Cachê da desgraça alheia – abusividades legais?

Cachê da desgraça alheia – abusividades legais?

Uma reportagem da revista Piauí1, publicada recentemente revelou os cachês multimilionários que influenciadores como Virgínia Fonseca, Carlinhos Maia, Gkay, Maya Massafra, e outros famosos, incluindo Cauã Reymond e Neymar, recebem para promover a jogatina online.

Influenciadores

Sob o título “Como os influenciadores ganharam fortunas e ajudaram as bets a produzir a pandemia do vício”, os jornalistas descrevem alguns “contratos imorais” e que até podem apresentar dúvidas de legalidade diante das legislações atuais.

Isto porque, o que chamou a atenção foram contratos chamados de “cachê da desgraça alheia”. Conforme noticiado, a influenciadora Virgínia Fonseca teria direito a 30% das perdas que seus seguidores tivessem no site, detalhando:

  • As pessoas clicavam no link divulgado pela influenciadora da casa de apostas;
  • As pessoas que se cadastrassem e apostassem, por exemplo, R$ 100,00 e perdessem o dinheiro;
  • R$ 30,00 ficaria para influenciadora, como se fosse uma “taxa de sucesso/eficiência”.

Nessa perspectiva o nosso artigo pretende abordar 2 questionamentos essenciais nesse contrato realizado:

1) Legalidade do contrato: há conformidade com a legislação no que tange às cláusulas contratuais?

2) Pode haver responsabilidade civil dos influenciadores caso configure danos aos consumidores?

De início, quanto a regulamentação de apostas online, no Brasil, a Lei nº 13.756/2018 regulamenta as apostas esportivas de quota fixa. Segundo o Art. 29 desta lei:

"A exploração das apostas esportivas de quota fixa depende de autorização do poder público e deve atender aos requisitos legais."

Em outras palavras, para que haja funcionamento de qualquer tipo de casa de apostas, há necessidade de ela esteja em conformidade com a legislação. Isto é, há necessidade de aprovação na esfera federal antes que ela funcione.

Para se ter uma ideia, 4 empresas receberam autorizações definitiva para funcionar, e 52 empresas obtiveram autorizações em caráter provisório, totalizando 66 empresas aprovadas para operar2. No total, foram pagos R$ 2,01 bilhões em outorgas ao Governo Federal.

Legalidade dos contratos com o cachê da desgraça alheia

É importante salientar que os influenciadores acabam funcionando como “intermediários” entre empresas e consumidores.

Isto é, há plena incidência do Código de Defesa do Consumidor na relação com qualquer consumidor que se sente lesado.

Logo, a influenciadora, ao promover jogos de apostas, exerce papel intermediário entre a empresa e o consumidor. Conforme o art. 30 do CDC, toda publicidade veiculada vincula o fornecedor:

"Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados obriga o fornecedor que a fizer veicular."

Transparência e boa-fé

Assim, a omissão de informações relevantes, como os ganhos decorrentes das perdas dos consumidores, pode configurar violação ao dever de transparência e boa-fé objetiva. Logo, há quem diga que Virgínia, deveria informar aos consumidores que ela tinha uma relação contratual com a empresa e que fazia parte da taxa de sucesso.

Ademais, a publicidade de jogos de apostas deve observar critérios de transparência e responsabilidade social, conforme o art. 33 da Lei nº 13.756/2018:

"As ações de comunicação, publicidade e marketing da loteria de apostas de quota fixa deverão ser pautadas pelas melhores práticas de responsabilidade social corporativa direcionadas à exploração de loterias, conforme regulamento."

Em outras palavras, devem os influenciadores nos anúncios se pautarem por práticas de “responsabilidade social”. Há de se ter um cuidado em anunciar que as pessoas terão uma “renda extra” ao jogar, e alertar para o risco das perdas.

Inclusive, a autorregulamentação publicitária exige que os anúncios sejam claros, evitando práticas enganosas (Resolução do CONAR), bem como não se valendo da sua falta de experiência:

Art. 23. Os anúncios devem ser realizados de forma a não abusar da confiança do consumidor, não explorar sua falta de experiência ou de conhecimento e não se beneficiar de sua credulidade.

Isto é, se a influenciadora promove links que geram ganhos financeiros a partir das perdas dos consumidores sem divulgar adequadamente essa informação, há indício de publicidade enganosa, o que pode se enquadrar como infração ao Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O art. 36 do CDC estabelece:

"A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal."

Doutra banda, há quem afirme que o modelo contratual em que a influenciadora recebe percentual sobre as perdas dos consumidores pode ser analisado sob a ótica do art. 39, IV, do CDC:

"É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços obter vantagem manifestamente excessiva nas relações de consumo."

Nessa linha, se os contratos não asseguram equilíbrio ou impõem ao consumidor ônus desproporcional, como a indução ao gasto excessivo em apostas, podem ser considerados abusivos. A falta de transparência no modelo remuneratório agrava essa situação, bem como, a ausência da divulgação de como funciona a “configuração do jogo”, isto é, se os jogos são viciados, devendo ser divulgado seu prompt de configuração, por exemplo.

Responsabilidade civil por perdas e danos

Vale ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu a responsabilidade de intermediários em casos de publicidade enganosa/abusiva:

"O intermediador que promove produto ou serviço, assumindo o papel de fornecedor na relação de consumo, responde solidariamente pelos danos causados ao consumidor."

(REsp 1.758.563/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 09/04/2019)

Assim, caso algum consumidor tenha se sentido lesado por participar dos jogos nos sites de apostas, pode, por exemplo, ingressar com ação judicial em face dos influenciadores digitais, já que há participação direta nos ganhos da empresa de apostas.


  1. BATISTA Jr., João; MEDINA, Alessandra. O Bonde do Tigrinho. Piauí. Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-bonde-do-tigrinho-bets/>. ↩︎
  2. MINISTÉRIO DA FAZENDA. Mercado de apostas de quota fixa começa a funcionar plenamente regulado no Brasil a partir desta quarta (1º/1). Agência Gov. Disponível em: <https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2024/dezembro/mercado-de-apostas-de-quota-fixa-comeca-a-funcionar-plenamente-regulado-no-brasil-a-partir-desta-quarta-1-1>. ↩︎

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