CNJ recomenda aos juizes criminais: Polícia Militar não deve investigar

CNJ recomenda aos juizes criminais: Polícia Militar não deve investigar

Prof. Gustavo Cordeiro

A decisão unânime do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que aprovou recomendação nacional aos magistrados criminais sobre a vedação de investigações conduzidas pela Polícia Militar não apenas reafirma o desenho constitucional das polícias no Brasil, mas também acende um alerta vermelho para candidatos a concursos jurídicos: a repartição de competências investigatórias entre Polícia Civil e Polícia Militar é tema constitucional sensível, com reflexos diretos em Direito Constitucional, Processual Penal e Direitos Humanos — e está na mira das bancas examinadoras.

Se você está se preparando para Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública ou para Delegado, precisa compreender com precisão técnica o que a Constituição estabelece, o que a jurisprudência consolidou e, principalmente, como juízes devem agir diante de pedidos investigatórios apresentados diretamente pela PM. Este artigo vai direto ao ponto: doutrina, jurisprudência e aplicação prática para concursos.

O fundamento constitucional: art. 144, CF/88 — quem investiga e quem ostenta

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um modelo dual de polícia, dividindo funções entre polícia ostensiva e polícia investigativa. Essa separação não é acidental — reflete uma escolha política e institucional clara do constituinte originário, que atribuiu papéis específicos a cada corporação policial.

De acordo com o art. 144, § 4º, da CF/88, às polícias civis, dirigidas por delegados de carreira, incumbem as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais (exceto as militares). Já o § 5º do mesmo artigo determina que às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.

Esse desenho institucional não é mera formalidade administrativa. Trata-se de norma constitucional que distribui competências funcionais de forma excludente: a Polícia Civil investiga, a Polícia Militar patrulha. A invasão de uma esfera pela outra configura usurpação de competência e viola o princípio da legalidade estrita que rege a Administração Pública.

Polícia Militar

A lógica é simples: a função investigativa exige continuidade, expertise técnica e instrumental jurídico-processual específico. A Polícia Civil, como polícia judiciária, atua sob a presidência formal do Delegado de Polícia, que possui atribuição privativa (não meramente concorrente) para investigar infrações penais comuns, instaurar inquéritos, representar por medidas cautelares e colaborar diretamente com o Ministério Público na persecução penal.

A Polícia Militar, por sua vez, possui missão preventiva e imediata: atua na preservação da ordem pública, na repressão imediata de delitos flagrantes e no patrulhamento ostensivo. Pode prender em flagrante, pode atender ocorrências, mas não pode investigar autonomamente nem requerer diretamente ao Judiciário medidas invasivas sujeitas à reserva de jurisdição (como busca e apreensão domiciliar, interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário etc.).

A decisão do CNJ: recomendação nacional aos Magistrados

O procedimento apreciado pelo CNJ teve origem em caso envolvendo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e buscava esclarecer uma situação concreta que vinha se tornando recorrente: juízes criminais estavam recebendo e, em alguns casos, deferindo pedidos de busca e apreensão domiciliar ou outras medidas investigatórias apresentados diretamente pela Polícia Militar, sem qualquer intermediação da Polícia Civil ou do Ministério Público.

O relator do caso no CNJ, conselheiro Pablo Coutinho Barreto, enfatizou que o objetivo do julgamento era reafirmar a repartição constitucional de competências prevista no art. 144 da CF/88. Em seu voto, destacou que a Polícia Militar não possui legitimidade para requerer mandados de busca e apreensão nem representar diretamente ao Judiciário por medidas sujeitas à reserva de jurisdição, salvo nos casos de infrações militares (que são de sua competência exclusiva, nos termos do § 4º do art. 144).

O voto invocou precedentes do STF e do STJ, além de destacar a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Escher vs. Brasil (2009), quando o Estado brasileiro foi responsabilizado internacionalmente por autorizar investigações conduzidas pela Polícia Militar do Paraná, violando garantias fundamentais de privacidade e devido processo legal.

