O caso Isabella Nardoni e a progressão de regime: justiça cumprida ou punição branda?

O caso Isabella Nardoni e a progressão de regime: justiça cumprida ou punição branda?

Entenda o caso

No dia 29 de março de 2008, por volta das 23h49, na Rua Santa Leocádia, nº 138, apartamento 62, Vila Isolina Mazei, em São Paulo, Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, agindo em concurso e com identidade de propósitos, praticaram o crime homicídio triplamente qualificado contra Isabella Oliveira Nardoni, filha de Alexandre e enteada de Anna Carolina.

A denúncia apontou que a vítima foi morta por meio cruel (asfixia mecânica e sofrimento intenso), com utilização de recurso que impossibilitou sua defesa (surpresa na esganadura e lançamento inconsciente pela janela), e com o objetivo de ocultar crime anteriormente cometido (asfixia e ferimentos prévios).

Após o homicídio, segundo a acusação, os réus alteraram a cena do crime, configurando fraude processual qualificada, com a finalidade de induzir a erro o juiz e os peritos.

Após o devido processo legal, em 27 de março de 2010, a condenação de Alexandre Alves Nardoni foi a:[1]

  • 31 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão, pelo homicídio triplamente qualificado contra descendente, com agravantes previstas nos arts. 121, §2º, incisos III, IV e V c.c. §4º, parte final, art. 13, §2º, alínea “a” (quanto à asfixia), art. 61, inciso II, alínea “e”, segunda figura, e art. 29, todos do Código Penal, com cumprimento inicial em regime fechado, sem direito a sursis.
  • 8 meses de detenção, pela prática de fraude processual qualificada (art. 347, parágrafo único, do Código Penal), em regime inicial semiaberto, sem sursis, além de 24 dias-multa no valor unitário mínimo.

Aspectos jurídicos relevantes

Em 6 de maio de 2024, Alexandre Nardoni foi posto em liberdade após decisão judicial que concedeu progressão ao regime aberto, passando a cumprir pena em liberdade.[2]

Na decisão, o juiz reconheceu que, embora houvesse apontamentos do Ministério Público, não havia óbice legal à progressão diante do cumprimento dos requisitos legais. O magistrado destacou que o sentenciado:

  • Manteve boa conduta carcerária, comprovada por avaliações psiquiátricas e pelo presídio.
  • Cumpriu mais da metade da pena total.
  • Já usufruía de saídas temporárias, retornando normalmente ao presídio.
  • Obteve parecer favorável no Relatório Conjunto e Avaliação.
  • Não apresentou faltas disciplinares durante a execução da pena.

Além disso, o juiz estabeleceu condições específicas para o regime aberto:

  • Comparecimento trimestral à Vara de Execuções Criminais ou à Central de Atenção ao Egresso e Família.
  • Obtenção de ocupação lícita em até 90 dias, com comprovação.
  • Permanência em residência entre 20h e 6h.
  • Proibição de mudar de comarca sem autorização judicial.
  • Proibição de mudar de residência sem comunicar o juízo.
  • Proibição de frequentar bares, casas de jogo e outros locais incompatíveis com o benefício.

À época dos fatos, a Lei dos Crimes Hediondos (art. 2º, §2º) determinava que a progressão de regime para condenados por crimes previstos na lei ocorreria:

  • Após o cumprimento de 2/5 da pena, se primário.
  • Após o cumprimento de 3/5 da pena, se reincidente.

Além do requisito objetivo (tempo de pena cumprido), a lei exige bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento prisional.

No caso, segundo a decisão, Alexandre Nardoni preencheu os requisitos objetivos e subjetivos, razão pela qual a progressão foi concedida de forma fundamentada.

Conclusão

O caso reacende um debate recorrente no Brasil: as penas no país seriam brandas ou o sistema de execução penal cumpre sua função de reintegração?

O caso Nardoni

Ainda que as penas fixadas para crimes graves, como homicídio qualificado, sejam altas, o regime de cumprimento no Brasil é progressivo. Isso significa que, cumprindo parte da pena e apresentando bom comportamento, o condenado pode avançar para regimes menos severos, até a liberdade.

A progressão de regime não elimina a gravidade do delito, mas concretiza um princípio jurídico consolidado: a pena privativa de liberdade deve ser cumprida de forma gradual, possibilitando ao condenado um retorno progressivo ao convívio social. Essa transição é desejável, pois, inevitavelmente, o reeducando voltará à sociedade, considerando que, no Brasil, não há prisão perpétua nem pena de morte. Assim, o retorno paulatino favorece uma readaptação mais adequada e segura.

No Tribunal do Júri, a discussão sobre o tempo real de cumprimento da pena é frequentemente utilizada pela defesa como argumento para pleitear a absolvição por clemência, buscando sensibilizar os jurados.

Contudo, essa explicação muitas vezes é transmitida de forma incompleta, sem esclarecer adequadamente o instituto da progressão de regime.

