Brasileiros vendem o escaneamento da íris do olho em troca de criptomoedas; entenda como funciona a troca, os riscos e as controvérsias dessa prática.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
Mais de 150.000 brasileiros já toparam ceder os dados da íris do olho para a empresa Tools for Humanity em troca de 25 WorldCoin, uma criptomoeda da própria companhia. O montante equivale a aproximadamente R$300,00.
Idealizada pelo fundador da empresa responsável pelo ChatGPT, a Worldcoin (WLD) promete ser uma moeda digital revolucionária, visando tornar a participação na economia digital global mais acessível a todos.
Em janeiro de 2025, a WorldCoin estava cotada em torno de R$13,00. A Tools for Humanity foi fundada em 2019 por Sam Altman, CEO da OpenAI, e Alex Blania.
A utilização da criptomoeda (WorldCoin) se dá no ambiente da World ID, que é um projeto de identidade digital que tem o objetivo de se tornar uma autenticação digital para diversos serviços na internet. E a autenticação do usuário se dá exatamente através da leitura da íris.
A íris é o anel colorido do olho, responsável por controlar a quantidade de luz que entra na pupila. Ela é ideal para sistemas de validação por biometria, já que possui um padrão único, sendo bem mais precisa que a impressão digital.
Aqueles que defendem o projeto chamam a atenção para os seguintes benefícios:
- Inclusão Financeira Global;
- Identificação Digital Única;
- Transações Rápidas e Confidenciais;
- Governança Descentralizada.
Um dos grandes objetivos do projeto é desenvolver uma identidade digital baseada na leitura da íris, capaz de distinguir humanos de robôs.
No Brasil, o projeto começou no final de 2024, e as coletas são feitas na cidade de São Paulo. O participante aceita que tirem uma foto de sua íris em troca de 25 WorldCoin.
Uma das participantes, Kátia Alves, gostou do projeto:
“Ah, eu achei legal esse negócio de diferenciar pessoas de robô, porque falou que vai ser o único jeito de diferenciar pelo olho e também pelo dinheiro, que eu achei legal, é um valor legal. É, ao todo, é porque assim, eles explicaram que é a moeda que eu recebo. Vai depender do horário que cair na minha conta e a hora que eu converter vai ser um valor diferente”
A leitura da íris do participante se dá através de uma câmera 3D que mapeia o rosto e até a temperatura corporal do usuário.
Segundo a empresa responsável, após o escaneamento da íris, a imagem é convertida em um código anônimo, criptografado, e então apagada, mantendo a segurança do usuário.
O projeto está encontrando resistências e até proibições em vários países do mundo, tais como Espanha, Coreia do Sul e Portugal.
A grande preocupação da comunidade global é com a segurança dos dados coletados e como eles serão, de fato, utilizados.
Mesmo diante do cenário incerto e desafiador, o projeto cresce a ritmo acelerado, e já conta com mais de 10 milhões de participantes espalhados por todo o mundo.
Análise Jurídica – Íris do olho
Mas qual a implicação dessa prática para o direito? É o que veremos agora.
A venda da íris tem relação com a proteção dos dados, que é garantida principalmente pela Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº 13.709/2018).
Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD
A LGPD dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade humana.
Essa norma geral é considerada de interesse nacional, devendo ser observada pelo poder público (União, Estados, DF e Municípios).
A proteção de dados pessoais tem como fundamentos:
- o respeito à privacidade;
- a autodeterminação informativa;
- a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião;
- a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;
- o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;
- a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e
- os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.
A princípio, a LGPD aplica-se ao tratamento dos dados da íris realizado pelo projeto World ID, já que ele envolve a coleta, o armazenamento e a transmissão de dados dos participantes.
Destacamos alguns conceitos importantes e que entram na discussão do projeto:
Um dos princípios que regem a coleta de dados em nosso país é a garantia da segurança, através da utilização de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão.
Portanto, será que o projeto World ID é capaz de assegurar essa proteção exigida por lei aos dados pessoais coletados? A criptografia é suficiente? São perguntas que merecem uma maior reflexão.
Importante pontuar que a legislação (LGPD) exige que o consentimento do usuário seja livre de vícios, e deverá referir-se a finalidades determinadas, sendo as autorizações genéricas para o tratamento de dados pessoais nulas de pleno direito.
Portanto, o consentimento deve ser expresso através de manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada.
Conclusão íris do olho
Diante desse cenário, a “venda” dos dados da íris não seria um fator que compromete a livre manifestação de vontade? A recompensa financeira dada pela empresa em troca dos dados da íris não seria suficiente para colocar em xeque a livre manifestação de vontade do participante?
Todas essas são questões que precisam ser estudadas e discutidas, levando em conta a necessidade de proteção do direito à privacidade, à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem, a defesa do consumidor, o desenvolvimento tecnológico, os direitos humanos, a cidadania e a liberdade de opinião.
A coleta e o uso indiscriminados de dados pessoais pode reforçar o fenômeno contemporâneo da chamada “ditadura dos algoritmos”, que substitui a liberdade individual por uma predisposição imposta por um conjunto de instruções com objetivos, no mínimo, duvidosos.
O tema é extremamente polêmico, e pode ser cobrado em provas de direito civil e direito constitucional. Portanto, muita atenção!
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