Com base nesses fundamentos, o CNJ aprovou por unanimidade recomendação nacional determinando que:

  1. Juízes devem submeter à manifestação prévia do Ministério Público qualquer pedido de busca e apreensão ou medida investigatória apresentada diretamente pela Polícia Militar;
  2. Caso o Ministério Público não subscreva o pedido, o magistrado deverá avaliar expressamente a legitimidade da PM e a conformidade constitucional do ato antes de decidir;
  3. O cumprimento das ordens judiciais de busca e apreensão deve ocorrer com acompanhamento da Polícia Judiciária (Civil) ou do Ministério Público, ainda que a diligência tenha sido originalmente requerida pela PM.

Por que isso importa para concursos públicos?

A decisão do CNJ não cria direito novo — ela reafirma o que já estava na Constituição desde 1988. Mas essa reafirmação institucional tem efeito pedagógico e normativo relevante: expõe uma zona cinzenta de atuação prática que parte da magistratura vinha explorando de forma equivocada e que agora deve surgir nas provas de Direito Constitucional e Processual Penal.

Para candidatos a Juiz, o recado é claro: não basta deferir ou indeferir pedidos com base na urgência ou conveniência. É preciso analisar a legitimidade ativa do requerente, sob pena de violação à ordem constitucional de competências. Juízes que recebem pedidos investigatórios da PM sem submeter ao MP ou sem fundamentar a excepcionalidade podem estar contrariando não apenas a Constituição, mas também a recomendação do CNJ, órgão de controle administrativo e funcional do Judiciário (art. 103-B, § 4º, I, CF/88).

Para candidatos a Promotor de Justiça, a decisão reforça o papel do Ministério Público como titular da ação penal e fiscal da legalidade investigativa. Deve-se intimar o MP sempre que houver pedido da PM, justamente para verificar se há amparo constitucional ou se se trata de usurpação de competência.

Para candidatos a Delegado de Polícia, a decisão protege a exclusividade funcional da Polícia Civil na investigação criminal. Reforça que a função de polícia judiciária não é compartilhável com a PM, salvo nas infrações penais militares.

Para candidatos a Defensor Público e Procurador, o tema é relevante para fundamentar nulidades processuais: provas colhidas por autoridade incompetente (PM investigando autonomamente) podem ser questionadas como ilícitas por derivação, contaminando toda a cadeia probatória subsequente.

O precedente internacional: caso Escher vs. Brasil (corte IDH, 2009)

A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil no caso Escher e outros vs. Brasil (2009) justamente porque a Polícia Militar do Paraná conduziu investigação criminal com interceptação telefônica autorizada judicialmente, violando o devido processo legal e as garantias fundamentais dos investigados.

A Corte considerou que a atribuição de funções investigatórias à Polícia Militar, órgão com formação e estrutura voltadas ao patrulhamento ostensivo e uso da força, representa risco institucional aos direitos humanos, especialmente em contextos de apuração de crimes comuns contra civis.

Esse precedente é constantemente citado pela doutrina e jurisprudência brasileira como fundamento para rechaçar qualquer tentativa de ampliação das competências investigatórias da PM. E agora foi expressamente mencionado pelo CNJ, o que reforça sua força argumentativa em peças processuais, pareceres ministeriais e decisões judiciais.

Quadro comparativo: Polícia Civil x Polícia Militar

CritérioPolícia CivilPolícia Militar
Função constitucionalPolícia judiciária e investigaçãoPolícia ostensiva e ordem pública
ComandoDelegado de Polícia de carreiraOficiais militares
Pode instaurar inquérito?Sim, privativamente (crimes comuns)Não (salvo crimes militares)
Pode representar por busca e apreensão?SimNão
Pode prender em flagrante?SimSim
SubordinaçãoGoverno estadual (civil)Governo estadual (militar)

Como isso pode cair na prova: questão comentada

Questão Simulada (estilo Magistratura/MP)

