CCJ da Câmara aprova fim do aborto

CCJ da Câmara aprova fim do aborto

CCJ da Câmara aprova proposta para proibir o aborto no Brasil. Entenda as mudanças, os debates e os impactos dessa decisão.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

fim do aborto
Maurício Marcon (no canto direito), durante debate, na Câmara dos Deputados, sobre fim do aborto — Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Polêmica na CCJ da Câmara

Uma notícia vinda da Câmara dos Deputados promete dar o que falar: a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara acaba de aprovar, por 35 votos a favor a 15 contra, uma proposta de Emenda à Constituição que proíbe o aborto no Brasil, mesmo nas situações já autorizadas em lei ou por decisão do Supremo Tribunal Federal (PEC nº 164/2012)

Essa PEC foi apresentada em 2012 pelo então deputado Eduardo Cunha, e inclui a expressão “desde a concepção” na parte da Constituição que trata dos direitos e garantias fundamentais e prevê a inviolabilidade do direito à vida.

A redação do artigo 5º, em caso de aprovação da PEC, ficaria dessa forma:

Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, desde a concepção, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

Essa alteração constitucional seria suficiente, para os defensores da PEC, para proibir o aborto em qualquer estágio da gravidez e em qualquer circunstância, haja vista que a vida seria protegida desde a concepção.

A CCJ é considerada a comissão mais importante da Casa, já que é responsável por analisar a constitucionalidade das propostas, ou seja, ela serve como um filtro para as matérias que chegam na Câmara, barrando, desde logo, tentativas flagrantemente inconstitucionais de alteração normativa.

E agora, qual o caminho da PEC após a aprovação da CCJ?

A proposta segue para a análise de uma comissão especial, a ser criada, e, após aprovação, só vai a Plenário se pautada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. No Plenário da Câmara, a PEC precisa ter 308 votos favoráveis. 

Lembrando que, por ser uma emenda à Constituição, ela precisa ser aprovada em dois turnos de votação em cada casa do Congresso Nacional (Câmara e Senado), por 3/5 dos membros de cada colegiado.

Após passar por todas essas etapas, a proposta é promulgada em sessão do Congresso Nacional.

Eduardo Cunha, no momento da proposição da proposta, ressaltou que o debate sobre a inviolabilidade do direito à vida não pode excluir o momento do início da vida. Na justificativa da PEC, consta: 

    • A discussão acerca da inviolabilidade do direito à vida não pode excluir o momento do início da vida.
    • A vida não se inicia com o nascimento e sim com a concepção.
    • Na medida desse conceito, as garantias da inviolabilidade do direito à vida têm que ser estendidas aos fetos, colocando a discussão na posição em que deve ser colocada.
    • Em resumo, essa proposta garante que os fetos tenham o mesmo direito à inviolabilidade do direito à vida.
    Como é hoje?

    Atualmente, no Brasil, o aborto é permitido em três hipóteses:

    Para os casos de gravidez de risco e anencefalia, é necessária a comprovação da causa de justificação, seja através de um laudo médico, ou um exame de ultrassonografia com diagnóstico da anencefalia.

    E para o caso de estupro não há necessidade de apresentação de Boletim de Ocorrência ou algum exame que comprove o crime. O relato da vítima à equipe médica é suficiente.

    Os críticos da proposta afirmam que a PEC acaba por revogar o direito das mulheres ao aborto nas situações já previstas no código penal e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

    A deputada Sâmia Bomfim, do PSOL, foi incisiva: “Imaginem as pesquisas com células-tronco, que, graças a essa visão distorcida e fundamentalista, serão descontinuadas ou paralisadas. Olha o grau de violência contra o conjunto da população”.

    No mesmo sentido foi a fala do deputado Bacelar, do PV, que considera a PEC 164/12 inconstitucional: “Ao proibir o aborto em quaisquer circunstâncias, esse texto é incompatível com os direitos fundamentais e com os princípios da dignidade da pessoa humana”.

    O que a Legislação diz:

    O código penal trata do aborto nos artigos 124 a 128. Vejamos.

    Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:  
    
    Pena - detenção, de um a três anos.
    
    ...
    
    Aborto necessário
    
    Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:  
    
    - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
    
    
    Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
    
    II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

    Portanto, o direito positivado prevê duas hipóteses permitidas de aborto:

    • risco para a mãe e,
    • gravidez resultante de estupro.

    A terceira hipótese permissiva do aborto decorre de construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que, na ADPF 54, declarou inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.

    ADPF 54

    O STF, no ano de 2012, julgando a ADPF 54, acrescentou mais uma hipótese lícita de aborto: caso de gravidez envolvendo feto anencéfalo.

    O dicionário Aurélio define a anencefalia como a “monstruosidade consistente na falta de cérebro“, mas em linguagem científica podemos conceituar anencefalia como uma malformação no feto que implica na ausência ou formação defeituosa dos hemisférios cerebrais, ou seja, não existe cérebro bem constituído no anencéfalo. 

    Em geral, a anencefalia impede a vida extrauterina do bebê, tornando a vida inviável.

    O cerne da discussão na ADPF 54 foi sopesar o aparente conflito entre os interesses daqueles que desejam proteger todos os seres humanos, desde a concepção, independentemente da condição física ou viabilidade de sobrevivência, e aqueles que desejam proteger os interesses legítimos da mulher em ver respeitada sua dignidade, sua liberdade, sua autodeterminação, sua saúde e seus direitos sexuais e reprodutivos.

    No final, ficou decidido que “A incolumidade física do feto anencéfalo, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou dias, não pode ser preservada a qualquer custo, em detrimento dos direitos básicos da mulher”.

    O acórdão da ADPF 54 pode ser acessado pelo seguinte link: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=136389880&ext=.pdf

    Conclusão – fim do aborto

    A PEC nº 164/201, recém aprovada na CCJ da Câmara, é polêmica, e dificilmente será aprovada, haja vista que elimina hipóteses de aborto já consolidadas pela legislação (código penal), e pela jurisprudência do STF (ADPF 54), que visam proteger a dignidade da mulher.

    O debate acerca do direito à vida x dignidade da mulher é sempre acalorado, e geralmente passa por questões religiosas, já que um dos dogmas do cristianismo é exatamente a proteção do direito à vida, o que, para muitos, começa com a concepção, e não com o nascimento, motivo pelo qual a ementa da ADPF 54 começa dessa forma:

    ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações.

    Importante acompanhar a tramitação da PEC. Tema quente para provas de direito constitucional e direitos humanos.

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