Nesse cenário, é importante contextualizar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de um estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro, diante da precariedade das condições de acolhimento dos presos. Em paralelo editou a Súmula Vinculante nº 56, segundo a qual a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime mais gravoso, devendo-se aplicar, nessa hipótese, as disposições previstas no RE 641.320/RS.

Essa diretriz tem relevância prática significativa: quando não há vaga em estabelecimento próprio ao regime fixado, o condenado não pode ser mantido em regime mais severo, sob pena de violação aos princípios constitucionais da individualização da pena (art. 5º, XLVI) e da legalidade (art. 5º, XXXIX).

O STF fixou parâmetros para que a execução penal observe a dignidade da pessoa humana e os limites impostos pela sentença, ainda que o sistema prisional enfrente déficit de vagas.

Em síntese, os principais pontos são:

I- A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais grave;

II- Os juízes da execução penal podem avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto para qualificá-los como adequados a esses regimes, ainda que não se enquadrem formalmente como colônia agrícola, industrial (semiaberto) ou casa de albergado (aberto), conforme o art. 33, § 1º, alíneas “b” e “c”, do Código Penal;

III- Havendo déficit de vagas, deverá ser determinado:

(i) a saída antecipada de sentenciado no regime onde há falta de vagas;
(ii) a liberdade monitorada eletronicamente ao sentenciado que sai antecipadamente ou é colocado em prisão domiciliar por falta de vagas;
(iii) o cumprimento de penas restritivas de direitos e/ou atividades de estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto.

Até que sejam plenamente estruturadas as medidas alternativas, admite-se a concessão de prisão domiciliar ao sentenciado.

Essa sistemática demonstra que, além de a execução da pena não poder ser mais gravosa que o fixado na condenação, o próprio STF reconhece que a precariedade estrutural do sistema prisional exige medidas que respeitem a legalidade, a dignidade humana e a função ressocializadora da pena.

O episódio envolvendo a soltura de Alexandre Nardoni, 15 anos após a condenação, é um exemplo concreto que mobiliza a opinião pública, pois envolve não apenas um crime de grande repercussão, mas também a aplicação objetiva das regras legais de execução penal.

E você, o que pensa? No caso Nardoni, a progressão ao regime aberto foi justiça cumprida ou exemplo de brandura penal?

Como isso vai cair na sua prova?

Em 2008, Alexandre, primário, praticou homicídio triplamente qualificado contra descendente, crime considerado hediondo à época dos fatos. Em 2010, foi condenado definitivamente a 31 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão. Já em 2019, sobreveio a Lei nº 13.964 (Pacote Anticrime), alterando o art. 112 da LEP e estabelecendo novos percentuais de cumprimento de pena para progressão de regime. Em 2024, o condenado requereu a progressão. Considerando as regras de direito intertemporal e a disciplina da execução penal, assinale a alternativa correta:

A) Aplicam-se as regras da Lei nº 13.964/2019, por serem posteriores e mais gravosas, respeitando-se o princípio da anterioridade penal.

B) Aplicam-se as regras da Lei nº 13.964/2019, pois o art. 112 da LEP possui natureza processual, incidindo imediatamente sobre as execuções em curso.

C) Devem ser aplicados os percentuais previstos na Lei nº 8.072/1990, vigentes à época dos fatos, salvo se lei posterior estabelecer percentual menor, hipótese em que se aplicará retroativamente a norma mais benéfica.

D) Como se trata de crime hediondo com resultado morte, aplica-se sempre o percentual de 50% previsto na Lei nº 13.964/2019, ainda que o crime tenha ocorrido antes da sua vigência.

E) Para crimes hediondos, as alterações legislativas que agravam o tempo de cumprimento para progressão aplicam-se a todos os condenados, independentemente da data do crime, por se tratar de matéria de execução penal.

Gabarito: C.

Justificativa:
A disciplina da progressão de regime na Lei de Execução Penal (art. 112) tem conteúdo material, pois interfere diretamente no tempo de privação de liberdade. Por isso, aplica-se o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (CF, art. 5º, XL). Assim, ao fato praticado em 2008 aplicam-se as regras então vigentes na Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990, art. 2º, §2º), que exigiam o cumprimento de 2/5 da pena para primário e 3/5 para reincidente.

A Lei nº 13.964/2019, ao fixar percentuais diferentes (como 50% para crime hediondo com resultado morte), só se aplica aos crimes cometidos após sua entrada em vigor, salvo se estabelecer percentual menor que o anterior (norma mais benéfica), hipótese em que retroage. No caso narrado, como o percentual de 2/5 (40%) previsto na lei de 2008 é mais benéfico que o de 50% trazido pela lei de 2019, prevalece o primeiro.


[1]www.conjur.com.br/dl/se/sentenca-nardoni.pdf

[2]https://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2024/05/06/alexandre-nardoni-e-solto-apos-justica-conceder-progressao-ao-regime-aberto-ele-vai-cumprir-pena-em-liberdade.ghtml


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