Determinado juiz criminal recebeu representação da Polícia Militar solicitando autorização para busca e apreensão domiciliar em residência suspeita de armazenar drogas ilícitas. O pedido foi instruído com relatório de patrulhamento ostensivo e denúncia anônima. Diante desse cenário e com base na Constituição Federal de 1988 e na recente decisão do Conselho Nacional de Justiça sobre o tema, assinale a alternativa correta:

a) O juiz pode deferir diretamente o pedido, pois a Polícia Militar possui poder de polícia geral e pode representar por medidas cautelares em crimes de qualquer natureza.

b) O juiz deve indeferir liminarmente o pedido, pois a Polícia Militar não possui legitimidade ativa para representar por busca e apreensão em crimes comuns, devendo encaminhar o caso à Polícia Civil.

c) O juiz deve submeter o pedido à manifestação prévia do Ministério Público, e caso o MP não o subscreva, deverá avaliar expressamente a legitimidade da PM e a conformidade constitucional antes de decidir.

d) O juiz pode deferir o pedido, mas deve determinar que o cumprimento da medida ocorra exclusivamente pela Polícia Militar, sem necessidade de acompanhamento da Polícia Civil ou do MP.

e) O juiz deve conceder a medida imediatamente, pois a urgência na repressão ao tráfico de drogas autoriza a flexibilização da regra constitucional de competência investigatória.

Gabarito: Alternativa C

Explicação:

A alternativa C está correta porque reproduz fielmente a orientação aprovada por unanimidade pelo CNJ: o magistrado deve submeter à manifestação do Ministério Público qualquer pedido de busca e apreensão ou medida investigatória apresentado pela Polícia Militar. Caso o MP não subscreva o pedido, o juiz deverá avaliar expressamente a legitimidade da PM e a conformidade do ato com a Constituição Federal antes de decidir. Essa solução respeita a repartição constitucional de competências (art. 144, §§ 4º e 5º, CF/88), prestigia o papel do MP como titular da ação penal e fiscal da legalidade, e evita abusos investigatórios.

A alternativa A está errada porque a Polícia Militar não possui legitimidade para representar por medidas cautelares em crimes comuns. Sua competência investigativa limita-se a infrações penais militares.

A alternativa B está incorreta porque, embora seja verdade que a PM não possui legitimidade autônoma, o juiz não deve indeferir liminarmente sem antes ouvir o Ministério Público, conforme recomendação do CNJ.

Já a alternativa D está errada porque o cumprimento de ordens judiciais de busca e apreensão deve ocorrer com acompanhamento da Polícia Judiciária (Civil) ou do Ministério Público, conforme recomendação expressa do CNJ.

E a alternativa E está errada porque não existe “urgência” que autorize violação da ordem constitucional de competências. A gravidade do crime investigado não legitima usurpação de função constitucional privativa.

Conclusão estratégica: memorize e aplique

Para provas objetivas: lembre-se sempre de que a Polícia Militar NÃO investiga crimes comuns. Sua função é ostensiva e preventiva. Qualquer questão que sugira que a PM pode representar autonomamente por medidas invasivas está errada.

Para provas discursivas: fundamente suas respostas no art. 144, §§ 4º e 5º, da CF/88, cite o caso Escher vs. Brasil (Corte IDH, 2009) e mencione a recente recomendação do CNJ, que reforça a necessidade de controle judicial rigoroso sobre a legitimidade investigatória.

Para peças práticas (sentença, parecer ministerial, recurso): sempre que houver menção a investigação conduzida pela PM, questione a legitimidade, invoque a violação constitucional e argumente pela nulidade das provas eventualmente colhidas de forma irregular.

A mensagem do CNJ é institucional e pedagógica: juízes devem ser guardiões da Constituição, não facilitadores de invasão de competências. E você, concurseiro, deve estar preparado para identificar e aplicar corretamente essa distinção fundamental entre as polícias brasileiras.


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