Carreiras Jurídicas na prática: entrevista completa com Adriano César Álvares

Carreiras Jurídicas na prática: entrevista completa com Adriano César Álvares

O 4º episódio da nossa série Carreiras Jurídicas na prática recebe Adriano César da Silva Álvares, Tabelião de Protestos, para uma conversa objetiva sobre carreira, escolhas e prática jurídica.
Ele traz a visão de quem vive a rotina cartorária e conhece as exigências reais do mercado.

Ao longo da entrevista, Adriano compartilha a trajetória, os desafios da função e orientações práticas para quem quer se destacar.

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Você poderia nos contar como foi sua trajetória até se tornar Oficial de Registro Civil e Tabelião de Notas; e atualmente como Tabelião de Protestos? Quais foram os principais desafios nos primeiros anos?

Minha trajetória não foi um salto, mas uma construção progressiva dentro do ambiente extrajudicial. Comecei ainda na faculdade, trabalhando por cinco anos em um dos mais antigos Registros de Imóveis de São Paulo. Isso me deu a espinha dorsal da prática antes mesmo de pensar em concurso. O maior desafio inicial é a transição da teoria acadêmica para a realidade da atividade. Não somos apenas aplicadores do Direito; somos garantidores de segurança jurídica em tempo real, lidando com vidas e patrimônios.

O desafio é a responsabilidade imediata que recai sobre o ato notarial e registral. A aprovação no concurso foi a validação desse caminho, mas o verdadeiro trabalho começou no dia seguinte à delegação.

Você fez pós-graduações em Direito Contratual, Empresarial e depois Notarial e Registral, além de mestrado em Direito Civil pela PUC-SP e em Direito Econômico pelo CEDES-SP. O que motivou essas escolhas e como cada uma delas influenciou sua carreira prática de tabelião?

A escolha das Pós-Graduações (Contratual e Empresarial) e dos Mestrados (Civil e Econômico) foi estratégica, para a formação de uma base para ministrar aulas e também para os concursos e a atividade no tabelionato atual.

O Mestrado em Direito Civil me deu a base da teoria da atividade. O Direito Empresarial e Contratual me preparou para a crescente complexidade das operações e necessidades dos usuários. Sem essa visão ampla, o tabelião se torna um mero “carimbador”, o que não condiz com a realidade da atividade.

Na sua visão, quais são as principais transformações que o cartório notarial sofreu nos últimos anos, especialmente com a digitalização (e-notariado, por exemplo) e depois com a CENPROT (atualmente)? Como isso impacta a prática notarial?

As transformações que vivemos não são apenas sobre tecnologia; são sobre a redefinição da atividade e do que conhecemos sobre ela. O e-Notariado e as centrais como a CENPROT nos tiraram da era do papel e nos colocaram na era da interoperabilidade e da prova digital. Isso tem dois impactos cruciais:

  1. Aumento da Eficiência e Acessibilidade: Atos podem ser lavrados remotamente, desburocratizando a vida do cidadão e do empresário.
  2. Elevação do Nível de Responsabilidade: O erro digital se propaga na velocidade da luz. A segurança não é mais apenas a assinatura física; é a integridade dos dados e a segurança cibernética.

A prática notarial se move de uma função de custódia para uma função de gestão de identidade digital e prova.

Quais são os maiores dilemas éticos que um tabelião pode enfrentar no exercício da função? Você já teve que lidar com situações complexas de integridade ou responsabilidade?

O maior dilema ético reside na pressão entre o interesse do usuário e o interesse da Lei e da sociedade. O tabelião tem o dever de ser imparcial e agir de ofício em algumas circunstâncias. Enfrentamos situações complexas diariamente, desde a identificação de fraudes documentais (o que exige treinamento constante) até a recusa de atos que, embora tragam receita, violam o ordenamento ou sugerem simulação.

A integridade não é negociável; a função notarial só existe pela confiança irrestrita na fé pública. Em um caso de dúvida sobre a capacidade civil ou sobre a licitude da origem de bens, o dever é suspender ou recusar o ato. A responsabilidade do delegatário é integral e ilimitada.

Você leciona em diversas frentes: graduação, pós-graduação, cursos de concursos. Como você equilibra a prática cartorial com a vida acadêmica?

O equilíbrio entre o cartório e à docência é alcançado porque ambas as atividades se retroalimentam, mesmo minha preferência ser a docência por excelência. No cartório, lido com problemas que a teoria ainda não resolveu, gerando fortes momentos para a pesquisa e o ensino. Na sala de aula e nas aulas on-line, sou forçado a manter o conhecimento sempre atualizado, o que é vital para a atividade. A docência não é um fardo, mas uma ferramenta de aprimoramento contínuo. É um ciclo virtuoso: a prática embasa a teoria e a teoria refina a prática.

Para advogados ou profissionais do direito que desejam ingressar no mundo notarial ou registral, que competências você considera mais importantes além do conhecimento técnico?

Além do conhecimento técnico, as competências essenciais hoje são: Gestão e Liderança, Visão Empresarial e Inteligência Emocional. O cartório é uma “empresa” de alta complexidade regulatória. Um delegatário precisa saber liderar equipes, otimizar processos (o que o concurso não ensina) e ter visão estratégica para investir em tecnologia. A Inteligência Emocional é crucial para gerir crises, lidar com conflitos entre os usuários; bem como com os funcionários.

Você acha que a carreira em cartório registral e notarial continua sendo uma opção estratégica para jovens juristas? Quais são os prós e contras comparados à advocacia tradicional?

