve sempre conduzir-se de maneira tal que preserve a dignidade do ofício judicante e a independência do Judiciário…
Um juiz não deve envolver-se inapropriadamente em debates públicos. A razão é óbvia. A verdadeira essência de ser juiz é ser hábil para abordar os vários problemas que são objetos de disputas de maneira objetiva e judicial. É igualmente importante que o juiz deve ser visto pelo público como exibindo um tipo de abordagem desinteressada, imparcial, não-preconceituosa, de mente aberta e justa que é a marca distintiva de um juiz. Se um juiz entra na arena política, participa de debates públicos, expressa opiniões sobre assuntos controversos, entra em disputa com figuras públicas da comunidade ou critica publicamente o governo, ele não será visto como atuando judicialmente quando presidir como juiz em uma corte e decidir litígios a respeito dos quais tenha expressado opiniões em público ou talvez mais importante, quando as figuras públicas ou departamentos do governo que ele tenha criticado anteriormente sejam partes ou litigantes ou até mesmo testemunhas em casos sob sua atuação.”
A vedação de atividade político-partidária aos membros da magistratura não se restringe à prática de atos de filiação partidária, abrangendo a participação em situações que evidenciem apoio público a candidato(a) ou a partido político (artigo 31, §1º, do Provimento CNJ nº 165/2024).

Portanto, aos juízes não é vedado apenas a filiação a partidos políticos e o engajamento em militâncias partidárias. Demonstrar apreço ou desapreço a candidatos, lideranças políticas e partidos políticos também são condutas vedadas.
Especificamente em relação à conduta do magistrado nas redes sociais, a Resolução CNJ nº 305/2019, em seu artigo 4º, II e III, veda as seguintes condutas:
II – Emitir opinião que demonstre atuação em atividade político-partidária ou manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos (art. 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal; art. 7º do Código de Ética da Magistratura Nacional);
III – Emitir ou compartilhar opinião que caracterize discurso discriminatório ou de ódio, especialmente os que revelem racismo, LGBT-fobia, misoginia, antissemitismo, intolerância religiosa ou ideológica, entre outras manifestações de preconceitos concernentes a orientação sexual, condição física, de idade, de gênero, de origem, social ou cultural (art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal; art. 20 da Lei nº 7.716/89);
O relator arrematou:
“Afigura-se incontroverso que as mensagens veiculadas pelo Desembargador Marcelo Lima Buhatem em suas redes sociais violaram os deveres impostos à magistratura. A prova carreada aos autos não permite outra conclusão, em que pese alegação em contrário da defesa”
Com base em todas as normas aplicáveis ao caso e aos fatos apurados, o CNJ não teve outra opção a não ser reconhecer a quebra do dever funcional, e punir o desembargador.
Tema muito interessante para provas da Magistratura e do Ministério Público.
CNJ pune desembargador
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