Olá, pessoal! Aqui é o professor Allan Joos e no artigo de hoje vamos analisar o recém aprovado, pela Câmara dos Deputados, projeto de lei nº 6212/2023 que tem por objeto a criação do Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais.
A proposta tem por finalidade a criação de um registro nacional de pessoas condenadas por crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Isso levanta uma série de questões legais e constitucionais sobre privacidade, dignidade humana, além de sua eficácia e impacto na segurança pública.
Também o princípio da presunção da inocência pode ser alvo de discussão. Isso porque a proposta inclui, no cadastro, condenações ainda em primeiro grau e não transitadas em julgado.
O que significa o cadastro?
O projeto de lei propõe o cadastro como a possibilidade de criação de uma espécie de base de dados acessível tanto a órgãos de segurança quanto à população. Assim, permite-se que qualquer cidadão saiba se alguém próximo de seu convívio tem antecedentes por crimes de pedofilia ou seja predador sexual. O objetivo é claro: prevenir novos crimes e proteger os mais vulneráveis.
Porém, o questionamento a que se pode chegar é se há violação não só à presunção da inocência, mas também a direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana, a intimidade e a vida privada.
A publicidade dos dados de condenados já foi alvo de debates anteriores no Brasil, especialmente quanto ao direito ao esquecimento e à reintegração social de egressos do sistema prisional.
Esse cadastro é Constitucional?
A Constituição Federal brasileira consagra, no art. 5º, incisos X e XII, a proteção à intimidade, à vida privada e à honra como direito fundamental da pessoa humana. Nesse sentido, uma das primeiras questões levantadas quanto ao projeto, como já mencionado, é se a criação de um cadastro público não violaria esses direitos fundamentais.
Além disso, entende-se que, uma vez cumprida a pena, o condenado tem o direito de ser reintegrado à sociedade sem sofrer estigmatização ou discriminação. Esse é um dos princípios que embasam o direito penal moderno, focado não apenas na punição, mas na ressocialização do condenado.
Por outro lado, o Estado também tem o dever constitucional de proteger crianças e adolescentes, conforme prevê o art. 227 da Constituição, que impõe à sociedade e ao poder público o dever de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos desse grupo vulnerável.
Portanto, a criação de mecanismos preventivos, como o cadastro, pode ser defendida com base nesse dever, que deve ser compatibilizado com os direitos fundamentais acima citados, na medida em que nenhum direito ou princípio é absoluto.
Proteção de dados pessoais e LGPD
Outro ponto importante de discussão e que não se pode ignorar é a compatibilidade do cadastro com a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018 – LGPD). Essa lei regula o tratamento de dados pessoais no Brasil e estabelece que qualquer coleta, uso ou compartilhamento de dados pessoais deve seguir os princípios da necessidade e da minimização.
A criação de um cadastro público de condenados por crimes sexuais contra menores implica o tratamento de dados sensíveis, que exigem cuidados redobrados quanto à segurança das informações divulgadas.
Embora o cadastro proposto vise eminentemente à proteção de vítimas de violência sexual, em especial crianças e adolescentes, ele deve observar estritamente as diretrizes da LGPD para não ser alvo de questionamentos jurídicos futuros, como a alegação de que houve uso excessivo de dados pessoais. O uso indevido desses dados gera responsabilidade objetiva do Estado, que deve indenizar eventual vítima de divulgação ilícita.
Precedentes nacionais e internacionais
No direito comparado, espécie similares desses bancos de dados já foi objeto de discussão. Por exemplo, nos Estados Unidos, há o famoso Megan’s Law, que exige que as autoridades divulguem informações sobre criminosos sexuais ao público. A aprovação dessa lei ocorreu após o assassinato de Megan Kanka por um vizinho que era um agressor sexual reincidente.
Entretanto, a adoção dessa prática gerou críticas severas, especialmente quanto à privacidade e à eficácia da medida. Em algumas jurisdições, estudos apontaram que esses registros podem, de fato, aumentar a reincidência criminal, ao dificultar a ressocialização do condenado, criando um ciclo de exclusão e estigmatização.
Aqui, o Supremo Tribunal Federal também já se debruçou sobre a temática. Em discussão sobre uma lei estadual (MT), o plenário do STF, por unanimidade, validou o cadastro estadual de pedófilos e a lista de pessoas condenadas por crime de violência contra a mulher, instituídos por leis do Mato Grosso.
Nos bancos de dados, contudo, não deve haver publicação dos nomes das vítimas ou informações capazes de permitir sua identificação pelo público em geral. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6620, proposta pelo governo mato-grossense contra as Leis estaduais 10.315/2015 e 10.915/2019.
Porém, na decisão, houve modulação, na medida em que a divulgação e o acesso foram limitados. Isso porque o Tribunal acolheu proposta do ministro Flávio Dino para que nomes e fotos dessas pessoas estejam disponíveis para acesso público até o fim do cumprimento da pena e não até que se obtenha a reabilitação judicial, como previa a lei.
O prazo final delimitado, na avaliação dos ministros, evita que se comprometa a ressocialização do condenado.
Eficácia da medida
Além das questões legais e constitucionais, um debate relevante é sobre a eficácia do cadastro. Não há dúvidas de que a prevenção de crimes contra crianças e adolescentes é uma prioridade absoluta, mas será que a criação de um cadastro público é a melhor solução?
Bom destacar que, em certa medida, a exposição pública de condenados pode empurrá-los para a marginalização. Isso pode aumentar as dificuldades de sua reintegração social e, consequentemente, elevar o risco de reincidência, até aumentando o espectro dos delitos.
Por outro lado, quem acredita na eficiência do projeto, entende que a transparência e o acesso a essas informações funcionariam como um forte mecanismo de dissuasão e vigilância por parte da sociedade, inibindo o retorno dessas pessoas ao comportamento criminoso.
Agora, o projeto volta ao Senado Federal para decisão sobre conteúdo que fora alterado. Caso aprovado também no Senado, será remetido à sanção presidencial.
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