Câmara debate esterilização de pessoas com deficiência

Câmara debate esterilização de pessoas com deficiência

Tramita na Câmara projeto de lei que exige, além da autorização judicial, a oitiva do MP para esterilizar cirurgicamente pessoas absolutamente incapazes ou com deficiência mental e intelectual que não possam exprimir sua vontade.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Projeto de lei na Câmara

A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados analisa um projeto que exige, além da autorização judicial, a oitiva do Ministério Público (MP) para esterilizar cirurgicamente pessoas absolutamente incapazes ou com deficiência mental e intelectual que não possam exprimir sua vontade.

Atualmente a Lei nº 9.263/1996 (Lei de Planejamento Familiar) prevê, em seu artigo 10, a esterilização voluntária em duas situações:

Câmara - lei 9263

O parágrafo 6º, do artigo 10, refere-se especificamente aos absolutamente incapazes. Vejamos:

Câmara - lei 9263

Portanto, hoje a lei exige, para a esterilização cirúrgica em incapazes, apenas autorização judicial, e desde que o caso se enquadre em uma das duas hipóteses do artigo 10, vistas acima.

A realização de esterilização em desacordo com o artigo 10 configura crime com pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, se a prática não constitui crime mais grave. Além disso, essa pena pode aumentar em um terço se a esterilização for praticada em pessoa absolutamente incapaz, sem autorização judicial. É a previsão do artigo 15, da Lei de Planejamento Familiar.

Lei nº 9.263/1996

Art. 15. Realizar esterilização cirúrgica em desacordo com o estabelecido no art. 10 desta Lei.

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, se a prática não constitui crime mais grave.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço se a esterilização for praticada:

...

IV - em pessoa absolutamente incapaz, sem autorização judicial.

Inconstitucionalidade

Tramita no STF a ADI 5.911, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) contra o art. 10, I e §5º, da Lei n. 9.263/1996, argumentando serem inconstitucionais os requisitos para a esterilização voluntária. O §5º, que exigia, para a esterilização, o consentimento expresso de ambos os cônjuges, acabou sendo revogado pela Lei nº 14.443/2022. Neste ponto, a ADI perdeu o objeto.

Quanto ao inciso I, à época do ajuizamento exigia-se idade mínima de 25 anos; hoje, essa idade mínima é de 21 anos. O PSB argumenta que os requisitos (idade mínima de 21 anos ou existência de pelo menos 2 filhos vivos) violam os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), a liberdade individual e o direito à autonomia privada (art. 5º, caput, CF).

Em sustentação oral, a representante do PSB destacou que a legislação atual sobre a laqueadura possui caráter excessivamente restritivo e arbitrário, interferindo de maneira indevida na esfera privada das mulheres ao criminalizar o procedimento sem o atendimento de critérios específicos. O julgamento encontra-se suspenso.

Planejamento familiar

A esterilização é vista e analisada dentro do contexto de planejamento familiar, entendendo-se como tal o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.

O planejamento familiar orienta-se por ações preventivas e educativas e pela garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade. Dessa forma, é um dever do Estado garantir a possibilidade do planejamento familiar a todos que o queiram.

As ações de planejamento familiar voltam-se para o fortalecimento dos direitos sexuais e reprodutivos dos indivíduos e se baseiam em ações clínicas, preventivas, educativas, oferta de informações e dos meios, métodos e técnicas para regulação da fecundidade.

Portanto, o planejamento familiar permite tanto ao homem quanto a mulher decidirem de forma livre, consciente e informada, quando e quantos filhos querem ter ou até mesmo a opção de não terem.

Recursos

Podemos citar vários recursos que podem ser utilizados para esse planejamento familiar1. Então, vejamos:

a) Métodos contraceptivos: pílulas anticoncepcionais, DIU de cobre e DIU hormonal, implantes, preservativos, entre outros. Cada método tem suas particularidades, eficácias e efeitos colaterais, e a escolha deve ser individualizada, considerando as necessidades, condições de saúde e preferências da mulher ou do casal.

b) Educação sexual: a educação sexual compreensiva é um pilar central do planejamento familiar, provendo informações corretas sobre anatomia, fisiologia, contracepção e relacionamentos saudáveis. Ela empodera as pessoas para tomarem decisões informadas sobre sua saúde sexual e reprodutiva.

c) Aconselhamento e serviços de saúde: o acesso a serviços de saúde reprodutiva de qualidade, incluindo aconselhamento, é essencial para o planejamento familiar bem-sucedido. O aconselhamento adequado possibilita a identificação das necessidades individuais, oferecendo suporte na escolha e uso correto de métodos contraceptivos.

d) Legislação e Políticas Públicas: políticas públicas e legislações adequadas são indispensáveis para garantir o direito ao planejamento familiar, assegurando acesso universal a métodos contraceptivos, educação sexual e serviços de saúde reprodutiva.

Formas de esterilização

Ademais, é importante ressaltar que a esterilização cirúrgica se dá de duas formas:

Câmara

Justificativas para alteração da lei

Então em que esse novo projeto de lei, analisado pela Câmara, altera a atual disciplina normativa? Basicamente em dois pontos, alterando o §6º ao artigo 10, da Lei nº 9.263/96.

lei 9263

Portanto, na visão da autora do projeto, a deputada Carmen Zanotto, a alteração legislativa visa, ao contrário do que possa parecer, aumentar a proteção dos incapazes, que, agora, para serem esterilizados, precisão não apenas de autorização judicial, mas também de prévia oitiva do representante do Ministério Público. Isso sem falar na concessão da prioridade para a realização do procedimento. Ou seja, a alteração traz um plus de proteção ao incapaz.

Nas justificativas do projeto que tramita na Câmara, a autora ressalta:

“A curatela, o princípio da dignidade da pessoa humana e a esterilização do curatelado contemplam institutos jurídicos de importante repercussão no cenário jurídico atual, pois colocam em tela a preservação de direitos. Assim é que o exercício da curatela deve variar conforme a intensidade do distúrbio psíquico, para que seja dispensado à mulher o melhor tratamento pautado no respeito e proteção de seus direitos. Ressaltamos, ainda que são vários os males mentais e ultra diversificados nos seus graus e por isso acreditamos que as avaliações devem ser individuais e acompanhadas obrigatoriamente pelo Ministério Público. E que quando autorizadas, devido ao alto grau de vulnerabilidade, tais casos devem ter prioridade de realização.”

O tema, como não poderia deixar de ser, é polêmico e divide opiniões. Parte dos estudiosos defendem a alteração, e veem a medida como um reforço na proteção dos direitos dos incapazes. Por outro lado, existem aqueles que defendem a retirada dos empecilhos burocráticos que, segundo estes, acabam por restringir o acesso dos interessados ao procedimento de esterilização e de planejamento familiar, ferindo o princípio da liberdade individual e da dignidade da pessoa humana.

Importante acompanhar a tramitação do projeto no Congresso Nacional, bem como o julgamento da ADI 5.911, pela Suprema Corte. O tema pode ser cobrado em provas de carreiras jurídicas, em especial da Defensoria, do Ministério Público ou da Magistratura.

  1. Disponível em: <https://www.gineco.com.br/saude-feminina/metodos-contraceptivos/tudo-sobre-anticoncepcionais/planejamento-familiar-o-que-e-e-por-que-precisamos-falar-sobre-isso>. Acesso em 11 jul 2024. ↩︎

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