A carreira extrajudicial é, sim, uma opção estratégica de altíssimo nível para jovens juristas. O pró é a Autonomia com Segurança Jurídica: você é um “empresário” regulado, dono da sua gestão, mas com a chancela e a estabilidade da fé pública.

O contra é que o delegatário é um gestor sozinho dentro da sua responsabilidade, mesmo contratando preposto, a responsabilidade, especialmente civil e administrativa, é toda sua. Diferente do advogado, que tem limites de responsabilidade, a nossa responsabilidade (civil, disciplinar e fiscal) é quase que ilimitada. É uma carreira para quem está disposto a ser gestor, administrador e técnico, não apenas um funcionário público.

Para quem sonha com a delegação notarial ou registral, quais competências  técnicas e comportamentais você considera indispensáveis hoje? E como um candidato pode começar a desenvolvê-las ainda na fase de estudos para o concurso?

Hoje, a habilidade técnica indispensável é o domínio da doutrina, da lei e da Normatização Extrajudicial Nacional e, também, do seu Estado. Muitos erram ao focar apenas na lei federal. O Comportamento chave é a organização e o pensamento sistêmico da atividade e de casos práticos. Para desenvolver isso na fase de estudos, o candidato deve:

  • a) estudar o tema de forma integrada: como o Direito Civil se conecta com o Direito Tributário e o Notarial e Registral;
  • b) visitar e vivenciar: conhecer a rotina de um cartório, não apenas ler sobre ela (sugestão – visite uma serventia em sua cidade para conhecer melhor a atividade);
  • c) desenvolver a capacidade de redação jurídica clara e concisa, que é a essência da prática dos atos.

Muitos candidatos idealizam o cartório como carreira estável e muito rentável. Quais são, na prática, as maiores responsabilidades, desafios e pressões que um futuro delegatário precisa conhecer antes de iniciar essa jornada?

É preciso quebrar o mito dessas ideias iniciais. O cartório é uma vocação de serviço público com gestão privada. A rentabilidade vem diretamente dos emolumentos pagos pelos usuários dos serviços. A ideia é simples: do montante auferido, diminui-se as despesas e custas da serventia, e assim se chega ao líquido do titular; porém, calcular exatamente quanto cada um “ganha” requer mais análises.

De pronto, podemos afirmar que não há falar genericamente em “Cartórios milionários”. Eles existem? Sim. Podem ser providos por concurso público? Sim. Existem alguns cartórios milionários vagos ofertados nos certamos na atualidade? Sim. Ocorre que esse tipo de serventia – milionária – é exceção e não a regra.

Para se ter uma ideia, vamos ver alguns números. Segundo dados extraídos do CNJ, conforme os importes informados em anos anteriores, o valor da receita mensal descontadas as despesas de repasse, funcionamento e impostos, fica em torno de[1] :

  • Até R$ 3.100,00 em cerca de 4.409 serventias (35,15% do total);
  • Até R$ 13.245,00 em cerca de 4.032 serventias (32,13% do total);
  • Até R$ 21.491 em cerca de 1.474 serventias (11,75% do total);
  • Até R$ 132.473,00 em cerca de 2.085 serventias (16,62% do total);
  • Até R$ 264.915,00 em cerca de 355 serventias (2,83% do total);
  • Até R$ 529.830,00 em cerca de 193 serventias (1,54% do total).

Como se vê, há muitos Cartórios que certamente sequer “se pagam”, vale dizer, suas entradas são menores do que as despesas. São os deficitários. Para essas situações, alguns estados estabelecem a “renda mínima”, garantindo um meio de subsistência das serventias e certa remuneração ao titular.

Pois bem. Diferente de outras carreiras jurídicas em que os que assumem os cargos recebem proventos pré-estabelecidos, a remuneração dos titulares dos Cartórios – exercida, como dito, em caráter privado – contém inúmeros “dependes”.

E para relatar, as maiores pressões são:

  1. Responsabilidade Fiscal e Trabalhista: O delegatário é o único responsável por toda a folha de pagamento e o recolhimento de impostos.
  2. Fiscalização Constante: Estamos sob o olhar atento do Judiciário e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A estabilidade é do ato, não do delegatário, que pode perder a delegação por falhas.
  3. Gestão do Estresse: Lidar com a frustração e a pressão dos usuários, mantendo a imparcialidade e a cortesia.

O futuro delegatário precisa entrar sabendo que será um gestor de pessoas e de crises, com o peso da lei nas costas, sendo vigiado por tudo e por todos!

Ao olhar para sua carreira até agora, o que você considera seu maior legado? E quais são seus planos ou metas para os próximos anos  tanto no cartório quanto no ensino jurídico?

Se eu pudesse escolher um legado, seria o de ter capacitado a próxima geração de delegatários, com a inovação da atividade e com novos ideais. Minha contribuição acadêmica, em especial no treinamento e aulas para os concursos de cartórios, bem como nas aulas de pós-graduação visa elevar o nível de debate e de prática.

Minha meta para o futuro, tanto no cartório quanto no ensino, é consolidar a integração total do inovações da atividade, principalmente o sistema eletrônico, tornando a fé pública instantânea, segura e acessível em qualquer lugar do país. Quero deixar a marca de que a tecnologia, quando bem aplicada, é a maior aliada da segurança jurídica e da democratização do acesso à justiça preventiva e às atividades extrajudiciais.

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